sábado, 3 de outubro de 2015

PETROBRAS - Venda de 49% da Gaspetro.


Especialista adverte: “Vender 49% da Gaspetro sem licitação é ilegal”; compradora é acusada de integrar cartel que fraudava Metrô paulista


Gaspetro fotos capa
por Conceição Lemes
Em 22 de setembro de 2015, a Petrobras divulgou comunicado sobre a venda de participação nas distribuidoras de gás natural.
Leia-se venda de 49% dos ativos da Petrobras Gás S/A – Gaspetro, subsidiária responsável pela comercialização do gás natural nacional e importado.
O comunicado diz:
Petrobras informa que está em negociação final com a Mitsui Gas e Energia do Brasil Ltda para a venda de 49% da holding que consolidará as participações da Petrobras nas distribuidoras estaduais de gás natural.  Esta operação, realizada através de processo competitivo, faz parte do Programa de Desinvestimentos previsto no Plano de Negócios e Gestão 2015-2019.
A conclusão dessa transação está sujeita à aprovação de seus termos e condições finais pela Diretoria Executiva e pelo Conselho de Administração da Petrobras, assim como dos órgãos reguladores competentes.
Fatos relevantes sobre esse tema serão tempestivamente comunicados ao mercado.
Desinvestimento, em português claro, significa privatização.
O Viomundo perguntou então à Petrobras, via sua assessoria de imprensa.
– Houve licitação? Se sim, quando?
Resposta: “A venda de 49% da holding está em negociação”
– Entendi os 49%.  A minha pergunta é outra: foi feita licitação ou a Petrobras vai simplesmente entregar 49% da Gaspetro para a Mitsui?
Resposta: “A Lei de Licitação existe para compra de bens e serviços. Nesse caso, é negociação para venda de ativos”.
Parêntese do Viomundo. A Lei de Licitação, a lei nº 8.666/1993, dispõe tanto sobre compra de bens e serviços quanto em relação à alienação de bens:
Artigo 1o  Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Artigo 2o  As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei (negritos nossos). Fechando o parêntese.
– Por que a Mitsui?
Petrobras não responde.
– Por que a Mitsui? – esta repórter insisti.
Resposta: “A Petrobras não comenta”.
“A venda de 49% da Gaspetro sem licitação é ilegal”, adverte Paulo César Ribeiro Lima, consultor legislativo da Câmara dos Deputados na área de Minas e Energia.
“Existe previsão em lei para aquisições por meio do procedimento simplificado da Petrobras, mas não para usar esse procedimento no caso de alienações”, ele  explica. “Assim, a venda de ativos relativa ao plano de desinvestimento da empresa está ocorrendo ilegalmente.”
Paulo César LimaPaulo César Ribeiro Lima é mestre em Engenharia pela Coppe-Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em Engenharia pela Universidade de Cranfield, Inglaterra.
É considerado hoje um dos maiores especialistas brasileiros nas áreas de petróleo, gás natural e biocombustíveis.
Em 1987,  aprovado em primeiro lugar no curso de formação da Petrobras, ele escolheu o Centro de Pesquisas da empresa, onde trabalhou como engenheiro por 16 anos, atuando sempre na Superintendência de Pesquisa em Exploração e Produção. Suas teses de doutorado e mestrado relacionam-se à produção e ao escoamento de petróleo e gás natural em águas profundas.
Em 2002, ele passou em concurso público para Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados na área de Minas e Energia. Atualmente, está envolvido com os temas royalties, pré-sal, minerais estratégicos e fontes alternativas de energia.
Paulo César Lima detalha por que a venda sem licitação é ilegal:
* O artigo 67 da Lei do Petróleo — a lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 –, dispõe que contratos celebrados pela Petrobras para aquisição de bens e serviços devem ser precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em Decreto do Presidente da República.
* Em 24 de agosto de 1998, foi publicado então o decreto nº 2.745, que regulamentou o artigo 67 da Lei do Petróleo, tendo como único anexo o Procedimento Licitatório Simplificado da Petrobras.
* O capítulo VIII desse anexo delibera sobre a alienação de bens, com óbvia afronta ao disposto no artigo 67 da Lei do Petróleo, que, como já dissemos, dispõe apenas sobre aquisições.
* Dessa forma, qualquer venda de bens com base no decreto nº 2.745/1998 é ilegal.
“Enquanto não for regulamentado o estatuto jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista, de que trata o artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, a Petrobras tem que atender aos requisitos da lei geral de licitações, a Lei nº 8.666/1993”, enfatiza Paulo César Ribeiro Lima. “A Lei nº 8.666/1993 exige publicidade e transparência na venda de ativos como os que constam do plano de desinvestimento da Petrobras.”
MITSUI É ACUSADA DE INTEGRAR O CARTEL ENVOLVIDO NO PROPINODUTO TUCANO
Mitsui Gas e Energia do Brasil Ltda faz parte da multinacional japonesa Mitsui & CO Ltd.
“A Mitsui Gas é uma subsidiária 100% da Mitsui & Co, a empresa é independente e conta com um time diretivo próprio”, informa-nos a empresa, através de sua assessoria de imprensa no Brasil.
Acontece que a Mitsui & CO é uma das empresas acusadas de integrar o cartel que fraudava as licitações do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e irrigava o propinoduto do tucanato paulista, também conhecido como trensalão.
A Siemens, vale relembrar aqui, fez acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o Ministério  Público Federal e do Estado de São Paulo (MPF e MPE-SP), e abriu o bico em troca de imunidade civil e criminal para si e seus executivos envolvidos na armação.
A multinacional alemã confessou como ela e outras companhias formaram cartel para manipular e superfaturar concorrências, quais empresas integravam o esquema de corrupção, entre as quais a Mitsui & CO, e como elas corromperam autoridades ligadas ao PSDB e a servidores públicos de alto escalão.
Cruzando os contratos em que o Cade reconhece a ação do cartel metroferroviário com informações deles publicadas no Diário Oficial do Estado de São Paulo e no site Negócios Públicos, chegava-se  ao seguinte resultado, em abril de 2014: os contratos do Metrô e da CPTM sob suspeição já somavam pelo menos R$11,2 bilhões, em valores corrigidos pelo IGP-DI.
Segundo o MPE-SP, o superfaturamento chegou a cerca de 30% dos respectivos valores nos contratos em que houve a ação do cartel.
Quanto à propina paga, segundo um dos denunciantes ao MPE-SP, era, em média, de 8%. O que corresponderia a cerca de R$ 900 milhões ao longo dos últimos 20 anos.
Em dezembro de 2014, a Justiça Federal em São Paulo determinou o bloqueio de cerca de R$ 600 milhões de empresas acusadas de formação de cartel. Foram alvo do sequestro de bens as companhias Alstom, CAF, Siemens, Bombardier, TTrans e a Mitsui.
O Viomundo questionou então a Petrobras e a Mitsui a respeito das acusações.
– O que a Mitsui tem a dizer a respeito dessa denúncia? 
Resposta: “A Mitsui & Co (Brasil) tem conhecimento sobre as investigações relacionadas ao suposto cartel, em conexão com o metrô de São Paulo. Se solicitado, a Mitsui colaborará diligentemente com as autoridades brasileiras e como a investigação está em andamento, a empresa não comentará o caso”.
– Diante dessa denúncia já fartamente divulgada, a Petrobras vai prosseguir na negociação para vender 49% da Gaspetro à Mitsui? 
Resposta: “A Petrobras não comenta”.
A essa altura, a pergunta óbvia que muitos já devem estar fazendo:
– Depois de tantos problemas decorrentes de corrupção, tem sentido a Petrobras negociar, sem transparência — lembrem-se de que algumas perguntas desta repórter ficaram sem resposta! –, a venda de 49% da Gaspetro a uma empresa denunciada por participação em cartel fraudador de licitações e superfaturamento?
Agir como “empresa de mercado”, além de ilegal, não condiz com a grandeza da Petrobras nem com as expectativas do povo brasileiro.
Que a Petrobras mantenha e aumente seus ativos, e eles contribuam para a melhoria do Brasil!

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