quarta-feira, 3 de agosto de 2016

POLÍTICA - A linguística explica.

O discurso de Donald Trump é bem quarta série, mas pode estar manipulando o nosso inconsciente. Com todo respeito ao astro dos reality shows que de repente se tornou o candidato republicano à presidência dos EUA, não se trata de ofensa gratuita, e sim de um fato da linguística cognitiva.
Especialistas da Universidade de Wesleyan conduziram uma análise linguística do discurso de Trump e notaram que corresponde ao nível de leitura de um estudante da quarta série (o mais baixo entre os candidatos a presidência, com Bernie Sanders no topo da lista, à altura de um aluno colegial). Parece ruim, mas, ao que parece, é disso que o povo gosta.
Este vídeo do roteirista/produtor Evan Puschak, mais conhecido como Nerdwriter, explica como a enunciação de Trump pode ser a grande responsável por sua popularidade. “Pela ampla experiência como comerciante charlatão, Trump sabe muito bem como vender um sentimento”, diz Puschak. O candidato conclui suas frases com chavões como “erros”, “danos” e “missão” — nada além de duas sílabas. Outro dado importante: 78% das palavras que Trump usa são monossilábicas, segundo o vídeo.

Uma amostra da fala repetitiva e com palavras-chave que ressaltam medo, problemas e combates. Crédito: Nerdwriter
A gente não dá nada para essas palavrinhas curtas, mas são bem importantes. Elas estrategicamente pontuam as frases de Trump, ou seja, são as últimas palavras que ecoam na plateia. E o efeito se agrava quando ele as repete sem parar. (“Temos um problema”, “Precisamos resolver o problema”, etc.) Quando o restante do discurso de Trump soa incoerente, essas palavras se destacam.

"A repetição é uma das estratégias de Trump e tem efeito retumbante", nos contou George Lakoff, professor de linguística cognitiva da Universidade da Califórnia, nos EUA. A precisão ou legitimidade de declarações repetitivas como “Vamos vencer, vencer, vencer” ou “Maldita Hillary, maldita Hillary” ficam em segundo plano. A repetição por si só já basta. Quando a mídia repete algo incansavelmente, diz Lakoff, as conexões neurais ficam mais fortes.

A compreensão da linguagem é obra das conexões neurais, e ativá-las por meio da linguagem (ou repetição de termos) as fortalece. Elas ficam mais aguçadas. “A compreensão de toda e qualquer coisa começa com conexões neurais”, pontua o linguista.




Captura de tela do vídeo do linguista George Lakoff. Palavras-chave em vermelho: mortes, feridos, problemas, serviço. Crédito:
George Lakoff/YouTube
Quanto mais forte se tornam essas conexões, mais chances dos chavões evocarem associações, e mais chances da ideia soar certeira, seja ela lógica ou não, verdadeira ou não. “Se você disser ‘terroristas islâmicos radicais’ várias vezes, incutindo nas pessoas a ideia de que homicidas têm maior probabilidade de serem muçulmanos, então as pessoas terão mais medo de muçulmanos". afirma Lakoff. “Trump se aproveita dos processos neurais simples do cérebro.”

"Usar linguagem que ativa processos neurais inconscientes nos faz acreditar, inconscientemente, no que ele diz. Acreditamos naquilo porque aquilo se repete e se torna parte da nossa compreensão"

O discurso do candidato e a moralidade política são marcados por “metáforas cognitivas”. “Costumamos pensar na nação, metaforicamente, em termos familiares”, afirma Lakoff. Por exemplo, usamos as expressões pais fundadores, pátria e filhos da guerra. O linguista diz que a ideia progressista de vida familiar condiz com a metáfora abrangente do “Genitor Cuidador”, enquanto os conservadores compactuam com o “Pai Severo”.
Segundo a moralidade do “Genitor Cuidador”, as pessoas são acolhidas por auxílios comunitários (previdência, um salário mínimo mais alto etc.), ao passo que a moralidade do “Pai Severo” defende que, com autodisciplina e trabalho duro, cada um é capaz de cuidar de si. O “Pai Severo” implica respeito às autoridades e hierarquias sociais (os pais acima dos filhos, com base na ideia de que os pais sempre estão certos, escreveu Lakoff, e em muitos cenários, isso se estende para qualquer autoridade que exerça poder sobre uma não-autoridade).
A política de Trump se encaixa na moralidade do “Pai Severo”, de acordo com Lakoff, e isso atrai os conservadores. Qualquer pessoa que discorde de uma figura paterna de autoridade está errada ou é imoral. Então, se partirmos do princípio de que imoralidade é ilegalidade, em termos políticos, a repetição de “maldita Hillary” por parte de Trump a coloca no papel de inimiga do estado, uma infratora — ele retrata Clinton como uma vigarista, incitando as conexões neurais a associar os conceitos “Clinton” e “vigarista”. Isso se chama enquadramento cognitivo.
Ele faz a mesma coisa com muçulmanos. Ao exagerar a verdade, trazendo sempre à tona a ameaça dos “terroristas islâmicos radicais”, ele fortalece as conexões neurais entre “Islã” e “terrorismo” — “muçulmanos” e “terroristas”, portanto, viram parte de um mesmo quadro conceitual, lógica à parte.
Cerca de 98% dos pensamentos são inconscientes. “Trump está aproveitando o nosso inconsciente contra nós, a seu bel prazer”, disse Lakoff. “Usar uma linguagem que ativa processos neurais inconscientes nos faz acreditar, inconscientemente, no que ele diz. Acreditamos naquilo porque aquilo se repete e se torna parte da nossa compreensão. Por isso que é tão perigoso.”
Tradução: Stephanie Fernandes

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