sexta-feira, 2 de setembro de 2022

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Brasil de Fato

por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile

02 de setembro de 2022

Um mês de luta e agonia

Olá! Golpismo empresarial, ativismo judiciário, enxurrada de pesquisas e campanha eleitoral na TV. Setembro chegou. Será um mês de águas mornas ou turbulentas?

.Tudo pode acontecer, inclusive nada. Mesmo com o início dos debates e dos programas eleitorais, a eleição mais importante deste século tem sido bem menos emocionante do que prometia. E, ainda que cada nova pesquisa seja aguardada como uma novidade bombástica, o fato é que elas continuam dizendo a mesma coisa. Em resumo: Lula disparou em junho do ano passado e permanece no mesmo patamar até aqui. Bolsonaro teve uma ligeira melhora, muito mais embalado pelos seus próprios eleitores arrependidos do que pelo pacote de bondades eleitorais. E a possibilidade de vitória em primeiro turno é muito pequena, cada vez mais espremida pela margem de erro. Outro indicativo de que a eleição caminha para um fim sem surpresas é o dado do IPEC de que apenas 21% dos eleitores poderiam mudar sua intenção de voto. Este percentual é maior entre os eleitores de Ciro. Neste caso, uma debandada por voto útil fecharia a fatura no primeiro turno. Por outro lado, a estratégia de Ciro tem sido bater no petista, o que também indica que o eleitor cirista pode ser um bolsonarista enrustido. Mesmo assim, dois fatores tradicionais em eleições operam contra Bolsonaro: os índices de rejeição e aprovação. Enquanto a campanha do capitão tenta desesperadamente aumentar a rejeição a Lula, apostando na campanha do medo na base do “isso vai virar uma Venezuela”, tem que lidar com os próprios indicativos de rejeição nas alturas, mesmo com leve melhora na aprovação do governo, o que hoje, na prática, inviabilizaria sua reeleição.

.Mudança de mindset. Nada deve ser mais ingrato que ser coach de Bolsonaro ou fazer parte de sua equipe de campanha. A autossabotagem se intensificou no debate televisivo: mais discurso para o cercadinho, fake news e misoginia, mostrando que o capitão não superou o passado e está preso à eleição de 2018. O impacto negativo foi imediato nas redes sociais, especialmente entre as mulheres, levando a equipe até a cogitar tirar o candidato de cena, o que não seria viável a essas alturas do campeonato já que o tempo de TV é determinante. Um dos pontos mais graves é a alta rejeição do eleitorado feminino, que chega a 50%, e tende a piorar a cada vez que Bolsonaro abre a boca. O único caminho é uma política de redução de danos, o que inclui focar nas mulheres beneficiadas pelo Auxílio Brasil, e colocar Michelle Bolsonaro na vitrine, dialogando com as nordestinas e, principalmente, com as evangélicas, apesar das restrições impostas pelo TSE. O problema é quando o candidato Bolsonaro tem que lidar com as ações do governo Bolsonaro, como reduzir o mesmo auxílio para R$405. Outra autossabotagem do capitão foi jogar seu próprio partido contra si ao negar-se a apoiar a reeleição de Romeu Zema (Novo), atual governador de Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do país. Por fim, mesmo insistindo em chamar Lula de ladrão, é difícil explicar os 51 imóveis comprados com dinheiro vivo, e talvez seja melhor deixar o tema da corrupção pra lá… Sem conseguir mudar a postura do chefe, só resta à equipe de campanha do capitão acreditar na mudança do mindset do eleitorado. A aposta continua sendo a de que o respiro no cenário econômico, redução do desemprego, queda do preço dos combustíveis, aumento do Auxílio Brasil e os benefícios para taxistas e caminhoneiros ainda darão frutos eleitorais, mesmo que até agora as pesquisas não confirmem esta tendência.

.Pedras no caminho. Mesmo com um desempenho duvidoso no debate televisivo, Lula tem o que comemorar. Além de consolidado na primeira posição, o petista tem conseguido hegemonizar as redes sociais, onde cresce o antibolsonarismo. Porém, há ainda dois grandes desafios pela frente. O primeiro é fragilizar as bases de Bolsonaro e tirar-lhe alguns votos. Para isso, além de enfrentar o tema da segurança pública, tradicionalmente espinhoso para a esquerda, é preciso disputar o voto evangélico. Mais do que apelar a Deus nas peças eleitorais, a estratégia petista passa por aproximar cantoras evangélicas e realizar um encontro de lideranças no Rio de Janeiro. Mas ao contrário de Bolsonaro, a aposta de Lula não é explorar as pautas morais e sim os temas econômicos. Afinal, se o capitão tem ampla maioria entre os evangélicos que ganham mais de dois salários mínimos, dentro os mais pobres quem lidera é Lula e há potencial para crescer. O segundo desafio continua sendo conquistar a confiança do empresariado. Ao que parece, o PIB já aceitou que Lula será o próximo presidente, mas faz questão de tentar domesticá-lo, torcendo para que a eleição tenha um segundo turno. Para isso, conta que Ciro Gomes e Simone Tebet sejam capazes de disputar os eleitores lulistas. Outra garantia exigida pelo setor financeiro para investir em Lula seria a entrega do Ministério da Economia para Alckmin

.O agro é golpe. O foco da resistência bolsonarista continua sendo o agronegócio. Nem o enquadramento do empresariado golpista por Alexandre de Moraes foi capaz de intimidar os ruralistas apoiadores do capitão. O bando que ajuda a financiar a campanha eleitoral e os atos de 7 de setembro inclui grandes devedores da União e um tal Movimento Brasil Verde e Amarelo, formado por lideranças que já integraram o governo, são próximas aos militares e conhecidas pelas ameaças ao STF. E é nos atos com  este setor que Bolsonaro continua insistindo na tese de que a eleição será um golpe contra as liberdades. Por isso, Lula tem razão em taxar um segmento do agronegócio de fascista, gerando desconforto e protestos entre associações do setor. Mesmo que essa afirmação não contribua para dividir o agronegócio e aproximar os dissidentes, e sim para afastá-los em bloco, como alertou um aliado do ex-presidente. Por outro lado, o agronegócio pode ficar sozinho no apoio golpista à Bolsonaro. Nos bastidores empresariais, o setor que ainda flerta com o capitão pode jogar a toalha caso o 7 de setembro seja palco para mais um ataque às urnas e ao STF. Como ninguém sabe do que a tropa de aloprados é capaz, as forças policiais estão reforçando a segurança não só do STF, mas até das embaixadas da China, Rússia e Ucrânia. Além disso, Alexandre de Moraes criou o próprio núcleo de inteligência do TSE, além de firmar uma trégua com os militares para esvaziar o palanque de Bolsonaro.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Gorbachev foi incompetente e subestimou a tarefa que lhe cabia na URSS, diz historiador. Na Carta Capital, confira a entrevista com Rodrigo Ianhez, historiador brasileiro residente na Rússia, sobre o legado do ex-líder soviético.

.O Brasil que anda de jatinho. Infográfico da Piauí é revelador de como a pandemia acentuou a desigualdade: o mercado de luxo da aviação de negócios disparou no período.

.Presidenciáveis, empresas e trabalhadores querem nova lei para apps. O Repórter Brasil demonstra as propostas de candidatos, empresas e trabalhadores para regulamentar o trabalho por plataforma.

.‘Chama o Zequinha’: como um senador abriu as portas do governo a grileiros da Amazônia. A Agência Pública demonstra o empenho do senador paraense em atacar órgãos de proteção e terras indígenas, enquanto protege garimpeiros e grileiros.

.Vijay Prashad: ‘Bolsonaro é hoje um bloqueio no caminho real da história’. O historiador indiano do Instituto Tricontinental projeta os desafios da América Latina e do sul global para o próximo período.

.Lula e a política da astúcia: de metalúrgico a presidente do Brasil. A editora Expressão Popular lança no Brasil a prestigiosa biografia do petista escrita pelo historiador John D. French.

.Guilhotina #180 - Marcos Nobre. O filósofo e professor da Unicamp é o convidado do podcast do Le Monde Diplomatique para discutir o que restou da democracia brasileira.

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