Como Roberto Jefferson, Bolsonaro planejou ato terrorista no RJ
Roberto Jefferson atirou neste domingo (23) na Polícia Federal que cumpria o seu mandado de prisão. Assim como o aliado, o presidente Jair Bolsonaro já planejou ato terrorista no Rio de Janeiro. Em artigo publicado em agosto do ano passado, o Conjur detalhou o caso que aconteceu anos de 1980:
Dezesseis de junho de 1988. Por 9 votos a 4, o então capitão do Exército Jair Messias Bolsonaro é absolvido pelo Superior Tribunal Militar (STM). Cinco meses antes, em janeiro, um conselho de justificação do Exército o considerara culpado, por 3 a 0, por ter tido “conduta irregular e praticado atos que afetam a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe”.
O julgamento era sobre o plano, revelado meses antes desse julgamento pela revista Veja, de explodir bombas em quartéis e em sistema de abastecimento de água em protesto por melhores salários no Exército. Bolsonaro negou participação.
O drama e a fama começam com a publicação, em 1986, de um artigo assinado por Bolsonaro, até então um cabo do Exército conhecido internamente mais pela sua disposição física — daí o apelido de “cavalão” entre os pares. Fonte da revista Veja, ganhara espaço na publicação para publicar um artigo em que reclamava dos salários e criticava o então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves.
Por causa do artigo, Bolsonaro foi punido com 15 dias de prisão disciplinar. Mas o escândalo maior veio um ano depois, quando a mesma revista se viu “obrigada” a publicar uma reportagem sobre um plano de explodir bombas em quartéis e no sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro, que provavelmente teria sido revelado pelo próprio Bolsonaro. Como se tratava de ameaça terrorista, a edição e a reportagem da revista temiam ser consideradas cúmplices de uma possível tragédia.
Para o jornalista Luiz Maklouf Carvalho, que recebeu um arquivo de áudio com 5 horas do julgamento do STM, foi o ponto de partida para ele escrever o livro, lançado em 2019, “O Cadete e o Capitão” (Editora Todavia). É o ápice do drama dos quase 15 anos de carreira de Bolsonaro no Exército.
A absolvição, que aconteceu seis meses antes do atual presidente sair do Exército e entrar para a política, teve repercussão em jornais e revistas na época. Mas os documentos eram reservados e o julgamento, secreto, sem acesso da imprensa.
Com acesso ao áudio do julgamento mais de três décadas depois, Maklouf destrincha as mais de 700 páginas de documentos e 5 horas do julgamento. Analisa dois laudos que atestavam que Bolsonaro foi autor de croquis que explicavam o plano das bombas à Veja e as alegações da defesa de Bolsonaro.
Em entrevista ao Estadão e ao portal G1 na época do lançamento do livro, Maklouf disse que o capitão foi beneficiado por um “espírito de corpo militar” e por uma “hostilidade à imprensa”, na época da transição democrática, por uma maioria de ministros indicados ainda na ditadura.
“Os muitos depoimentos de Bolsonaro e das testemunhas de defesa, que foram seus comandantes, indicam que ele já reclamava com frequência do soldo baixo. Um coronel diz que ele reclamava tanto que chegou a ser incômodo, ninguém queria nem ouvir. Acho que o descontentamento levou ao artigo [em 1986]. Na época foi um artigo atrevido, que desrespeitou a hierarquia. Ele foi punido, também ganhou seus 15 minutos de fama, mas alguns meses depois já não se falava mais isso”, diz o jornalista. “Depois do artigo, ele volta a ser militar como outro qualquer. Com a diferença que ficou famoso nos quartéis.”
E complementa: “Internamente, a oficialidade se mexeu. Ele realmente ganhou fama para boa parte de oficiais de todas as patentes, pela quebra de hierarquia. Marcou, é um fato histórico”.
Além dos laudos, um tema central no julgamento foi a imprensa. O livro de Maklouf mostra que alguns ministros que votaram pela absolvição fizeram críticas genéricas ao jornalismo, citando reportagens que nem tinham a ver com o caso. A volta da liberdade de imprensa era recente no Brasil.
“A imprensa é o segundo personagem do livro. A discussão era de quem mentiu no caso — o capitão, que negou ter participação no plano da bomba, ou a revista, que sempre reiterou que as declarações foram dadas por ele.”
“O réu no processo do STM, e isso se ouve no áudio, foi muito mais a revista e a repórter, que foi insultada de maneira diversa, covarde. Como era sessão secreta, ela foi chamada de famigerada, e coisas piores.”
“Disseram que a revista ‘não vale o que come’. As opiniões de mérito batem muito mais na Veja do que no réu. Essa hostilidade em relação à imprensa acabou ajudando Bolsonaro no resultado do tribunal.”
Na introdução do livro, o jornalista escreve que o julgamento teve “singularidades” que “permitem aventar, com base também na análise da documentação, um jogo combinado para preservar o capitão — o espírito de corpo militar, dito de outra forma —, desde que ele apressasse sua saída do Exército”.
“Este espírito militar já fora do poder, que representava a ditadura ainda, era uma maioria sólida no tribunal. A maioria dos ministros do tribunal tinha sido indicada ainda pelos presidentes da ditadura.”
“Bolsonaro chegou ao STM com uma condenação anterior de 3 a 0 e com aval de mérito do ministro do Exército. Minha pergunta é: como isso mudou? Eu tento mostrar os elementos. Uma entrevista com o presidente sobre isso hoje seria relevante. O Newton Cruz [general que o defendeu na época] foi lá e atuou para ajudar? O Figueiredo [general e ex-presidente na ditadura militar] também? São partes da história que eu espero que um dia venham à luz. Mas é a única explicação possível a que os áudios me levam.”
Originalmente publicado em Conjur
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