Jung Mo Sung *
Na tentativa de tirar a economia norte-americana da recessão, as ajudas do governo às empresas do sistema financeiro e do setor industrial têm trazido à tona algumas coisas estranhas do capitalismo atual. Uma delas é o caso de bônus milionários que os executivos do setor financeiro estão recebendo no meio desta crise, que teria levado muitos bancos e outras empresas do "Wall Street" à falência se não fosse a ajuda do governo. O pior é que esses bônus milionários e outros "mimos" como a compra de um jato executivo (francês, para piorar a imagem) de 50 milhões de dólares, estão sendo pagos com o dinheiro de ajuda governamental. Calcula-se que o total de bônus pago nesta virada de ano só no Wall Street atingiu a cifra de 18 bilhões de dólares.
Quando executivos ganham dezenas de milhões de dólares ao final do ano porque suas empresas tiveram um bom lucro, pode parecer escandaloso para muitos, mas é justificado como incentivo e prêmio pelos bons resultados. Quando algum presidente de uma empresa que teve um grande prejuízo é demitido e recebe dezenas e até mais de cem milhões de dólares como compensação pela demissão, pode se dizer que são casos raros ou que eram cláusulas previstas nos seus contratos de trabalho. Mas, quando no meio dessa crise e de prejuízos, os altos executivos continuam ganhando milhões em bônus com o dinheiro, não da sua empresa, mas dos empréstimos do governo (que no fundo é o dinheiro do povo) é sinal de que há algo realmente estranho. E não são somente os contribuintes ou políticos que reclamam disso, mas também os acionistas destas empresas que vêem o valor das suas ações despencarem, e os executivos que geraram o prejuízo para os seus investimentos ficarem mais ricos.
Essa situação nos mostra mais claramente que o capitalismo, nos últimos 50 anos, evolui para uma situação em que não se divide mais em dois grupos fundamentais: os capitalistas X trabalhadores. Todas ou a grande maioria das teorias e lutas sociais para superar o capitalismo partiam do pressuposto que o conflito fundamental da sociedade se dava entre dois grupos ou classes sociais: os capitalistas e os trabalhadores. Mas, temos hoje um terceiro grupo em cena: a "classe" dos altos executivos (tecnocratas da administração), que trabalhando para o capital não necessariamente se identifica com os interesses dos capitalistas (os proprietários e/ou acionistas).
Hoje, com raríssimas exceções, as grandes empresas não são dirigidas por seus proprietários. Mesmo nos casos em que o presidente da companhia é também acionista, a grande parte desses presidentes-proprietários é possuidora de uma pequena parte das ações da empresas. Isto é, a identificação entre a figura do capitalista (o detentor do capital, o proprietário) e a do administrador ou gestor da empresa capitalista, não é mais correta. O acesso e a relações no interior desta grande burocracia privada das grandes empresas tem uma lógica distinta da dos grandes capitalistas. E nos momentos de crise aparecem mais claramente as diferenças e os conflitos de interesses entre esses dois grupos.
É claro que essa "classe" de grandes executivos se alia aos capitalistas contra a classe trabalhadora (da média gerência para baixo e do piso das fábricas) nos conflitos mais fundamentais da sociedade. Mas, precisamos levar em consideração que o capitalismo não se divide mais somente em dois pólos. Está em cena um outro grupo poderoso e influente no sistema mundial, capaz de enfrentar, seduzir ou se aliar com pessoas que ocupam postos chaves nos governos e nos organismos internacionais e multilaterais que têm a função de (tentar) regular a dinâmica do capitalismo mundial. Quando eles mesmos não transitam de um setor para outro.
Na nossa luta para superar o atual sistema econômico, precisamos compreender de modo mais analítico as diferenças e os conflitos (velhos e novos) que existem no interior do sistema capitalista e, a partir disso, elaborar estratégias de ação (e também novos tipos de discurso). Precisamos debater mais sobre as nossas percepções e teorias sobre essas questões para que possamos elaborar estratégias de ação mais eficazes.
Sem isso, as nossas críticas se tornam críticas genéricas e abstratas contra a voracidade e a injustiça do sistema, em defesa do meio ambiente e da justiça social; mas sem muitas pistas concretas para ações estratégicas e de curto prazo. Estou plenamente acordo que a nossa civilização está vivendo uma crise ética e espiritual, mas as grandes transformações não virão somente de apelos éticos e espirituais. Apelos e experiências de conversão (no sentido amplo da palavra) precisam ser traduzidos em novas formas de relações institucionais e novas estruturas econômicas, sociais e políticas. Essa foi uma das novidades da Teologia da Libertação. O mal não se mostra somente nas relações interpessoais, mas também estruturais (o pecado estrutural) e, por isso, a conversão também passa pelas transformações estruturais da sociedade. E para isso, precisamos também de análises sócio-econômicas. Eu penso que os/as que se consideram adeptos do cristianismo de libertação e da teologia da libertação (eu me incluo) precisam(os) voltar a dedicar tempo e energia naquilo que a TL chamou de "mediação sócio-analítica", (que não deve ser simplesmente confundido com o "ver").
Fonte:ADITAL
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