quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A DEMOCRACIA E AS PRÉVIAS ELEITORAIS.

Mauro Santayana

O governador Aécio Neves voltou a defender, ontem, em Brasília, que o seu partido consulte as bases na escolha do candidato à sucessão de Lula. As eleições conduzidas pelas direções nacionais dos partidos, e essas pelos interesses que conhecemos, podem ser tudo, mas não democráticas. Ainda que a democracia aceite adjetivos, que tanto a desfiguram (liberal, popular, social), a sua essência é a da legitimidade do poder, por intermédio da manifestação absolutamente livre de cada um dos cidadãos. Essa vontade, como é da lógica elementar, começa na escolha dos candidatos a candidatos às eleições majoritárias.

Nos sistemas presidencialistas, como o nosso, não há forma de escolha mais democrática do que as prévias. Elas não garantem a eficiência, nem o comportamento ético dos governantes. Os Estados Unidos têm escolhido bons e maus presidentes, dentro dos limites impostos pelos poderes de fato, e das circunstâncias de cada campanha sucessória. Nos momentos mais difíceis, elas têm permitido a eleição dos melhores, como ocorreu na sucessão de Quincey Adams por Jackson, de Buchanan por Lincoln, de Hoover por Roosevelt, e parece ocorrer agora, na sucessão de Bush.

Apesar de todas as dificuldades, o sistema de escolha dos presidentes da República, no Brasil, tem evoluído com o tempo. Na República Velha, a anterior a 1930, não havia espaço para a oposição. As oligarquias, senhoras do sistema, mantinham o país sob tutela. O Parlamento, controlado pelas famosas comissões de verificação dos mandatos, se limitava aos discursos dos bacharéis, de brilhante erudição política, mas de pouca ligação com a necessidade da grande massa dos brasileiros. É conhecida a luta de Ruy Barbosa. Ainda que a classe média urbana o visse como o homem mais importante do país em seu tempo, as oligarquias, próximas do poder militar (com quem dividiam o mando), não o deixaram voar alto. "Não é uma águia, é um tico-tico", tripudiou panfletário anônimo de Pernambuco, depois da vitória de Epitácio Pessoa contra o grande tribuno, nas eleições de 1919. Epitácio se encontrava no Exterior, quando ganhou as eleições convocadas em razão da morte de Rodrigues Alves, que não chegou a tomar posse. Ganhou, porque era o candidato concebido no ventre do sistema. O voto aberto, sob vigilância policial, registrado a bico de pena nos livros de atas eleitorais, sempre fraudados, garantiam a predominância dos grandes cafeicultores contra a classe média urbana.

A Revolução de 30, com todos os seus erros, e erros houve, foi um passo importante para a evolução republicana que viria com a Constituição de 1946. Ela instituiu o voto secreto e o voto feminino, mas as duas Cartas do período, a de 1934, corporativista, e a de 1937, deram estatuto jurídico ao Estado Novo: estavam submetidas ao pensamento reacionário dos anos 30. As oligarquias atuaram em 1946, a fim de conter a aspiração democrática dos trabalhadores urbanos, mediante o cartel conservador dos grandes partidos. Relator do projeto da Assembléia Constituinte, Prado Kelly, da UDN, cuidou de assegurar seu antigo poder, mediante o sistema partidário que, com poucas variações, vigora até hoje.

Não será fácil aos adversários da proposta combater a ideia das prévias. Como dizer às bases partidárias que a vontade dos partidos pode ser expressa pela opinião de meia dúzia dos membros de sua comissão executiva? Para início de conversa, não há comissão executiva que tenha representação federativa autêntica. Os grandes estados dominam os partidos nacionais. Ora, o que caracteriza uma federação é a absoluta igualdade política entre suas unidades, da mesma forma que o que caracteriza a República é a plena igualdade de direitos políticos dos cidadãos.

A construção da democracia na sociedade exige, previamente, a democracia no interior dos partidos. Essa democracia só se realiza mediante a aferição da vontade dos filiados e dos simpatizantes, com a realização das prévias. Há os que pregam o consenso para a escolha dos candidatos. Cabe perguntar em que universo se aferiria esse consenso. Se o consenso for dos partidos, ele só pode ser obtido com a consulta às bases, com as prévias. Se for o consenso dos chefes, nunca será democrático. A democracia não pode continuar sendo concessão, a conta-gotas, do poder econômico ao conjunto da nação, mas, sim, a conquista da vontade e da ação de seu povo, isto é, do conjunto dos cidadãos.
Fonte:JB

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