segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

FSM - Correa, Lugo, Morales e Cháves no FSM.

João Romão

Mesmo sem a presença do anfitrião Lula, quatro presidentes de Repúblicas da América Latina juntaram-se num comício em Belém do Pará, à margem do Fórum Social Europeu, em que valorizaram os contributos do FSM para as lutas pelo socialismo e procuraram o apoio dos movimentos sociais de todo o mundo.

Sobre o local e horário do evento, realizado sob forte protecção policial e militar, foram circulando sucessivos rumores que evitaram a afluência de um público massificado e apenas algumas centenas das cem mil pessoas que assistem ao Fórum estavam na assistência.

Rafael Correa foi o primeiro a discursar e em vinte minutos definiu todo um programa revolucionário. O presidente do Equador começou por criticar a «arrogância do consenso de Washington», partilhado por uma minoria de líderes e salientou o «momento mágico» que vive a política latino-americana, com a eleição de novos governos, de esquerda, que ninguém esperava há dez anos atrás, e que são a expressão da vontade dos povos e o resultado dos movimentos sociais. Economista formado em Chicago, a principal referência teórica do neoliberalismo nas últimas décadas, o «Chicago-Boy que reescreveu a lição», como Chavez viria a dizer, defendeu a redefinição do papel do Estado e a renovação da ideia de planeamento, lembrando que, actualmente, «os que mais planificam são os países ricos e as grandes multinacionais».

Correa apelou à articulação de forças nacionais e acções colectivas contra o capitalismo contemporâneo, onde o trabalho é um instrumento do capital e a competição assenta na precarização das relações laborais, defendendo uma nova ênfase no valor de uso em detrimento do valor de troca e dando como exemplo a selva amazónica, «o mais precioso bem da Humanidade» e novos conceitos de desenvolvimento, assentes em novas arquitecturas regionais e novos processos de colaboração entre regiões. Segundo Correa, «o socialismo não questionou os grandes objectivos do capitalismo – massificar o consumo e produzir mais riqueza – e apenas os tentou atingir mais depressa», pelo que o socialismo do século XXI deve ser «evolutivo, adaptado às condições de cada sociedade, não-dogmático e eficaz».

Fernando Lugo, eleito há um ano presidente do Paraguai, também salientou que «a História dos nove Fóruns Sociais Mundiais corresponde a uma mudança profunda na situação política da América Latina: as lutas dos movimentos sociais têm sido o suporte da mudança, construída nas ruas, debaixo das árvores, nas lutas, nas eleições, com vitórias e derrotas». «O que conseguimos» – afirmou – «foi suficiente para derrotar o neoliberalismo, mas ainda não chega para construir a sociedade que a América Latina merece: para navegar na Amazónia é preciso paciência, mas na América Latina precisamos de impaciência para construir um novo continente. Um novo mundo, não só é possível, como se está a tornar real», concluiu.

Evo Morales não chegou a utilizar os vinte minutos previstos para cada orador para evocar «a defesa da terra», com o exemplo da Amazónia e dos povos amazónicos. «Não quero que me convidem, quero que me convoquem», esclareceu o presidente boliviano, que exigiu «justiça e humanidade em vez de ambição» e pediu aos movimentos sociais que não o esqueçam.

Hugo Chávez foi o último dos presidentes a falar, salientando que havia vinte minutos para um discursar e que é assim o socialismo. No entanto, ao contrário dos restantes, falaria durante quase cinquenta minutos, grande parte dos quais a evocar o legado de Fidel Castro e os encontros que foi mantendo nos últimos vinte anos com o líder cubano. Saudou os companheiros de mesa e evocou Tupac Amaru, o chefe índio que, nos momentos antes de ser esquartejado por quatro cavalos a mando dos colonizadores espanhóis, declarou com dignidade: «Vou, mas um dia voltarei, feito milhões».

Chávez foi o único a referir-se ao «genocida» que ocupou a Casa Branca nos últimos dez anos e que «saiu pela porta de trás, para o caixote de lixo da História», para desafiar Barack Obama a marcar uma efectiva mudança, libertando o território de Guantánamo para a tutela de Cuba ou retirando o seu exército do Equador. No entanto, esclareceu que «não temos grandes expectativas» e apenas exigiu «respeito pela soberania venezuelana».

O presidente da Venezuela lembrou que 300 anos de capitalismo provocaram fome, desigualdades, trabalho infantil, destruição da natureza e contaminação, salientando que estes problemas só se agravaram com o aprofundamento do capitalismo global, para defender a construção, com os movimentos sociais, de um novo socialismo: «não há terceira via – ou capitalismo ou socialismo». Tal como os outros presidentes, Chavez defendeu a importância dos movimentos sociais, porque «um novo mundo é possível, um novo mundo é necessário, um novo mundo está a nascer. O longo discurso – que fez alguns assistentes abandonarem o recinto antes do final - acabou com um grito de esperança: «Pátria, Socialismo ou Morte. Venceremos!»

A organização do encontro foi apoiada pelo PSOL e promovida pelo Movimento dos Sem Terra (MST), que não convidou Lula da Silva. No entanto, o presidente do Brasil havia de se juntar aos outros quatro presidentes num comício nocturno, centrado na problemática da crise mundial, encarada como uma oportunidade para a construção de um novo modelo de desenvolvimento e uma nova sociedade. Nesse comício foram apresentadas medidas anti-crise em curso na América Latina, que incluem um significativo reforço dos investimentos públicos, nomeadamente nas áreas da habitação e energia, e a criação de um banco regional de investimento para apoio ao desenvolvimento.

Fonte: Esquerda/Informação Alternativa.

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