quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

FSM - O altermundismo se politiza.

A notável diferença de cor humana entre as duas universidades que receberam o último Fórum Social Mundial ajudou a acentuar o protagonismo assumido pelos movimentos sociais no processo de articular a sociedade civil global, ampliando sua politização. O FSM deste ano foi realizado em Belém do Pará entre 27 de janeiro de 1º deste mês. O próximo acontecerá na África, em 2011.

As multidões agitadas da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), com muitos indígenas, negros e jovens, contrastavam com as menos numerosas e melhor vestidas da Universidade Federal do Pará (Ufpa), onde se concentrou a maior parte das atividades de organizações não-governamentais. Não se tratou de uma separação premeditada nem classista, apenas a Ufpa não aceitou acampamentos em seu campus, explicou uma organizadora do evento, surpreendida ao observar que pareciam “dois fóruns distintos”. Camponeses, jovens, indígenas e negros tiveram que acampar na Ufra ou em locais próximos, congestionando a entrada, a via interna da universidade e as tendas temáticas ali instaladas.

O programa de ação para este ano, aprovado pela Assembléia das Assembléias que encerrou o FSM, prevê mobilizações quase todos os meses e pode contribuir para revitalizar os movimentos sociais. Essa tendência é previsível devido aos efeitos da crise financeira que contaminou a economia mundial, gerando desemprego, empobrecimento e mais desigualdade social. Os sindicatos, por exemplo, recuperariam parte do protagonismo perdido nas últimas décadas. Chega o momento da ação, das grandes mobilizações em defesa de direitos ameaçados, para evitar retrocessos em leis trabalhistas ou tentar fazer com que a superação da crise não seja apenas um retorno à situação anterior.

A assembléia dos movimentos sociais, um dos 30 grupos temáticos que se reuniram no último dia do FSM para definir propostas e ações, encabeçou sua declaração defendendo “a nacionalização dos bancos, sem indenização e sob controle social”. Que a sociedade tenha alguma forma de controle das instituições financeiras estatizadas é um avanço reclamado pelos movimentos diante da simples nacionalização promovida pelos governos com resposta à quebra dos bancos. Outra reclamação é a redução da jornada de trabalho sem perda salarial como forma de atenuar a onda de desemprego que já se estende desde o mundo industrializado ao chamado “emergente”.

A crise, que os altermundistas do FSM veem como a confirmação de sua visão crítica para a “globalização neoliberal”, pede urgência em passar do campo das idéias, dominado pelas organizações não-governamentais, para o da ação coletiva, que depende da capacidade de mobilização dos movimentos sociais. Assim, a separação entre esses dois setores no FSM de Belém não parece uma mera casualidade. Apenas a repetição de idéias teóricas se esgota e o próprio fórum já havia decidido não destacar os “ideólogos” que em edições anteriores atraíram a audiência dos ativistas em palestras e mesa-redonda.

As assembléias do último dia foram um mecanismo para promover a ação. Decidiram em conjunto programar manifestações mundiais, ou locais de repercussão internacional, que começarão dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e se ampliarão em uma semana de protestos entre 28 de março e 4 de abril. A reunião do Grupo dos 20 países industrializados e emergentes interessados no sistema financeiro, prevista para abril em Londres, as guerras e as crises, a solidariedade com os palestinos e o boicote a investimentos e produtos israelenses, e o 60º aniversario da Organização do Tratado do Atlântico Norte serão os motivos e temas dessas jornadas.

Os atos de 1º de maio, Dia do Trabalhador, ganharão nova importância este ano, assim, como o 12 de outubro, data que marca o início da colonização espanhola na América, com um chamado a manifestações em defesa da Mãe Terra e contra as mercantilização da vida, destacando os indígenas deste continente. Para julho estão anunciados protestos contra a reunião do Grupo dos 8 países mais poderosos do mundo, e 12 de dezembro será o Dia de Ação pela Justiça Global, como forma de pressionar para que a conferência de Copenhague, que deverá decidir como a humanidade enfrentará a mudança climática, adote metas efetivas e salvadoras.

Com esse chamado à mobilização quase permanente, o FSM de Belém, que envolveu cerca de 150 mil pessoas, incluindo participantes e pessoal da organização, apoio e abastecimento, pode passar a uma nova etapa, mais ativa e de rua, sem deixar de ser um fórum. A maior politização se refletiu também na presença de cinco presidentes, incluindo Luiz Inácio Lula da Silva, em um ato de 10 mil pessoas, promovido pela Central Única dos Trabalhadores e duas organizações não-governamentais.

Os outros quatro mandatários, de Bolívia, Equador, Paraguai e Venezuela, integrantes ou simpatizantes da Alternativa Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba, encabeçada pelo venezuelano Hugo Chávez) protagonizaram também um diálogo organizado pela Via Camponesa. É a primeira vez que o FSM atraiu tantos presidentes, todos de esquerda ou centro-esquerda. Não faltaram críticas à organização do megaencontro. Francisca das Chagas Felix queixou-se da falta de condições para os deficientes. “Os surdos foram embora porque não havia interpretes na linguagem de sinais”, e os que tinham problema de locomoção, com ela, que enfrenta seqüelas físicas de uma meningite e caminha com muletas especiais, não dispunham de transporte entre atividades muito distantes uma da outra. Em Porto Alegre, que em 2001 foi berço do FSM, 350 deficientes puderam participar. Agora em Belém esse número limitou-se a 30, disse à ativista à IPS.

Questões específicas como essa e piadas sobre cancelamento de centenas das 2.600 atividades planejadas e a impossibilidade da participação popular pelo custo da inscrição (equivalente a US$ 13) alimentam as críticas que buscam invalidar o Fórum Social Mundial. Mas, trata-se de um âmbito que não admite avaliações simplistas, baseadas em critérios tradicionais, porque é um processo inovador, que busca a democratização fortalecendo a sociedade civil, através da articulação e da criação de redes de fora horizontal, não hierárquica. Seu significado e resultados não se medem pela repercussão nem pelas posições políticas que, como fórum, adota.

A maioria dos mandatários presentes em Belém reconheceu que seus triunfos eleitorais foram, em parte, fruto do FSM. Alguns movimentos, como o de povos e nações sem Estado, estão se tornando globais graças ao fórum. A próxima edição do Fórum Social Mundial, em 2011, poderia acontecer em Dakar, no Senegal, ou em Johannesburgo, na África do Sul. Isso foi discutido na reunião do Conselho Internacional do FSM na segunda e terça-feira, mas a decisão será tomada em um novo encontro, em abril ou maio, no Marrocos, informou Cândido Grzybowski, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas.
Fonte: Revista Fórum

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