A manipulação da fala presidencial para justificar alta de juros
Foi o que o sistema Globo fez ao cobrir Dilma na África do Sul: ela afirmou que era contra sacrificar crescimento e emprego em favor do combate à inflação, enquanto a Globo pôs no ar que ela não considerava o controle da inflação uma prioridade.
J. Carlos de Assis
Há uma maneira simples e direta de manipular o noticiário de imprensa para ludibriar a opinião pública em relação a algum assunto de interesse: esconda-se atrás de uma “fonte” anônima ou, mais especificamente, do “mercado”. Foi o que o sistema Globo fez com notável cinismo na cobertura de uma entrevista da presidenta Dilma na África do Sul: ela afirmou que era contra sacrificar o crescimento econômico e do emprego em favor de um suposto combate à inflação, enquanto a Globo pôs no ar que ela não considerava o controle da inflação uma prioridade.
A Globo, manipuladora como é, não assumiu de forma explícita a crítica à presidenta. Disse, sim, que os “mercados”, ansiosos por aumentar os juros a pretexto de combater a inflação, reagiram mal à declaração dela. Normalmente, a emissora teria saído à cata de um economista com interesse próprio em jogo (há tantos) para vocalizar a crítica, escondendo-se atrás dele. Por um dos incidentes normais no jornalismo de tevê – pode ter faltado tempo para repercutir a fala da presidenta junto a um esbirro do mercado-, recorreu a algum fantasma neoliberal de casa para fazer no escuro o trabalho sujo.
Essa prática de jornalismo de interesses é o que há de mais sórdido na imprensa brasileira. Nesse caso específico, estamos diante de uma conspiração midiática para aumentar a taxa de juros sob o pretexto de combater uma inflação longe de estar fora de controle. Isso é mais comum do que o leitor ou telespectador imagina. Nem é exclusividade nossa: nos Estados Unidos, um colunista do principal jornal financeiro, The Wall Street Journal, foi demitido depois que se provou que anunciava na sua coluna num dia a ação que se valorizaria no dia seguinte!
É muito difícil provar “manipulação”. Mas todos que a sentem sabe do que se trata. A presidenta Dilma reagiu com rapidez e eficácia. Tinha, a seu favor, um bom número de jornalistas fazendo a cobertura da viagem, o que impedia um segundo nível de manipulação, desta vez truncando as palavras literais dela. É claro que, desmascarado, o sistema Globo não se deu por vencido. Na última sexta-feira o jornal do grupo fez um longo editorial com um titulo fundamentalmente cínico: “Presidente acerta ao esclarecer que combaterá inflação”.
Vamos traduzir o significado do editorial, por partes. Primeiro, segundo o editorialista, a presidenta “acerta”. Quer dizer, de forma subliminar, antes ela tinha errado. Agora O Globo, com sua autoridade infalível, declara que ela está certa. Segundo, a presidenta esclarece que combaterá a inflação, e é por isso que ela acerta. Contudo, desde a primeira declaração manipulada, a presidenta expressou um compromisso com a estabilidade de preços, com a ressalva, porém, de não subordinar isso ao crescimento da economia e do emprego. O jornal omite isso.
Se o editorial do Globo fosse submetido ao mesmo tipo de manipulação a que foram submetidas as declarações presidenciais, poderíamos dizer que estamos diante de um grupo midiático que se comporta como partido político e, pior ainda, como fundo de aplicações financeiras. E isso não está limitado à direção empresarial. Os apresentadoras e comentaristas da Globo são tão entusiastas do noticiário neoliberal que vomitam sobre a opinião pública, indiferentes ao estrago que provocam (qual seria o custo para a sociedade de uma retomada da elevação da taxa de juros agora?), que é difícil imaginar, pela expressão de seu rosto, pelo tom da voz, pelos esgares que fazem, que são inocentes úteis a serviço dos patrões. São, de fato, inocentes remunerados não só mediante salários, mas comprados por consultorias e palestras!
Contudo, essa situação não tem solução simples. Pode-se impedir monopólios de emissoras de televisão por se tratar de concessões públicas, mas não há como impedir o estabelecimento de redes, mesmo quando não passam de um recurso fictício para encobrir monopólios. Por outro lado, o princípio da liberdade de imprensa e de opinião é um instrumento fundamental para o desenvolvimento da democracia de cidadania ampliada. Além disso, não sei como na prática funcionaria o tal controle social da mídia, como muitos reclamam.
Entretanto, quando governos se sentem manipulados pela mídia, eles têm o recurso do controle das verbas publicitárias. Podem também, mediante o mesmo recurso, estimular a concorrência e apoiar mídias alternativas. Há sempre o risco ideológico – governos não são eternos, e podem mudar de mãos levando nelas os controles. Há o caminho da difusão ampla e da democratização da informação pela internet. Mas melhor é o verdadeiro controle social, ou seja, o da audiência: o noticiário da Globo está manipulando declarações de uma presidenta progressista? Que o povo boicote o noticiário da Globo e os anunciantes que lhe dão suporte financeiro. Não há melhor pedagogia que o corte do dinheiro!
Ah, deixem de fora do boicote as novelas. Elas são de boa qualidade, agradam o público, são um bom produto de exportação do Brasil e em geral são ideologicamente inofensivas.
A Globo, manipuladora como é, não assumiu de forma explícita a crítica à presidenta. Disse, sim, que os “mercados”, ansiosos por aumentar os juros a pretexto de combater a inflação, reagiram mal à declaração dela. Normalmente, a emissora teria saído à cata de um economista com interesse próprio em jogo (há tantos) para vocalizar a crítica, escondendo-se atrás dele. Por um dos incidentes normais no jornalismo de tevê – pode ter faltado tempo para repercutir a fala da presidenta junto a um esbirro do mercado-, recorreu a algum fantasma neoliberal de casa para fazer no escuro o trabalho sujo.
Essa prática de jornalismo de interesses é o que há de mais sórdido na imprensa brasileira. Nesse caso específico, estamos diante de uma conspiração midiática para aumentar a taxa de juros sob o pretexto de combater uma inflação longe de estar fora de controle. Isso é mais comum do que o leitor ou telespectador imagina. Nem é exclusividade nossa: nos Estados Unidos, um colunista do principal jornal financeiro, The Wall Street Journal, foi demitido depois que se provou que anunciava na sua coluna num dia a ação que se valorizaria no dia seguinte!
É muito difícil provar “manipulação”. Mas todos que a sentem sabe do que se trata. A presidenta Dilma reagiu com rapidez e eficácia. Tinha, a seu favor, um bom número de jornalistas fazendo a cobertura da viagem, o que impedia um segundo nível de manipulação, desta vez truncando as palavras literais dela. É claro que, desmascarado, o sistema Globo não se deu por vencido. Na última sexta-feira o jornal do grupo fez um longo editorial com um titulo fundamentalmente cínico: “Presidente acerta ao esclarecer que combaterá inflação”.
Vamos traduzir o significado do editorial, por partes. Primeiro, segundo o editorialista, a presidenta “acerta”. Quer dizer, de forma subliminar, antes ela tinha errado. Agora O Globo, com sua autoridade infalível, declara que ela está certa. Segundo, a presidenta esclarece que combaterá a inflação, e é por isso que ela acerta. Contudo, desde a primeira declaração manipulada, a presidenta expressou um compromisso com a estabilidade de preços, com a ressalva, porém, de não subordinar isso ao crescimento da economia e do emprego. O jornal omite isso.
Se o editorial do Globo fosse submetido ao mesmo tipo de manipulação a que foram submetidas as declarações presidenciais, poderíamos dizer que estamos diante de um grupo midiático que se comporta como partido político e, pior ainda, como fundo de aplicações financeiras. E isso não está limitado à direção empresarial. Os apresentadoras e comentaristas da Globo são tão entusiastas do noticiário neoliberal que vomitam sobre a opinião pública, indiferentes ao estrago que provocam (qual seria o custo para a sociedade de uma retomada da elevação da taxa de juros agora?), que é difícil imaginar, pela expressão de seu rosto, pelo tom da voz, pelos esgares que fazem, que são inocentes úteis a serviço dos patrões. São, de fato, inocentes remunerados não só mediante salários, mas comprados por consultorias e palestras!
Contudo, essa situação não tem solução simples. Pode-se impedir monopólios de emissoras de televisão por se tratar de concessões públicas, mas não há como impedir o estabelecimento de redes, mesmo quando não passam de um recurso fictício para encobrir monopólios. Por outro lado, o princípio da liberdade de imprensa e de opinião é um instrumento fundamental para o desenvolvimento da democracia de cidadania ampliada. Além disso, não sei como na prática funcionaria o tal controle social da mídia, como muitos reclamam.
Entretanto, quando governos se sentem manipulados pela mídia, eles têm o recurso do controle das verbas publicitárias. Podem também, mediante o mesmo recurso, estimular a concorrência e apoiar mídias alternativas. Há sempre o risco ideológico – governos não são eternos, e podem mudar de mãos levando nelas os controles. Há o caminho da difusão ampla e da democratização da informação pela internet. Mas melhor é o verdadeiro controle social, ou seja, o da audiência: o noticiário da Globo está manipulando declarações de uma presidenta progressista? Que o povo boicote o noticiário da Globo e os anunciantes que lhe dão suporte financeiro. Não há melhor pedagogia que o corte do dinheiro!
Ah, deixem de fora do boicote as novelas. Elas são de boa qualidade, agradam o público, são um bom produto de exportação do Brasil e em geral são ideologicamente inofensivas.
J. Carlos de Assis é economista, professor de economia internacional da UEPB e autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus” (ed. Civilização Brasileira).
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