É possível estacionar, em qualquer tema controverso que seja de interesse da sociedade civil, à espera de um período mais tranquilo, em que governo e Parlamento ajam de forma a avançar? E o que significa “um período mais tranquilo”?
No caso da discussão em torno da mídia, o cenário se movimentou em 2009, com a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), convocada por iniciativa do presidente Lula. Apesar da dificuldade das regras estabelecidas (como a aprovação das questões chamadas “sensíveis” com um mínimo de 60% dos votos e ao menos um de cada segmento envolvido – sociedade civil empresarial, sociedade civil não empresarial e governo), foi ali construída e aprovada a proposta de um novo marco regulatório.
Teria sido o suficiente para sua incorporação em um plano de políticas sobre o tema, como nas demais conferências. Mas o então ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação do governo federal, fez dela um sumário para expor à consulta pública. Por seu lado, a sociedade civil reunida fez uma síntese de vinte pontos de suas propostas prioritárias.
O ministro das Comunicações Paulo Bernardo, que assumiu em 2011, firmou o mesmo compromisso e disse que apenas precisaria tomar pé do debate. Um ano depois, chegou a dar uma data para que o MiniCom colocasse em consulta pública o tema, sem que nada acontecesse.
O Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), cumprindo as definições de sua plenária, lançou no dia 26 de agosto de 2012 a campanha “Para expressar a liberdade, uma nova lei para um novo tempo”, com o objetivo de reunir as mais variadas organizações da sociedade civil para impulsionar a mobilização em torno da urgência de o país fazer a discussão de uma nova lei para esse setor.
Em fevereiro de 2013, o secretário executivo do Ministério das Comunicações, Cezar Alvarez, declarou não acreditar na viabilidade de se iniciar a discussão de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil antes das eleições de 2014 – o que repercutiu muito mal entre os que lutam pela democratização e pelo direito à comunicação no país.
Segundo o texto do FNDC, o que fica claro é o fato de a opção do governo significar, na prática, o alinhamento aos setores mais conservadores e o apoio à manutenção do status quo da comunicação – nada plural, nada diverso e nada democrático –, mantendo assim o marco regulatório de 1962, ultrapassado e em total desrespeito à Constituição, para proteger os interesses comerciais das grandes empresas.
O FNDC, entendendo ser absolutamente irreversível para o processo democrático o avanço em direção à equidade de direitos em relação ao uso da comunicação e das tecnologias audiovisuais, propõe-se a elaborar um Projeto de Lei de Interesse Público com base nos vinte pontos estratégicos definidos a partir das conclusões da Confecom.
Outros atores sociais se posicionam
Em março, o Diretório Nacional do PT aprova uma resolução em que conclama o governo “a reconsiderar a atitude do Ministério das Comunicações, dando início à reforma do marco regulatório das comunicações, bem como a abrir diálogo com os movimentos sociais e grupos da sociedade civil que lutam para democratizar as mídias no país".
O Psol divulga nota pública de seu setorial de comunicação e cultura em que critica o governo e apoia a campanha coordenada pelo FNDC. Alguns deputados federais, como Luiza Erundina (PSB-SP), Jorge Bittar (PT-RJ) e Ivan Valente (PSOL-SP) também se manifestam.
O avanço... do retrocesso
A Inglaterra acaba de aprovar o novo marco regulatório, e o processo também avança na América Latina.
O Equador se posiciona com relação ao tema e o México apresenta a seu Congresso um conjunto de reformas constitucionais em matéria de radiodifusão e telecomunicações, como criação de um instituto federal de telecomunicações com autonomia constitucional, garantia de acesso às tecnologias de informação e comunicação, obrigatoriedade de formular políticas públicas para a inclusão digital universal, instrução de criar novas cadeias de televisão nacional, além de condicionar a convergência de serviços a um entorno competitivo.
Enquanto isso, no Brasil, as empresas vão ocupando o espaço da sociedade civil, como quando o presidente do Conselho de Comunicação Social (CCS), dom Orani Tempesta, assume também a presidência da Rede Vida de Televisão, permanecendo na vaga da sociedade civil no CCS. Com a maior fragilização da representação da sociedade civil, tende-se a bloquear ainda mais o debate público sobre o papel dos meios na sociedade brasileira.
A laicidade do Estado é desrespeitada, sem maiores discussões, como quando a Câmara de Vereadores de Fortaleza sanciona em 27 de fevereiro a proposta de seu presidente, Walter Cavalcante (PMDB), de exibição de missas e cultos, aos domingos, na TV e na Rádio Fortaleza, órgãos de comunicação da Casa.
Questões polêmicas de interesse social, como a aprovação da descriminalização da interrupção da gravidez até doze semanas, respeitando a vontade da mãe, no I Encontro Nacional de Conselhos de Medicina de 2013, realizado em Belém, continuam divulgadas apenas em blogs e mídia alternativa.
A Frente Parlamentar Evangélica se organiza para tomar a direção de todas as comissões em que se possa barrar temas sensíveis à igreja, como a reivindicação dos gays por direitos iguais aos dos outros grupos da sociedade, a flexibilização das normas sobre aborto e a discussão de uma nova política sobre drogas.
Os militantes das rádios comunitárias continuam ameaçados de prisão. A causa dos irmãos Boccini (Falha de São Paulo) tem um julgamento insatisfatório para a verdadeira liberdade de expressão.
A derrubada da Indicação Classificativa pelo STJ, tida pelos “donos” dos grandes meios como ingerência na autoridade paterna e como restritiva à liberdade de expressão, que já recebeu quatro votos favoráveis à sua eliminação, foi contida apenas por um pedido de vistas, que postergou a decisão.
O Brasil hospeda mais um encontro para debater “os riscos da censura”, com a presença de especialistas, entre os quais nomes da Universidade Columbia. No painel Liberdade de Expressão Global, estão anunciados, além do reitor de Columbia, Lee C. Bollinger (pesquisador especialista na Primeira Emenda americana), o reitor da Escola de Pós-Graduação em Jornalismo de Columbia, Nicholas Lemann, e o diretor do Columbia Global Center no Rio de Janeiro, Thomas Trebat. Ao lado deles estarão o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto; o diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour; o diretor de redação do jornal O Globo, Ascânio Seleme; e a presidenta executiva do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco. A mediação será da jornalista Mônica Waldvogel. Já sabemos o que esperar das conclusões do encontro...
O período mais tranquilo
Quando será um período mais tranquilo aguardado pelo governo para pôr em discussão a efetiva democratização da mídia e o novo marco regulatório? Longe das eleições, para evitar o previsível bombardeio dos grandes meios de comunicação? Mas como se distanciar das eleições se as temos ano sim, ano não e se, de 2009 até hoje, governo e Parlamento não encontraram a brecha adequada para o avanço?
Finalmente, não minimizando a importância dos meios de comunicação no processo eleitoral, algumas perguntas que não querem calar:
- Afinal, como ganhamos eleições importantes apesar de todo o esforço da grande mídia no sentido oposto?
- Qual o peso relativo do apoio dos movimentos sociais organizados se atendidos, ao invés de desconsiderados em suas reivindicações?
- Quanto não ganharíamos com a abertura de espaços da mídia comunitária, da distribuição mais equitativa e justa dos recursos governamentais aos diversos meios de comunicação, contemplando também os de qualidade como o site Carta Maior, revistas como Carta Capital, Fórum e tantas outras?
Neste momento, juntam-se os diversos movimentos sociais representados pelo FNDC, somando-se ao apoio anunciado dos partidos que assim se manifestaram, na tentativa de buscar o número de assinaturas suficientes (nada menos que 1,8 milhão), para apresentar a proposta do Novo Marco Regulatório como Projeto de Lei de Interesse Público.
Sem os recursos milionários que o governo carreia para a grande mídia, o que teremos é uma luta de Davi contra Golias, à qual governo e Parlamento assistem impassíveis.
Referências
Jornal Brasil de Fato - Laryssa Praciano
Conselho Nacional de Psicologia e FNDC - Roseli Goffman
Barão de Itararé e FNDC - Renata Mielli
Rachel Moreno é psicóloga e pesquisadora
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