quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

ECONOMIA - É a economia, estúpido?

É a economia, estúpido?

O professor e doutor em economia Carlos Pinkusfeld Bastos faz uma análise sobre a avaliação e perspectivas para o governo de Dilma Rousseff, segundo ele há um "quadro que não parece ser particularmente excitante em termos de desempenho econômico e que ainda não impulsiona o avanço nacional, mas que ao menos parece gerar uma situação politicamente estável”, como escreve em artigo publicado por Página/12, 24-02-2014. A tradução é do Cepat
Eis o artigo.
No dia 05 de outubro deste ano, Dilma Rousseff será candidata à reeleição no Brasil e já conta com um alto índice de intenção de votos. A queda da taxa de desemprego surge como um de seus principais pontos positivos e compensa as críticas pela baixa taxa de crescimento dos últimos anos.
Em 1991, o presidente George Bush, com a operação Tempestade do Deserto, obteve a primeira vitória militar dos Estados Unidos, após a dolorosa derrota no Vietnam. Um ano depois perdeu a eleição para o pouco conhecido governador do estado de Arkansas, Bill Clinton, eleito com o slogan de campanha: “É a economia, estúpido!”. Em 1992, a taxa de desemprego havia subido para 7,5%, contra o índice de 6,9% do ano anterior. Esse exemplo histórico não justifica uma tese geral que o desempenho econômico é a variável que define o resultado eleitoral, mas sua importância tão pouco pode ser ignorada.
A leitura dos resultados favoráveis recentes acerca da intenção de votos para a candidata Dilma Rousseff deve ser feita com cautela: está claro que o quadro político não esta definido, os candidatos da oposição, por hora, têm uma exposição apenas regional e ainda não começaram as campanhas nas redes televisivas. No entanto, a população parece ter uma percepção positiva sobre o desempenho econômico do país. Por isso, é interessante se perguntar: até que ponto essa percepção condiz com a realidade? Se tomarmos o indicador do crescimento do PIB, o desempenho durante o governo de Dilma está longe de ser brilhante. Após o ano de 2010 quando, no último ano de Lula, foi registrado um crescimento de 7,5%, o nível de atividade foi de 2,7% em 2011 e 2012, respectivamente. Para 2013, espera-se uma taxa de 2,5%. Esses dados parecem apontar para uma separação entre a percepção e a realidade.
O indicador de desemprego aponta para outra direção. No Brasil, o desemprego caiu de maneira contínua desde o final de 2003, chegando a 4,3%, o valor mais baixo da história para as regiões metropolitanas. Assim, o mistério político parece resolvido; sem dúvida, o emprego é mais importante para a população que o desempenho do PIB.
A diferença entre o desempenho do emprego e do PIB é explicada pela queda da População Economicamente Ativa (PEA). Entre dezembro de 2012 e 2013 houve uma redução das pessoas empregadas (23,3 milhões contra 23,5 milhões) e a PEA foi reduzida em uma proporção ainda maior. Há menos pessoas procurando emprego e isso é observável com mais força entre as faixas etárias mais jovens.
Esse fenômeno recente não tem uma explicação sólida, mas oscila entre o otimismo de uma maior escolarização e a entrada tardia no mercado de trabalho justificada, por sua vez, pela falta de uma qualificação adequada daqueles que tardam seu ingresso no mundo do trabalho.
O salário real também cresceu relativamente. O aumento foi de 1,8% enquanto que, entre os trabalhadores não registrados, o grupo socialmente mais vulnerável, o aumento foi de 5,6%. Outro fator relevante é o aumento do salário mínimo real de 2,5%, a política de reajustes reais durante o governo do PT é reconhecida como o instrumento mais importante para a redução da desigualdade durante os últimos dez anos.
Outra variável relevante para a avaliação do governo por parte da população é a inflação. Seu valor de 5,9% ficou dentro das margens de variação do sistema de metas, adotado pelo Banco Central, mas o mais importante é que ela não foi capaz de corroer o salário real de muitos trabalhadores. Pelo contrário, houve um modesto ganho real. Esse resultado depende muito do comportamento dos preços administrados, isto é, os preços definidos pelo governo, como a energia elétrica, os combustíveis e o preço do transporte.  O item dos serviços foi o que mais apresentou pressão sobre a inflação e que refletiu num incremento dos custos salariais o que, na realidade, é positivo do ponto de vista dos trabalhadores. É importante assinalar que a inflação se manteve dentro das margens das metas, apesar da existência de uma desvalorização média de 10,5% em 2013.
Assim é apresentado um quadro que não parece ser particularmente excitante em termos de desempenho econômico e que, ainda não impulsiona o avanço nacional, mas que ao menos parece gerar uma situação politicamente estável. Aos indicadores de salário e emprego devem ser acrescentados alguns programas de caráter social como o “Minha casa, minha vida” (que trata, basicamente, da construção de casas populares) e o “Bolsa Família”, que fortalecem o apoio popular para as políticas qualificadas genericamente como de crescimento com inclusão social, mesmo que por hora sejam ainda pequenas.
Até que ponto o modelo atual pode ser mantido? O desempenho industrial vem sistematicamente localizando-se por debaixo do conjunto da economia. Em 2013, por exemplo, a industria cresceu cerca de um por cento, contra um avanço do PIB que duplicou esse registro. As exportações de bens da indústria manufaturada crescem em uma taxa semelhante e as importações aumentam em grande medida, gerando um déficit comercial industrial de cerca de 60 bilhões de dólares. Enquanto as exportações mais tradicionais foram suficientes para apenas equilibrar o balanço comercial brasileiro, incrementou-se o déficit na conta corrente, ao passar de 2,4% para 3,6% do PIB, entre 2012 e 2013.
Em curto prazo, não parece existir dificuldades para financiar esse déficit, não se vislumbra um horizonte de crise cambial, mas a exacerbação das restrições externas põe em xeque, inclusive, o limitado crescimento econômico registrado nos últimos anos. Neste momento, a margem de manobra do governo não é grande.
Atendendo o clamor dos que defendem a desvalorização, o dólar já registrou uma alta nominal de 52%, desde seu ponto mais favorável, em julho de 2011, o que representa uma desvalorização real de mais de 30% em termos reais. Todavia o impacto de uma desvalorização constante sobre os preços e dúvidas sobre o impacto do mesmo, tanto sobre as exportações como sobre a desaceleração do crescimento do PIB através de uma redução do salário real em um ano eleitoral, parecem assinalar que não deve essa trajetória não deve se repetir.
Assim, para que o país possa sustentar um modelo de crescimento moderado com inclusão, deverá enfrentar o seu “gargalo” na forma direta de políticas industriais e comerciais especificas, enfrentando a questão da modernização produtiva e uma inserção internacional dinâmica. Está em jogo a capacidade de preservação de um modelo alternativo não liberal em um futuro próximo.

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