segunda-feira, 18 de agosto de 2014

ANOS DE CHUMBO - SNI e as cartas do Jango.


SNI interceptava até cartas de Jango. E o “apreço” de Médici

Uma carta enviada pelo ex-presidente João Goulart – o Jango – em 1972, quando ele já estava há 8 anos vivendo no exílio no Uruguai, foi interceptada pelo famigerado e temido Serviço Nacional de Informações (SNI) e apareceu agora nos arquivos que a família do ex-presidente general Emílio Garrastazú Médici doou ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
Naqueles tempos, os piores anos de chumbo do auge da repressão da ditadura, era assim, interceptavam correspondências, ligações telefônicas, a ditadura se permitia tudo, por maior que fosse a arbitrariedade, porque para ela não existia lei. Médici era o chefe do SNI antes de ser escolhido por alguns outros generais para substituir o marechal-presidente Costa e Silva, impedido por uma trombose.
Na carta, Jango fala sobre seu governo, enaltece suas diretrizes e as reformas de base que pretendera fazer, critica a escalada de endurecimento do regime e manifesta sua preocupação com o destino das levas e levas de exilados, sempre crescentes, que eram obrigadas a deixar o país. Nos arquivos de Médici passados pela família ao IHGB, há outro documento, uma folha de sulfite, no qual o ex-presidente-general fez anotações de próprio punho sobre as discussões na reunião ministerial de 13 de dezembro de 1968, em que foi decretado o AI-5.
O “apreço” de Médici pela democracia
Vejam, vocês, o “apreço” do Médici pela democracia:  nessa folha ele registra que o único entre os presentes àquela reunião ministerial que falou contra a edição do ato foi o vice-presidente da República, o civil Pedro Aleixo, que estava, então, na ARENA, o partido de sustentação da ditadura, mas era um liberal com origens na UDN. Médici escreve que como Aleixo foi o único que falou contra o ato, ele (Médici) não teve o menor interesse por sua fala. Ficou de cabeça baixa, mal ouviu. “Já estava decidido, e estava à vontade para votar (o Ato)”, escreve o general.
A documentação doada pelos Médicis ao IHGB registra que seis meses antes do AI-5, portanto em meados de 1968, Médici na condição de chefe do SNI já levara ao mal. Costa e Silva um documento-proposta idêntico a esta ato mais arbitrário do regime de exceção. Aliás, a história registra, também, que o ministro da Justiça do marechal Costa e Silva, Gama e Silva, andava com um esboço do Ai-5 no bolso e a toda o tirava querendo que o presidente-marechal o assinasse.
Como vocês podem refletir conosco, a revelação de documentos de Médici sobre o AI-5 só comprova  a tese sempre exposta pelo ex-ministro José Dirceu, de que a ditadura baixou o ato de força  independente do agravamento da situação política ou das ações armadas de combatentes do regime.
Inventaram pretextos para justificar AI-5 que decretariam de qualquer jeito
Independente, inclusive, da crise política forjada sob o pretexto do discurso do deputado Márcio Moreira Alves (MDB-RJ) – Márcio pedia aos brasileiros que não comemorassem o 7 de setembro – e da negativa da Câmara dos Deputados de dar licença e autorizar o processo contra o parlamentar.
O Ai-5, como sempre mostra José Dirceu, foi baixado em razão do crescimento da oposição popular à ditadura expressa nas urnas em 1965 e 1966 e nas ruas em 68. Foi ele que levou a ditadura a impor ao pais o AI 5, considerado o golpe dentro do golpe e que atendeu os desejos dos setores militares – e civis – mais retrógrados e reacionários de endurecimento do regime.
Também no fim de semana a Comissão da Verdade fluminense entregou a Paloma, filha do cineasta Gláuber Rocha, uma série de documentos que historia a perseguição da ditadura militar a seu pai, inclusive no período em que ele viveu no exílio na Europa. Com um agravante: em um documento está escrita a palavra “morte”, o que levou os estudiosos a concluírem que em determinado momento a ditadura programou o assassinato do cineasta.
Entre os documentos entregues estão relatórios feitos pelo SNI, que registram as características “esquerdistas” do cinema Novo, num dos quais há a acusação de que Glauber “usou e abusou do cinema brasileiro em prol da revolução comunista”. Os documentos foram entregues a Paloma para assinalar a passagem, este ano, dos 50 anos do golpe militar que perseguiu seu pai, e do cinquentenário da 1ª exibição de um dos mais famosos filmes dele, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.

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