O que Thomas Piketty revela em "O capital no século XXI"



O economista francês Thomas Piketty (43 anos) se tornou em pouco tempo um nome reconhecido no mundo após a publicação do livro “O capital no século 21”, onde defende que o capitalismo, sem a devida regulamentação, não é a solução para reduzir a desigualdade ampla entre ricos e miseráveis. Muito pelo contrário, tende sempre à concentração de riqueza nas mãos de um grupo menor. 
 
Seu trabalho foi tema do programa Brasilianas.org (TV Brasil), apresentado pelo jornalista Luis Nassif. Para alcançar a conclusão, Piketty fez um extenso trabalho estatístico levantando o rastro da riqueza e sua concentração desde o final do século XVIII nos principais países europeus. Mas o economista recebeu críticas, especialmente do Financial Times, por ter preenchido lacunas de pontos que ficaram incompletos através de interpolações. 
 
“O que é normal em qualquer trabalho estatístico que exige uma série longa”, defendeu Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica, que participou do debate. Segundo ele, os estudos de Piketty também já eram feitos por outros economistas reconhecidos, dentre eles, Edward Wolff, Thomas Palley e o prêmio Nobel de Economia Paul Krugman. “Todos eles trabalham [em seus estudos] com o 1% da população, àqueles que se apropriam da maior parte da renda”, explicou o professor. 
 
Logo após as críticas do FT, Paul Krugman escreveu um extenso artigo para o New York Times defendendo Piketty e declarando que a obra do francês mudará a maneira pela qual os economistas pensam a sociedade e concebem a economia. Não à toa o livro se tornou um dos mais vendidos na Amazom.com. Segundo o professor de economia internacional da UFRJ, José Carlos de Assis, também convidado para o debate, o FT acabou por chamar mais atenção para o trabalho de Piketty. 
“As críticas do Financial Times são completamente infundadas porque se baseiam em pesquisas de opinião e é claro que os ricos não vão querer falar sobre sua fortuna voluntariamente. Já Piketty pega dados de impostos de renda”, explicou Assis.  
 

 
A obra de Piketty não traz nada que já não tenha sido discutido por outros teóricos da economia. O seu mérito está em consolidar em um único livro todas as questões pertinentes a distribuição de renda e crescimento, na avaliação de Roberto Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). 
 
“Ele disseca  bem o tema, tanto a concentração de renda como o crescimento com muitas variáveis. Detalha a herança, [impacto da] educação, capital financeiro, propensão à poupar. Alguém que nunca tenha estudado essas questões, ao ler o livro, terá uma boa ideia”, afirmou o economista. 
 
Piketty, conclui que, ao contrário do que se esperava com a passagem da história, a desigualdade de renda vem aumentando desde o final das duas grandes guerras para níveis semelhantes ao final do século XIX, além disso que a sociedade está voltando ao "capitalismo patrimonial", quando as grandes economias eram concentradas por dinastias. A saída que o autor apresenta para a desconcentração de renda está na criação de uma "utopia útil", ou seja, um imposto mundial progressivo a partir de 2% sobre o capital dos mais ricos.
 
Segundo Belluzzo, o conceito de Capital que Piketty usa é amplo, englobando títulos financeiros e não financeiros, apontando que o processo crescente de acumulação de riqueza, através da poupança, é nocivo para a sociedade. “Piketty mostra um papel da poupança sobre a economia que só John Maynard Keynes havia observado”, ponderou Belluzzo no debate.
 
Assim, a ideia vendida desde os anos 1970, sobretudo por Margaret Thatcher e Ronald Reagan, que a concentração de riqueza resultaria em mais investimentos feitos pelos ricos em outras atividades, e portanto, mais criação de emprego e renda é refutada por Piketty, lembrou o professor José Carlos de Assis. 
 
O fato do rendimento do capital (como no caso das grandes poupanças) ser maior do que a taxa de crescimento real que gera emprego e renda, resulta na formação de crises econômicas. “Se as taxas de retorno dessas duas atividades [riqueza financeira e riqueza real] fossem decrescentes, você voltaria no equilíbrio. O que não está acontecendo”, completou Troster. Por isso o economista francês sugere como saída uma taxação maior sobre os recursos dos mais ricos. 
 
Piketty, Marx e Keynes
 
O nome da obra de Piketty remete à série “O Capital”, do economista socialista Karl Marx, mas o francês declarou à imprensa não ser anticapitalista. Belluzzo destacou que Piketty é apenas irônico com o seu título, pois não adota o paradigma marxista, apesar de reconhecer nas explicações dele discussões que Marx havia trabalhado durante sua vida, como a metamorfose da riqueza à medida que o capitalismo avança. 
 
“Marx aponta em O Capital inclusive o papel do capital fictício. Quando o Piketty fala do ‘r’ maior que ‘g’, ou seja, do rendimento do capital ser maior do que a taxa de crescimento, propõe que o capital fictício está se acumulando em detrimento do ‘g’, ou seja, do crescimento da renda e do emprego”. Belluzzo continuou destacando que nesse ponto os dois autores se encontraran com outro importante nome da economia, Keynes, que aborda a ‘eutanásia rentista’, ou seja, os problemas decorrentes da valorização constante de títulos de dívida, títulos de propriedades e ações no geral que acabam crescendo, em valor, mais do que as atividades que de fato geram emprego e renda.
 
“Esse momento de desvalorização da riqueza como um problema do capitalismo está em Marx, em Piketty e em Keynes. Não quero enquadrar Piketty no Marx, porque isso não é possível. Mas se você ler Piketty desse ponto de vista, verá que é riquíssimo e que ele ajuda a compreender coisas que Marx não tinha recursos para tratar”, concluiu Belluzzo.