A tirania financeira
Via Diário Liberdade
-
- Adriano Benayon
1-
A causa fundamental da depressão econômica - e, portanto, da miséria e
dos conflitos sociais - é a concentração, ficando a produção controlada
por poucas empresas gigantes, as quais, em geral, agem como monopólios
ou carteis.
2. Outra causa principal da
depressão é a financeirização da economia, em parte gerada por artes da
própria finança e em parte pela concentração da economia produtiva. Esta
se manifesta não só nos centros e subcentros mundiais do capitalismo,
mas também nos países que foram levados a especializar-se na produção
mineral primária ou na agricultura para exportação de commodities.
3.
O Brasil deixa, assim, de produzir alimentos necessários a consumo
razoável, e as terras do País são ocupadas por enormes plantations, as
quais, tal como as minas, vão-se desnacionalizando, controladas por
tradings mundiais. Exemplos, a soja – que ocupa quase a metade das
terras em produção – e a cana-de-açúcar, para exportar açúcar e etanol
combustível.
4. Nos centros mundiais, a
financeirização e a concentração estão na raiz do colapso dos mercados
financeiros em 2007-2008, do qual os EUA e grande parte dos países
europeus não só não se recuperaram, como estão podendo sofrer séria
recaída.
5. Tudo isso, porque a concentração
econômica e financeira é acompanhada pela do poder político. Este fica
inteiramente a serviço dos concentradores da economia e das finanças.
6.
Efeito claro dessa situação foi a resposta, nos EUA e na União
Europeia, ao colapso financeiro. O Federal Reserve e o Banco Central
Europeu, como os próprios Tesouros nacionais, trataram apenas de
resgatar os bancos encalacrados após a farra dos derivativos, em vez de
assumir o controle deles e usar o sistema financeiro para recuperar a
economia, investindo em atividades produtivas.
7.
No Brasil, o Banco Central (BACEN), juntamente com o Tesouro age com a
aparente finalidade exclusiva de propiciar fabulosos lucros aos bancos.
8.
Para começar, o BACEN remunera com altas taxas de juros os depósitos
livres e os compulsórios. Estes são atualmente 44% dos depósitos à vista
nos bancos, e 20% dos recursos a prazo e dos investidos em poupança.
9.
Os primeiros são remunerados pela taxa SELIC, cuja meta atual é 11% aa.
Sobre os recursos a prazo, a remuneração costuma ser ainda maior.
10.
São, pois altíssimas taxas, auferidas sem qualquer risco, recebidas
também nos depósitos voluntários que os bancos fazem no BACEN. Como
assinalei no artigo 'O sistema pró-imperial', os depósitos no BACEN
deverão proporcionar aos bancos ganhos próximos a R$ 50 bilhões, só
neste ano.
11. A proporção do que os bancos
emprestam a empresas produtivas vem-se tornando cada vez menor. As
proporções que crescem são as referentes ao crédito e às aplicações
próprias destinadas a fusões, aquisições, e sobre tudo as das operações
do mercado financeiro, inclusive derivativos e outras alavancadas.
12.
Além de lucrar com seus depósitos no BACEN, os bancos emprestam a
empresas e a particulares, e, ao fazê-lo, criam depósitos na conta do
tomador, o qual passa a sacar dinheiro e a emitir cheques, que voltam ao
mesmo banco ou a outro, como depósitos.
13. E
de onde vem o dinheiro que os bancos depositam no BACEN e o que usam
para fazer empréstimos e financiamentos? - Os bancos podem usar seus
fundos excedentes e, ainda, obter mais dinheiro no mercado
interbancário, a taxas muitíssimo mais baixas que as que cobram nos
empréstimos.
14. Mas a maior parte do que
emprestam procede principalmente do nada, pois eles abrem créditos em
montante total correspondente a um grande múltiplo dos depósitos livres
(i.e., dos que não são obrigados a depositar no BACEN).
15.
De fato, os únicos limites para criar crédito são estes: a) o da
prudência, para que esse múltiplo não seja excessivo, passando, digamos,
de 10, se prevalecer muita confiança neles, ou valores menores, na
medida da desconfiança do público em relação a cada banco; b) o
percentual do capital, estabelecido pelas autoridades monetárias, a que
devem corresponder os seus empréstimos, em geral mais de 90%.
16.
Por outro lado, cada vez que fazem um empréstimo, os bancos geram um
depósito, do nada, (sujeito a esses limites), o que produz o efeito
multiplicador da cadeia depósitos/empréstimos. Ademais, como lembrou o
economista Hélio Silveira, o BACEN, amiúde, atende os bancos
passando-lhes mais recursos, quando eles têm tomadores atraentes, e
então a exigência de depósitos compulsórios, que serviria para limitar,
não serve para nada.
17. É notável também que
são os próprios bancos quem se apropria da enorme quantidade de moeda
criada do nada: o dinheiro, antes inexistente, vêm para os bancos à
medida que os tomadores pagam as amortizações dos empréstimos. E com
juros...
18. Não bastasse tudo isso, a
associação, de facto, com as autoridades monetárias contribui para que o
cartel dos bancos imponha taxas excessivas aos mutuários. Tais
autoridades proveem dinheiro para os bancos quando as coisas estão na
normalidade, e chega a resgatá-los com trilhões de dólares, quando a
situação desanda, como ocorreu na crise de 2007/2008, nos EUA e na
Europa.
19. Nos centros imperiais - Londres, com
o Banco da Inglaterra, há séculos, e Nova York, com o FED, desde 1913 -
são os próprios bancos concentradores que detêm as ações dos bancos
centrais.
20. Na União Europeia, criada para
manietar o desenvolvimento dos países europeus, o Estatuto do Banco
Central Europeu é proibido de financiar os tesouros nacionais e dirigido
por banqueiros ligados aos grandes bancos anglo-americanos.
21.
No Brasil, é importante colocar em perspectiva a campanha recorrente
dos serviçais do império, em favor da independência do BACEN. Embora
formalmente vinculado à União, o BACEN - desde sua criação, em dezembro
de 1964 – subordina-se por inteiro aos ditames do FMI e à supremacia do
dólar, não admitindo operações de câmbio entre a moeda brasileira e
outras latino-americanas, apesar de haver acordo que as prevê: o
Convênio de Créditos Recíprocos, firmado em 1968, em Lima, no quadro da
ALADI.
22. Em suma, a liberdade das nações exige
que seus bancos sejam públicos. Se forem privados, seus controladores
acabam por controlar também o Estado, como advertiram antigos
estadistas.
23. Nos EUA, muitas cidades e
Estados restringiram as atividades de bancos sediados fora dessas
cidades ou Estados, pois, do contrário, as poupanças e o dinheiro gerado
por atividades locais é usado para financiar as de centros maiores,
levando ao aumento das diferenças de desenvolvimento.
24.
Essa foi uma das muitas políticas de regulamentação bancária dos EUA
derrubadas nos últimos vinte anos, em função da crescente ascendência
dos banqueiros "privados" sobre os "poderes constituídos", em
consequência da concentração econômica e da financeirização da economia.
25.
Trata-se, portanto, de um processo cumulativo, no qual a cada vez maior
concentração do poder financeiro gera cada vez maior concentração do
poder político real nas mãos dos oligarcas da tirania financeira. Isso,
de novo, acarreta maiores concentração e financeirização da economia, e
assim sucessivamente.
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