domingo, 2 de abril de 2023

Artigo do Adhemar Bahadian

 

Segue meu artigo de amanhã dia 02/04/2023 no JB digital. Se gostar,compartilhe por favor.
O in(v)(f)erno do neoliberalismo e a resistência da Democracia.
Adhemar Bahadian
Você pode escolher à vontade. Desde as manifestações contra a reforma previdenciária na França até a surpreendente revolta popular em Israel. Em ambas, e em muitas outras passadas e futuras, há a clara indicação do esgotamento do modelo neoliberal como fórmula aceitável de convivência social e de progresso econômico .
Até aí não há novidade, pois o sacrossanto sistema financeiro internacional mostra sinais de esgotamento nervoso e provoca reações de suspeita e temor nos poupadores ou simples correntistas de bancos anteriormente julgados acima de qualquer suspeita, como os suíços e talvez muito proximamente os alemães .
Instala-se de forma cada vez mais endêmica uma óbvia tentativa de estimular saídas deste nó górdio pelo estímulo à opção totalitária ou pelo menos antidemocrática. O caso de Israel parece didático.
A tentativa de modificar as regras de composição e atuação da Suprema Corte de Israel, em muito lembra o mesmo coro desafinado recentemente no Brasil.
Em que pese a celebrada experiência e vivência política de Benjamin Netanyahu, não há como não ver em suas arriscadas manobras políticas o mesmo caldo de cultura já identificado em países comprometidos com o novo eixo autoritário de governança . Eixo a lembrar a aliança nazifascista dos anos 30 do século passado.
A tentativa de opção autoritária em Israel foi maciçamente rejeitada por amplo escopo politico-popular em que partidos de centro-direita , direita e esquerda se uniram em manifestações populares resistentes ao aparato repressor policial.
Mais até: as Forças Armadas se opuseram claramente ao golpismo escancarado de Netanyahu, da mesma forma anteriormente enfatizada pelo Exército dos Estados Unidos ,quando Trump pretendeu golpear as instituições democráticas nas eleições de 2021
O que se torna mais transparente neste final de quase 40 anos de uma ideologia neoliberal astuciosa é a falência do pensamento mágico trazido por Reagan- Thatcher de que o mercado é dotado de mecanismo autoregulador e que a supervisão ou o disciplinamento do Estado é desnecessária ou contraproducente.
O que estamos a ver no chamado eixo da extrema direita, hoje ainda atiçado por ideólogos como o patético Steve Bannon, é a defesa não da Democracia e de seus clássicos mecanismos institucionais, mas a pregação pouco evangélica de retorno a um autoritarismo em que o líder carismático se sobrepõe a todo e qualquer controle democrático, sobretudo de um sistema judicial independente.
O pleito de Benjamin Netanyahu é ridiculamente ostensivo em sua proposta de transformar o judiciário num segmento auxiliar do Executivo.
Ao falar em risco de guerra-civil, Netanyahu atravessa a linha vermelha da soberania nacional e salpica no inconsciente coletivo o temor de ainda maior desarranjo político numa das áreas geopolíticas mais sensíveis do planeta.
A reação de Biden à manobra não poderia ser mais contundente, mas talvez será a diáspora judaica a que promoverá reações mais definitivas ao conluio de um Bibi com uma extrema direita fundamentalista religiosa e politicamente.Esquecida dos ideais democráticos dos grandes líderes fundadores de Israel, comprometidos com a convivência com uma Palestina independente.
A síntese que acabo de recordar, nos permite identificar os riscos que corremos os democratas nesta entressafra onde o neoliberalismo não morreu e o sucedâneo ,qualquer que seja sua denominação, ainda não surgiu.
Em particular, há dois aspectos contraditórios em ebulição. O primeiro deles é a tentativa de impingir como democrático um regime autocrático como o vigente na Hungria. Outro, mais pernicioso ainda, e que surge, aqui e ali, como recidiva de doença maligna em certos setores da" inteligência" brasileira, é a defesa de um governo autocrático, com um Judiciário castrado, para impedir a sempre temida instalação no país de um regime comunista ou ateu. Fantasia do porte, porém sem o charme, do Sebastianismo em Portugal.
Qualquer das duas posições seja a de Viktor Orban , Erdogan, ou outros aprendizes de feiticeiros, seja a de um neo-imperador nativo iluminado, teria como consequência natural a inconstitucionalidade fragrante diante da Constituição de 1988. Alternativa subversiva a tentar reeditar como farsa um erro histórico ainda não adequadamente pacificado na memória nacional.
A essa moldura em si já complexa, veio associar-se a Pandemia do COVID e sua máquina ceifadora de empregos, propriedades e, muitíssimo mais grave, vidas. A combinação da desestruturação das redes de proteção social com a falência das chamadas cadeias de valor agregado trouxe temor e inquietação adicionais a uma coletividade subitamente jogada no que cheira a abandono maquiavelicamente articulado.
Desta forma, à crise originariamente econômica veio juntar-se o pânico da perda de propriedade e da segurança laboral da classe média, cuja origem remonta à quebradeira bancária de 2018 que, nos Estados Unidos da América, levou ao fim do "american way of life”.
A superposição de crise neoliberal e Pandemia aprofunda mecanismos de retração civilizacional com a rejeição a imigrantes, o agravamento da discriminação racial e quebra de valores tradicionais de solidariedade, agravada pelo crescente desnível de renda entre segmentos sociais.
Hoje, nos encontramos nesta disjuntiva: um projeto larvar de retorno ao autoritarismo de colorido totalitário ou a determinada convicção de que apenas a superação dos mecanismos esterilizantes do neoliberalismo poderá restabelecer uma sociedade convivial.
Minha impressão- sem ufanismo descabido- é a de que o Brasil talvez seja um dos países mais equipados social e materialmente para sair do impasse aparentemente insuperável em que nos encontramos. Mais até, um dos poucos com uma retaguarda climática, energética, territorial e agrícola expressiva a respaldar uma diplomacia com uma visão do futuro do planeta Terra, em que a expressão “Nações Unidas” não designaria apenas a sede de um organismo internacional à beira do East River, em Nova Yorque.
Para tanto, será necessário em primeiro lugar nos pautarmos pelos direitos e deveres inscritos em nossa Constituição de 1988, em especial na construção cotidiana do Estado de Bem-Estar Social, nossa meta maior. Em segundo lugar, mas tão importante quanto o primeiro, será lembrar que estamos todos no mesmo avião e que na hora da turbulência o caviar da primeira classe regurgita igual ao pão dormido da moçada.
XXXXX XXXXXX. XXXXXXX. XXXXXX XXXXX
EM TEMPO: Recomendo a leitura do editorial “Democracias não prestam vênia a ditaduras”publicado na edição de 31 de março próximo passado do “ O Estado de São Paulo”. Uma das melhores peças do jornalismo brasileiro.

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