Selvino Heck
Adital
Escrevo no dia em que assassinaram Che na Bolívia. Numa análise de conjuntura de 1995 escrevi da modernização conservadora que FHC faria no Brasil. Assim aconteceu. A proposta neoliberal conquistara corações e mentes no mundo inteiro, apresentando-se como alternativa ao socialismo real que ruíra anos antes, e prometendo o paraíso.
2008, e a ‘modernização conservadora’ mostra sua inconsistência e perversidade. O Estado mínimo foi para o espaço, os valores neoliberais estão mortos, o livre mercado se escafedeu e a busca desenfreada do lucro e do enriquecimento deixa amargas lembranças.
Abro os jornais e leio "Fim de linha: estatização em massa" (Vinícius Torres Freire, FSP, 07.10.08, B4): "A solução estatizante terminal foi apresentada da maneira mais simples e direta num editorial do diário financeiro britânico ‘Financial Times’, mas está por toda parte: 1) os governos devem obrigar os credores a transformar os créditos que têm a receber dos bancos em participação no capital dessas instituições financeiras; 2) governos têm de comprar bancos alquebrados que ainda podem ser salvos".
Todos os que criticávamos nos anos 90 o neoliberalismo deveríamos estar batendo palmas. Não necessariamente é assim. Primeiro: como em toda crise quem mais sofre são os pobres e os trabalhadores. Empregos rareiam, renda e salários caem, serviços públicos perdem qualidade. Segundo: países e povos sul-americanos que reagiram quase em bloco à insanidade do mercado livre e da opulência sem limites, com a eleição de governantes à esquerda, poderão sofrer os reflexos da crise provocada pelos poderosos do Norte, embora sobre ela não tenham nenhuma responsabilidade e pouca ingerência nos seus rumos.
Mas abre-se espaço para um novo desenho no poder mundial, o que não deixa de ser bom. Novas forças emergem, como a China, a Índia, o Brasil, a Rússia, o chamado BRIC, mais a África do Sul, as Coréias e o conjunto da América Latina. Em tempos de crise, o império perde poder e/ou precisa reparti-lo, seja nas instituições multilaterais como o Conselho de Segurança da ONU, o FMI e suas regras, a OMC, a ampliação do G-7, seja nas relações econômicas e comerciais.
Os valores capitalistas neoliberais também estão sendo questionados, até pelo papa. Segundo Bento 16, a crise mostra a futilidade do êxito e do dinheiro e que muitos fazem suas construções ‘sobre areia’. É, pois, oportunidade de colocar em xeque valores inculcados no conjunto da sociedade, especialmente na juventude, de que o capitalismo é a única possibilidade, de que o que vale é dinheiro no bolso, que a regra básica é competir para vencer, de que governos só atrapalham. É momento de mostrar a necessidade urgente da construção de uma nova ordem econômica e social, que os valores da justiça social, da igualdade, da solidariedade, da partilha, da ética na política ainda têm sentido e que na verdade são eles que podem salvar o mundo e a humanidade.
Se o neoliberalismo fracassou na vida e na prática, podemos construir um tempo novo, reafirmando o papel do Estado, requalificando a democracia e, principalmente, recolocando o homem, a mulher, o respeito à natureza e ao meio ambiente no centro da vida e do futuro.
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