NAQUELE TEMPO, o das diligências, cowboys, chapéus com flores nas cabeças das donzelas de longos e armados vestidos, havia poucos bancos. E poucas as pessoas que confiavam naqueles estabelecimentos sempre vulneráveis aos bandoleiros que chegavam usando máscaras, atirando para cima, invadindo os saloons onde um pianista estava sempre disposto a tocar um can-can para abafar o som das brigas entre gangues rivais. Naquele tempo, as pessoas preferiam guardar seu dinheiro debaixo dos colchões recheados de feno ou capim. E bancarrota era apenas uma palavra de origem italiana de pouco uso daqueles homens que começavam a colonizar os Estados Unidos.
Pois bem, o velho hábito de guardar dinheiro sob os colchões é agora a maneira mais segura de salvar a poupança dos estadunidenses. E, se existe uma tradição neste país, esta tradição é poupar. A classe média dos EUA tem verdadeiro pânico de chegar à velhice e ser obrigada a viver em asilos públicos tomando sopão. Por isso poupa. E agora que a anunciada catástrofe econômica se materializou, os olhos azuis dos gringos piscam e se perguntam: onde poupar?
Taí uma resposta difícil. Não há mais nenhuma instituição financeira a salvo da crise que se transformou no bichopapão maior que os militantes do Al-Qaeda. E não é para menos. Enquanto escrevo essas linhas, o mais direitista dos canais de televisão, Fox news, anuncia mais falências e mais pedidos de socorro ao Federal Reserve, o banco central americano. Dessa vez, a circunspecta American Internacional Group (AIG) entrou na tarde de terça-feira na fila para pedido de socorro do Federal Reserve. Isso sem contar o choque do dia 15, quando os estadunidenses assistiam os jornais do início da noite e foram informados que a Merryl Linch, para não perder os dedos, entregou seu anéis ao Bank of America.
No começo, os otimistas achavam que a crise era localizada. Ou seja, só os bancos que praticam o subprime (taxas de juros abaixo do valor de mercado) corriam perigo. Por via das dúvidas, George W. Bush concedeu 29 bilhões de dólares para o resgate do banco Bear Sterns, que jamais praticou as taxas demagógicas. Os gringos respiraram aliviados. Mas aí, outro susto. Chegou a vez do banco Washington Mutual, a maior instituição de poupança dos Estados Unidos. Aí o pânico começou a tomar corpo. No dia 14, o pânico se instalou de forma quase definitiva. Uma das mais antigas e sólidas instituições financeiras do país, a Lehman Brothers, que conta com 118 anos de idade, se diluíu também. E George W. já não pode mais socorrer ninguém. O Tesouro Nacional dos Estados Unidos, localizado nas proximidades da Casa Branca, em Washington, decidiu não intervir. Os otimistas se entreolham perplexos. Os pessimistas – no caso, os economistas que há mais de dois anos alertam para essa nova quebra geral da economia estadunidense, repetindo a crise de 1929 – apenas repetem o que já vinham dizendo e acrescentam, `é o caos`.
E é o caos mesmo, porque a crise não está circunscrita aos bancos. Ela se alastra por outros setores da economia. A primeira delas, e símbolo de status do povo deste país, a indústria automobilística, entrou na ciranda. Três das principais montadoras já anunciaram que correm o risco de falência: General Motors, Chrysler e a Ford, cujo nome se confunde com a própria história do automóvel.
A se confirmar a falência dessas três fábricas, o índice de desemprego que já atinge a casa dos 12% vai, no mínimo, duplicar, segundo os analistas. E aí, é o salve-se quem puder. Salve-se quem puder mesmo, porque há muitos anos a sociedade dos Estados Unidos desconhece altos índices de desemprego. Por essas e outras, o presidente de um país que fica abaixo da linha do Equador, numa bem-humorada resposta aos jornalistas que insistem em lhe perguntar sobre as crises devolveu a pergunta: `Crise? Que crise? perguntem ao Bush`, foi a resposta do presidente Lula.
Memélia Moreira é correspondente do Brasil de Fato nos Estados Unidos.
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