A nova Sarah Palin e a ameaça Cheney
Do lado conservador, algumas pessoas antes preocupadas com o despreparo da candidata Sarah Palin para ocupar a vice-presidência conseguiram ver uma luz no debate de quinta-feira: agora inclinam-se a conformar-se em tê-la na chapa republicana, apesar de tudo. É o caso da colunista Kathleen Parker, cuja marcha a ré saiu no "Washington Post" de sábado e é especialmente reveladora.
Parker ficou aliviada não por descobrir que Palin podia ser menos ruim do que tinha pensado, mas por perceber que os "spin doctors" da campanha de John McCain têm truques capazes de esconder as insuficiências dela. Explicou a colunista: "A estratégia de Palin (...) foi fugir às perguntas para as quais não tinha resposta e apoiar-se nos americanos que gostam tanto dela que não ligam para o resto".
Citando a frase que também destaquei aqui antes, Palin falou, a uma pergunta de Biden, que daria suas respostas sem se preocupar se eram as que ele ou Gwen Ifill, a moderadora, queriam. "O que farei é dirigir-me diretamente ao povo americano, para que conheça meus antecedentes". Daí em diante, só disse o que fora treinada para dizer, sem maior interesse pelas perguntas feitas.
Celebridade sim, respostas não
Num ponto, pelo menos, Parker está certa. A gente da direita religiosa que está idolatrando Palin por ser ela evangélica, estar (como George Bush) convencida de que a guerra do Iraque é um serviço a Deus e os soldados americanos cumprem a vontade de Jesus Cristo, quer ver o desempenho dela apenas como celebridade - e não como alguém que tem respostas para as perguntas que lhe são feitas.
Diz a colunista: "O formato do debate claramente funcionou melhor agora para ela, pois Palin pode controlar sua mensagem e repetir os `talking points' bem ensaiados. Significa que está pronta para liderar o mundo livre se eventualmente receber tal responsabilidade? A pergunta permanece. Juntamente com a mesma questão em relação a Barack Obama".
Essa última frase, que encerra o artigo de Parker, deixou claro que a colunista já tem o pretexto para votar na candidata que antes achava despreparada: vota nela para evitar Obama. Mas o ponto realmente assustador, a jornalista deixou de lado - e coube ao "New York Times" fazer domingo, em editorial, uma análise e uma advertência que os eleitores americanos não terão o direito de ignorar.
As perigosas lições de Cheney
A ameaça identificada pelo "Times" apareceu numa resposta da candidata a que não se deu muita atenção - quando foi pedido a ela e Biden para descrever o papel e responsabilidades do cargo ao qual estão concorrendo. Ela concordou com Dick Cheney sobre "uma larga flexibilidade", alegando que "a Constituição permite que se dê muito mais autoridade ao vice-presidente, caso ele queira exercê-la".
O editorial, com razão, discorda e culpa Cheney por reformar profundamente a vice-presidência, "como parte de esforço amplo que deixa o Executivo sem fiscalização e equilíbrio. Ela (Palin) não parece entender os graves danos que isso causou à democracia americana. (...)" Cheney mostrou o que acontece quando se deixa o vice-presidente fazer o que quer, até passar por cima da Constituição.
Por causa de Watergate, Cheney acha que o presidente não tem poder suficiente - e que o Congresso, ao contrário, ficou poderoso demais. Por isso buscou ampliar a autoridade do presidente Bush e reclamar para si próprio poderes executivos, legislativos e jurídicos que a Constituição não lhe dá. Na CBS, Katie Couric tinha feito a pergunta sobre o que achava pior e melhor no atual vice-presidente.
Entendendo da forma errada
Ela safou-se com uma piada e elogiou Cheney pelo "apoio às tropas" no Iraque. Não falou do papel do vice forçando a guerra no Iraque, mentindo ao povo sobre as inexistentes armas de destruição em massa, forçando a criação de prisões ilegais onde detidos são torturados, defendendo escuta para espionar americanos, impondo política energética em benefício da indústria do petróleo (onde antes aumentara a fortuna).
Biden, ao contrário, condenara o "executivo unitário" defendido por Chenety, no qual "o Congresso e o povo não têm poderes em tempo de guerra". O democrata vê o atual vice como "o mais perigoso que já houve na história dos EUA". A "flexibilidade" desejada por Cheney inexiste na Constituição, que limita o poder legislativo do vice ao voto no Senado no caso de um empate.
No mais, o que constitucionalmente cabe ao vice é substituir o presidente nos impedimentos. Um presidente merece um vice que seja ainda conselheiro leal e confiável. Mas o povo americano também merece um vice que entende e respeita o equilíbrio dos poderes - e os limites do próprio poder. "É fundamental para a democracia - e a sra. Palin entendeu de uma maneira assustadoramente errada", disse o editorial.
Fonte: Blog do Argemiro Ferreira.
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