segunda-feira, 13 de outubro de 2008

ARTIGO - O capitalismo sobre a miragem.

A decisão dos países europeus da zona do euro, reunidos ontem em Paris, de injetar capitais nos bancos, a fim de impedir a quebra do sistema, pode ter sido a única possível, dentro das circunstâncias, mas não resolverá o problema. A crise surgiu da renúncia da política à sua responsabilidade de conduzir as sociedades e as nações. Um grupo de acadêmicos decretou que o Estado era desnecessário, e um presidente do país mais rico do mundo, Reagan, filosofou que a solução seria obedecer ao mercado. Ora, se o Estado não existe como regedor da sociedade, se suas regras são revogadas pelos eleitos para fazê-las cumprir, tudo passa a ser permitido. Permite-se, dessa forma, que os fundamentos sólidos da economia se percam, e que as operações se façam no escuro e no vácuo.

As cinco maiores firmas de Wall Street (Merril Lynch, JP Morgan, Lehman Brothers, Bear Stearns e Citigroup) pagaram mais de US$ 3 bilhões a seus executivos, nos últimos cinco anos. Essa remuneração absurda ocorreu exatamente no período maldito em que houve as fraudes conhecidas, com lucros fictícios, o prejuízo brutal de acionistas e aplicadores.

Ao mesmo tempo em que se fabricavam lucros virtuais nos computadores, esses executivos modernos se especializaram no que se convencionou chamar reengenharia empresarial: nas `fusões`, no desemprego maciço, na redistribuição e aumento da carga de trabalho, nas pressões econômicas e morais. Essa era a forma a fim de criar o máximo de lucros, quase sempre fictícios para, assim, obter-se o máximo em bônus e indenizações. Essa prática se espalhou pelo resto do mundo. No Brasil houve claro conluio entre os operadores das instituições financeiras privadas com os tecnocratas da chamada equipe econômica. As informações privilegiadas fizeram a fortuna de uns e outros, dos operadores do sistema e das autoridades econômicas que as forneciam, segundo noticiavam as revistas semanais. O caso Cacciola é o grande exemplo daqueles tempos. Não é preciso citar o que foram os anos de deslumbramento com o Consenso de Washington. Os fatos estão aí, todos registrados pela imprensa. E se não fosse, como costuma dizer Delfim Neto, o bom senso do governo de um torneiro mecânico, a crise seria devastadora no Brasil. Todos os observadores internacionais destacam a prudência com que atuou o governo a partir de 2003.

Em razão disso, é constrangedor ouvir o que dizem algumas figuras do passado – entre elas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – sobre a crise atual. Voltam a defender a política de privatizações e o aprofundamento das reformas neoliberais, que o mundo inteiro está repudiando. Insistem na desregulamentação das atividades econômicas, conforme o modelo reaganiano, da estagnação industrial, da asfixia dos Estados, da Lei de Responsabilidade Fiscal. Tudo nos foi imposto pelos mesmos teóricos que imaginaram e atuaram na direção dessas empresas de fraudadores. Lá, como aqui, os `gênios financeiros` se alternavam na direção dos bancos e na administração do Tesouro. Se tivessem um mínimo de respeito pela inteligência dos cidadãos, deveriam manter-se calados.

Em seu editorial de sábado, Le Monde mostra a insanidade do sistema, que levou à crise, dizendo que ele se funda sobre miragens. `Bancos que emprestam 40 vezes mais seu capital, isso não pode existir. Casais, sem recursos financeiros, tendo acesso a propriedades, isso tampouco pode existir. A crise que eclode o prova: tendo tão pouco lastro, alguns bancos sacrificaram o real ao imaginário, o ponto de desregular o termômetro, a fim de que ele não indicasse a febre. Inconsciência, embriaguez, cupidez, fuga para a frente, é assim que o assunto se explica`.

O sociólogo Immanuel Wallerstein, da Universidade de Yale, é mais ousado em sua análise. Ele acredita que o capitalismo, tal como surgiu, em substituição ao feudalismo, a partir do século 17, chegou a seu fim. O que vem em seu lugar não se sabe. O governo brasileiro não pode ficar na dependência do que decidirem os grandes do mundo, nem seguir seus conselhos. Pelo que vem ocorrendo, em Washington, em Londres – e ocorreu ontem em Paris – estão todos sem saber como sair da dificuldade. A China parece estar dando a melhor resposta, ao investir pesadamente na produção industrial e agrícola, para a inclusão de novos milhões de pessoas na sociedade de consumo.
Mauro Santayana (jornalista)
Fonte: AEPET

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