Tropas da ONU legitimam exploração de haitianos por transnacionais dos EUA
por Michelle Amaral da Silva
Para advogado, que visitou diversas regiões do Haiti em 2007, conteúdo da ocupação no Haiti serve também para conter revolta popular
Eduardo Sales de Lima,
“Lá, tudo era diferente do que eu imaginava e do que tinham me dito. Também não tenho nenhuma lição de moral para deixar para ninguém. Só gostaria mesmo de lembrar que estamos perdendo a verdadeira guerra: contra a miséria. Como os jogadores da seleção disseram no dia daquele jogo ridículo, só o combate à pobreza vai trazer a paz. Quando será que vão enxergar isso?” O relato, que faz parte do livro Um Soldado Brasileiro no Haiti, do soldado gaúcho Tailon Ruppenthal – que serviu durante seis meses naquele país – é um indício de como o povo haitiano está sendo violado no seu direito à soberania e à auto-determinação com a ação da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah).
De acordo com o advogado Aderson Bussinger, que fez parte de uma delegação que visitou diversas regiões do Haiti em 2007, “o Brasil não possui legitimidade para tal intervenção, dado o conteúdo de ocupação da missão, que consiste em uma operação para conter a revolta popular e impedir que o povo haitiano tome nas suas próprias mãos o seu destino”.
“Não assisti a um caso de repressão ou agressão direta da Minustah. Assisti, contudo, a uma situação de constrangimento ao povo, sobretudo nos bairros mais miseráveis, onde pude ver blindados brasileiros com seus canhões apontados para a população”, relata Bussinger. O advogado conta ainda que durante a sua estada, ouviu muitos relatos de agressões praticadas pelas tropas das Nações Unidas (ONU), em particular pelas forças brasileiras.
As denúncias de cerceamento à organização popular não param por aí. De acordo com Marcelo Buzetto, integrante da Via Campesina, a Minustah está mapeando e identificando todas as lideranças comunitárias. Muitas, inclusive, segundo ele, estão sendo perseguidas e presas. “Há centenas de presos políticos no Haiti por terem participado de processos de mobilização social, tanto no governo anterior como no atual”, afirma.
Buzetto ressalta ainda que na maior favela de Porto Príncipe, hospitais, creches e escolas foram bombardeados. “Quem anda por Cité Soleil vê as marcas dos tiros.” A descrição não é de se estranhar. Incursões equivocadas dentro das favelas haitianas e o despreparo dos jovens soldados brasileiros já foram relatadas por um “veterano” do Exército brasileiro ao jornal Folha de S. Paulo, em 2006. "Às vezes, no meio de um tiroteio, um cara vindo em nossa direção pode parecer uma ameaça. Se a gente pede para ele parar e ele não pára, o jeito é atirar. Só que, com os FAL – arma de origem belga usada pelos soldados brasileros –, quase sempre acaba em morte. É um fuzil de guerra, não de patrulha urbana como as que fazemos no Haiti."
Greves e dentes quebrados
No relatório entregue à Comissão de Relações Exteriores do Senado, Aderson Bussinger relata como a Minustah legitima a ação de empresas estrangeiras no país, principalmente as estadunidenses. Cita a indústria têxtil Codevi, uma transnacional dominicana, ligada ao banco Chase Manhattan, que fabrica jeans para marcas famosas, como Levis e Wrangler. “Seus trabalhadores ganham 48 dólares (menos de R$ 100 reais) por mês, e trabalham vigiados por guardas armados, o que foi testemunhado por nossa delegação durante todo o período em que estivemos na área”, conta Bussinger.
“Em Cité Soleil, onde está sendo organizada outra zona franca, conhecemos os trabalhadores da Hanes, a mais importante fabricante de camisetas dos EUA. Essa grande transnacional acaba de demitir 600 operários e operárias para fechar a planta industrial e além disso, se recusa a pagar os direitos trabalhistas dos demitidos”, acrescenta o advogado, que também é conselheiro da OAB/RJ.
Para Aderson, o “modus operandi” das empresas estrangeiras pode ser compreendido melhor quando se considera a presença da Minustah, pois trata-se “de uma intervenção que sustenta um modelo de exploração, colonialista, via transnacionais, em favor de alguns interesses específicos, têxteis em especial”. Ele lembra que os trabalhadores dessas “maquiladoras” mostraram-lhe cicatrizes, dentes quebrados e queimaduras; resultado de repressão a greves ocorridas.
Mais repressão
Em abril e maio deste ano, em Porto Príncipe, sete pessoas foram assassinadas e 170 ficaram feridas (entre elas um soldado da Minustah) ao protestarem contra a subida generalizada dos preços dos alimentos e contra a presença de tropas estrangeiras no país. Para se ter uma idéia, o saco de 23 quilos de arroz passou de 35 para 70 dólares, enquanto o milho, o feijão e o óleo de cozinha registraram aumentos de 40% .
Desde então, a repressão à organização sindical e a tentativas de organização de passeatas em Porto Príncipe e ao sul da ilha só aumenta. Nas manifestações pelo Dia Internacional do Trabalho, no 1º de maio, os nomes de todas as pessoas que fizeram uso do microfone durante a marcha foram recolhidos por parte da Minustah e da Polícia Nacional.(Leia mais na edição 293 do Brasil de Fato)
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