Marina Silva
De Brasília (DF)
Em 2001, fiquei muito impressionada ao assistir a uma palestra de Janine Benyus, cientista americana especialista em biomimetismo. Recentemente, li notícias sobre a realização do Congresso da União Internacional para a Conservação da Natureza, em Barcelona, na Espanha, e lá estava Janine, junto a outros cientistas também de grande renome, anunciando avanços extraordinários dessa ciência que muitos consideram o início da terceira revolução humana, depois da descoberta do fogo e da revolução industrial.
Desde que permeado por forte sentido ético quanto a suas finalidades e usos, o biomimetismo, combinado com a nanotecnologia, permite atingir grau elevadíssimo de inovação tecnológica por meio da imitação da natureza, com sua capacidade adaptativa e soluções desenvolvidas durante milhões de anos.
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Aqui neste espaço de Terra Magazine, falei certa vez sobre a magnífica borboleta azul da Amazônia (Atrás de uma borboleta azul) que, de fato, não é azul. Suas asas são de cor marrom, mas uma peculiar superposição de escamas, sob incidência da luz, as torna, aos olhos humanos, de um azul inesquecível. Pois bem. Observando esta borboleta, cientistas ingleses estão produzindo uma tinta cuja cor é dada pela disposição das peças, sob determinados reflexos de luz.
A idéia do velcro surgiu de um passeio no campo, quando seu inventor observou como era difícil retirar algumas plantas presas em sua calça. Na Espanha, foi apresentada uma lista dos "cem melhores truques" da natureza, inspiradores de pesquisas e inovações científicas e tecnológicas. Uma delas, que deverá estar no mercado em dez anos, é um bypass, equipamento para manter estáveis os doentes graves, imitando os impulsos elétricos do coração da baleia corcunda. Outra: um marca-passo de menor custo, aos moldes da estimulação do coração da baleia-jubarte. Ou vacinas que podem ser conservadas sem refrigeração, com base na observação da planta africana Myrothamnus flabellifolia. E ainda o robô flexível, que reproduz movimentos da lagarta e da aranha, capaz de escalar superfícies irregulares, subir em cordas e fios e entrar em espaços muito pequenos.
O horizonte aberto pelo biomimetismo não se esgota nessas e outras experiências admiráveis. Ele contribui fortemente para atestar a viabilidade de mudar o modelo de apropriação do planeta pelos seres humanos.
Os debates efetuados na Espanha foram singularmente importantes por terem apontado para um novo modelo econômico, no qual a imitação da natureza - e não a intervenção de grande impacto - pode oferecer saídas produtivas muito mais sofisticadas e menos causadoras de degradação ambiental. E também por demonstrarem o poder da criatividade e de uma nova visão, capaz de colocar em xeque a crença equivocada na destruição da natureza como conseqüência inevitável e natural da busca de conforto e bem-estar para os seres humanos.
Que isso não é verdade já sabemos, pela simples constatação do impasse a que nos levou esse tipo de pensamento. O biomimetismo torna possível uma interação mais acolhedora com a natureza, afirmando que tem ela tem muito mais a nos oferecer se nos dispusermos a observar, com cuidado e constância, as dicas que nos dá.
Janine Benyus diz que o biomimetismo significa mudar nossa relação com a natureza. Em lugar de "fazer dela", é melhor "fazer com ela", tomando-a como parâmetro de arranjos e interações com um nível de complexidade que ainda não conseguimos equacionar. É a "internalização consciente do gênio presente na vida", segundo Janine.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) apóia as iniciativas dos principais grupos científicos da área, que deverão lançar no próximo mês, na Internet, o asknature.org, para expandir o conhecimento sobre as potencialidades do biomimetismo, inclusive colocando as pesquisas em andamento à disposição dos empreendedores.
Diante desses dados, é espantoso continuar a destruir vastas áreas de nossos biomas - no auto-engano de um "progresso" que retorna como bumerangue de problemas - quando se poderia extrair deles conhecimento e lições de adaptação.
A propósito, até o próximo domingo, dia 26 de outubro, estará acontecendo em todo o País a 5ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, cujo objetivo é chamar a atenção para o papel dessas áreas no desenvolvimento e na vida de cada um, além de estimular a atitude científica de curiosidade, criatividade, pesquisa e inovação, especialmente em crianças e jovens. O site http://semanact.mct.gov.br traz a programação em cada estado.
O resultado dessa semana será excelente se disseminar não só o interesse por esses temas, mas uma postura de ver, na ciência e na tecnologia, não uma forma arrogante de tentar "escravizar" a natureza, mas uma ferramenta sensível, criativa e respeitosa de convivência com ela, para aprender o segredo de fazer de nossa aventura humana no planeta, uma aventura bela e sustentável.
Para isso, a ética precisa ser a baliza permanente da técnica. Ainda não alcançamos esse patamar, embora tenhamos experiências - como as oriundas da área do biomimetismo - que avançam nesse sentido. Para alcançá-lo é preciso observar alguns pressupostos. O primeiro é o respeito aos direitos das populações tradicionais, que detêm conhecimento ancestral associado à biodiversidade, a uma partilha justa de benefícios. Além disso, deve-se garantir, como imperativo ético, a colocação da tecnologia a serviço de todos. Quando temos cidadãos e cidadãs que nem sequer são alfabetizados ou atendidos por tecnologias básicas, como um sistema simples de saneamento, vemos que ainda há muito chão a percorrer.
Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre e ex-ministra do Meio Ambiente.
Fonte:Terra Magazine.
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