Mauro Santayana
As circunstâncias da posição geográfica e do po voamento do Hemisfério americano induziram muitos pensadores a definirem-no ora como o novo Ocidente, ora como o último Ocidente. Ocidente e Oriente, como é óbvio, dependem da situação do observador. Essa relatividade espacial corresponde à relatividade cultural e política. A civilização ocidental começa na Ásia, mais precisamente na Índia, com o sânscrito, de onde derivam os principais idiomas europeus. Em seus vocábulos fundadores ancoram-se as ideias gregas, latinas, eslavas e germânicas que, fermentadas durante tantos séculos, criaram o modo de ser e pensar do mundo contemporâneo.
Do ponto de vista cultural, e aparentemente – é bom frisar – o mundo inteiro se tornou ocidental, sobretudo nos últimos anos em que se desenvolveram os meios de comunicação. Nesse movimento, os sistemas de poder dos países periféricos assimilaram as técnicas de domínio dos antigos senhores colonialistas. Pensadores da América do Sul e, entre eles, de forma magistral, o peruano Mariátegui e o brasileiro Manuel Bonfim, mostram como os criollos substituíram os espanhóis na opressão aos povos indígenas e a grande parte dos mestiços. Só conseguiam elevar-se socialmente, e assim mesmo dentro de limites, os que, não sendo brancos puros, deles se tornavam vassalos.
Não obstante essa transposição do modelo europeu, existente nos séculos 16 e 17, a força cultural dos indígenas da cordilheira, que já dispunham de estados, se manteve imanente. Eram sociedades comparáveis às primeiras civilizações da Ásia, da Mesopotâmia e do Egito. A destruição dos impérios pré-colombianos não foi suficiente para afugentar todos os seus deuses e sua peculiar visão do mundo. Nesse sentido, a literatura de ficção do continente supera os estudos antropológicos, fundados nos esquemas europeus de análise. Todos os grandes romancistas andinos, uns mais, outros menos, tocam nessas raízes autóctones, de forma admirável. No relato das emoções, explicam a formação e o modo de ser de seus povos antigos e os problemas de convívio entre as culturas.
Outra é a situação do Brasil. Em nosso caso, inexistiram choques de culturas políticas. Houve, sim, a brutalidade com que foram tratados os índios e, em seguida, os negros. Do ponto de vista cultural, foi mais fácil a assimilação da experiência negra, uma vez que eles traziam para o Brasil uma visão de mundo mais elaborada do que a dos nossos índios. Para a mineração do ouro, a experiência dos escravos vindos da costa ocidental da África foi decisiva. O choque político ocorreu com os franceses e holandeses, que pretenderam desalojar os portugueses do território. Essa circunstância explica muito das diferenças da história social e política entre a América portuguesa e a América hispânica, onde os espanhóis encontraram a resistência organizada dos incas no Sul, dos astecas no México e restos da civilização maia na América Central.
A conjuntura histórica exige a unidade continental, sem a hegemonia de uma cultura sobre as outras, no respeito intransigente à identidade cultural e à autonomia política de todos por todos. Alguns povos da cordilheira estão, hoje, sob a liderança de homens que trazem o carisma dos caudillos e dos governantes-sacerdotes do passado. Submetidos os seus povos ao saqueio e à humilhação, principalmente depois da derrota de Tupac Amaru e outros resistentes, é compreensível que eles busquem no passado a sua força. Não temos por que lhes ensinar as virtudes democráticas, principalmente porque ainda não as praticamos.
Não nos conhecemos bem. As nossas elites sempre foram mais interessadas na cultura europeia do que na excepcional criatividade dos povos vizinhos. O conhecimento da rica literatura hispano-americana é ainda pequeno entre nós, fora dos meios acadêmicos. E assim mesmo, os grandes autores vizinhos só se editam no Brasil depois de divulgados na Europa. Da mesma forma, para penetrar em seu mercado editorial, os brasileiros têm que passar por Paris e Madri.
Temos que abrir sendas na cordilheira física e mental que nos separa. Já iniciamos a construção de estradas para unir o Pacífico ao Atlântico, e a circulação de pessoas é hoje muito mais fácil do que no passado. Temos que multiplicar essas vias de comunicação. Só assim nos faremos realmente os amigos que precisamos ser, a fim de que sejamos suficientemente fortes para enfrentar as crises de nosso tempo.
Fonte:JB
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