sábado, 7 de fevereiro de 2009

BRASIL - Da gaveta à transparência

Brasil ficou em oitavo lugar no ranking de transparência das contas públicas

Vitor Hugo Soares, no Terra Magazine.
De Salvador (BA)


Postado em Boston, recebo em Salvador um e-mail da jornalista Rosane Santana. Logo dá para ver que ela não desgruda os olhos da terrinha que deixou há dois anos, para azeitar o inglês na Universidade de Harvard. Enquanto estuda, exercita o espírito polêmico em textos de análise sobre os labirintos e contradições de Obama e a crise americana, ou em coberturas como a da passagem de João Gilberto por Nova Iorque para celebrar, na Broadway, os 50 anos da Bossa Nova, publicados na revista eletrônica Terra Magazine, de Bob Fernandes, e Bahia Já (blog de Tasso Franco), entre outros espaços de opinião.

A afiada repórter política de sempre fala da nota lida em um blog de Salvador (Política Livre), sobre a surpreendente posição do Brasil como oitavo colocado no ranking de transparência das contas públicas, entre os mais de 80 países do mundo (do Reino Unido ao Sudão), relacionados no levantamento da Open Budget Partnership. Chama a atenção para o espaço ínfimo dedicado ao assunto pela imprensa brasileira, em contrastes com os latifúndios generosos abertos para tratar das tramóias e traições de um retrocesso de doer: o senador José Sarney, e o deputado Michel Temer - ambos do PMDB -, eleitos para comandar o Senado e a Câmara, respectivamente, pelos próximos e cruciais dois anos.

Bato na madeira três vezes, como fazem em geral os baianos para afastar maus presságios, e corro para recuperar informações sobre o estudo referido. Fico sabendo, via BBC-Brasil, que dos 85 países pesquisados, apenas cinco - Reino Unido, África do Sul, França, Nova Zelândia e Estados Unidos - fazem parte do time que "fornece informações abrangentes sobre orçamento público". O Brasil, na segunda divisão, está entre aqueles que "provêm informações substanciais" sobre o destino do dinheiro dos impostos. Nesse item relevante fica atrás, apenas, da Noruega e da Suécia.

Nada mal, pois em sua categoria, segundo mostra o estudo da instituição com sede em Washington, que trabalha com outras especialistas em orçamentos de várias partes do planeta, consta apenas mais um latino-americano: o Peru. A Colômbia, Argentina, México estão na terceira divisão, a dos que "fornecem alguma informação", colados com Rússia e Índia. No grupo abaixo da linha democrática, os que dão "pouca ou nenhuma informação", como a Bolívia (o pior classificado do continente), Arábia Saudita, China, Angola, Sudão e Afeganistão.

Não demoro a reconhecer o valor jornalístico da mensagem. Bastou bater na testa e recordar outro fato e situação: há seis anos, o País sujava-se no lodo da má fama, exatamente por remar na direção inversa da corrente da transparência da coisa pública.Verificava-se, então, notória tendência para conviver, cúmplice e impunemente, com a corrupção de políticos, magistrados, empresários, administradores e burocratas, de todos os partidos e escalões de governos, em suas estranhas e promíscuas relações com o dinheiro dos orçamentos destinados a obras e serviços públicos.

Tempo em que pipocavam por todo lado graves e urgentes processos. Denúncias as mais cabeludas sobre saques ao erário, botins de dinheiro desviado dos tesouros (da União, dos Estados, das Prefeituras Brasil afora) para bolsos, cofres e até colchões privados distantes do real destino orçamentário. Escândalos, em geral, congelados depois de um tempo de grita popular e do barulho intenso mas passageiro na mídia, que iam mofar nas atulhadas gavetas da Procuradoria Geral da República.

Levantamentos publicados na época do ministro-procurador, Geraldo Brindeiro, apelidado de "engavetador-mor da República" no governo FHC, apontavam o engavetamento de 242 desses processos mais graves, enquanto outros 217 foram arquivados, pura e simplesmente, antes de Brindeiro deixar o posto.

Em artigo publicado no Observatório da Imprensa, em 2006, o procurador George Brito assinalou que tais aspectos, "inicialmente vestidos de análise meramente política - ou seja, papel a ser exercido exclusiva e supostamente pelos cientistas políticos - seriam cruciais se trabalhados como notícias pela imprensa, de forma contextual, o que quebraria a fragmentação pobre predominante na cobertura".

Na mensagem mandada de Boston, esta semana, a jornalista alerta: diante da virada de jogo detectada agora no levantamento da Budget Partnership, é preciso não esquecer, por dever de justiça, de destacar o papel do ex-ministro Waldir Pires na criação da Controladoria Geral da União - "uma das melhores coisas da era Lula" - e da competência com que Jorge Hage, "seu seguidor e fiel amigo, homem de ética notável, vem tocando a CGU, órgão fundamental para à democracia, para o combate à corrupção, e para cortar os laços com o passado colonial". Está dito Rosane. E assino embaixo.
Fonte:Terra Magazine

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