terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

OBAMA E A CRISE

NOAM CHOMSKY, linguista do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e militante da esquerda americana, fez, em entrevista ao correspondente da Folha de S. Paulo nos EUA, Sérgio Dávila, duas afirmações que vale a pena destacar, sobre a vitória de Barack Obama na eleição para a Presidência americana: (1) O fato de um afrodescendente e uma mulher (Hilary Clinton) terem sido os finalistas no processo de escolha do candidato do Partido Democrata à disputa presidencial americana `é um tributo ao ativismo dos anos 1960` naquele país, cujas conseqüências `tiveram um efeito civilizador [...] Mas muitos querem exagerar esse significado, sem admitir, por exemplo, que as vitórias de um operário metalúrgico no Brasil [Lula] e de um descendente de índios na Bolívia [Evo Morales] têm também um significado semelhante`. (2) Obama é um `democrata de centro`, como Bill Clinton. Sua eleição foi como a venda de uma marca: a mídia em geral o elogiou por organizar um exército de apoiadores, `que não contribuiu em nada para as políticas de seu governo e só espera instruções para apoiar sua agenda, seja ela qual for`. Citando um teórico político progressista americano, o analista Walter Lippman (1889-1974), Chomsky diz que o processo de venda da `marca Obama` é uma construção política não democrática, na qual o público é dado como um conjunto de `observadores intrusos e ignorantes`, de `expectadores da ação`, e não de `participantes`.

O que fará Obama na Presidência do país econômica e militarmente mais forte do mundo? A julgar pelo gabinete que escolheu, não haveria qualquer mudança em relação à política tradicional. No Departamento de Estado, estará Hilary Clinton. No de Defesa, permanece o escolhido por George W. Bush, Robert Gates. Para o do Tesouro, foi o preferido da alta finança: Timothy Geithner, atual diretor do Federal Reserve de Nova York, centro das operações financeiras do banco central americano.

As escolhas foram tão decepcionantes para um candidato eleito em nome da `mudança` que Obama acabou convocando uma entrevista para dizer que os nomes tradicionais darão a seu governo a experiência. Mas que a `visão` será a dele. Que `visão` é essa?

Obama toma posse no dia 20, mas algumas de suas posições, especialmente com relação à enorme crise gerada na economia de seu país, mas que rapidamente se alastra pelo mundo, são reveladoras. Tome-se, por exemplo, sua atitude com relação ao plano de ajuda às montadoras automobilísticas dos EUA, o qual foi rejeitado no dia 11 de dezembro pelo Senado americano. Os congressistas do Partido Democrático, com o apoio de Obama e de Bush, tinham concordado com um empréstimo-ponte de 14 bilhões de dólares à General Motors e à Chrysler, para equacionar os pagamentos de curto prazo, até março, das duas empresas – a outra das três grandes montadoras americana, a Ford, está em melhor situação. Ao mesmo tempo, o governo nomearia um executivo especial para supervisionar uma reestruturação do setor. A proposta passou pela Câmara dos Representantes, mas foi rejeitada no Senado, basicamente graças à oposição maciça da minoria republicana. E, a despeito de sua rejeição no Congresso, o presidente Bush pretende levá-la adiante de alguma forma enquanto estiver no poder.

CAPACIDADE DE SOBRA

A crise da indústria automobilística não é apenas americana: é um dos aspectos da crise econômica global. Tanto nos EUA como na Europa, as montadoras tiveram no ano passado e têm previstas para este as maiores quedas de vendas desde o início dos anos 1950. As vendas nos países emergentes, como Índia, Brasil e China, também caíram e não compensarão as quedas nos mercados mais ricos. A capacidade global instalada, estima The Wall Street Journal, é de 92 milhões de unidades, e as vendas previstas para este ano são de 60 milhões de carros, apenas.

A crise das grandes montadoras americanas, no entanto, é mais profunda. Metade da capacidade instalada das três grandes já é suficiente para atender o mercado americano. E, ainda assim, elas têm, progressivamente, perdido espaço no próprio país. Estima-se que em poucos anos, mesmo sem a crise e a eventual quebra de GM ou Chrysler, a maior parte dos carros nos EUA sairá de fábricas estrangeiras, especialmente de plantas japonesas. Mas as montadoras chinesas, por exemplo, que são 80 e enfrentam também uma crise, estão em situação muito melhor que as americanas. Em meados de dezembro, por exemplo, a chinesa BYD, na qual o americano Warren Buffet tem uma participação de 10%, lançou na China o primeiro carro elétrico para consumo de massa, prometendo lançá-lo no mercado americano no ano que vem.

O problema maior das montadoras americanas é o seu grande endividamento. Uma das causas do fracasso do plano para salvá-las está ligada às concessões esperadas dos trabalhadores. Os senadores republicanos responsáveis pela rejeição do acordo exigiram que o projeto incluísse a convergência, num prazo de tempo limitado, dos salários dos trabalhadores nas empresas americanas de Detroit para o nível praticado, nos próprios EUA, por suas concorrentes japonesas, como Honda e Toyota. Os sindicatos rejeitaram a inclusão desse ponto no pacote de ajuda. `Não podemos aceitar o esforço dos senadores republicanos de singularizar os trabalhadores e aposentados para tratamento diferenciado`, disse Ron Gettelfinger, presidente da United Auto Workers, o sindicato dos trabalhadores na indústria automobilística. Os republicanos não fizeram o mesmo tipo de exigência para outros grupos envolvidos nas negociações para salvar as montadoras, como os donos da empresa, os detentores de bônus de suas dívidas, os fornecedores, revendedores, disse o líder sindical.

Obama apoiou o plano acertado entre os democratas e Bush, que, no fundo, visava apenas ganhar tempo. Mas não porque não houvesse alternativas. O Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, em artigo para o Financial Times em meados do mês passado, por exemplo, disse que a melhor forma de resolver os problemas da GM e da Chrysler seria o da concordata pré-negociada, na qual elas se livrassem da carga de juros e dividendos que pagam hoje. Ele argumentou que os 14 bilhões de dólares de empréstimo propostos poderiam parecer pequenos diante do agravamento da crise global e das somas bilionárias que a cada dia se anuncia para um novo socorro aos grandes. Mas, diz Stiglitz, não se pode esquecer que há alguns meses Bush disse que os EUA não tinham dinheiro suficiente para bancar planos de saúde para as crianças pobres.

Stiglitz propôs os termos da negociação prévia da concordata da GM e da Chrysler de forma bem diferente. Para ele, os acionistas controladores das duas empresas, que fracassaram nas suas funções de administradores, deveriam perder tudo. Os detentores de títulos de suas dívidas passariam a ser acionistas, perdendo também quantias substanciais. E, livres da obrigação de pagar juros, as montadoras estariam em melhor situação e poderiam ter a liberdade de começar de novo.

Os carros modernos são produtos tecnológicos complexos, e os EUA têm força em tecnologia, diz Stiglitz. O fracasso é responsabilidade dos executivos das montadoras de automóveis americanos e dos mercados financeiros, que não cumpriram suas funções de fiscalização e encorajaram um comportamento míope. Os mercados financeiros devem supostamente alocar capital e fiscalizar para que seu uso seja eficiente. A suposição é de que sejam recompensados quando fazem bem o trabalho, mas que arquem com as conseqüências quando fracassam, disse o Nobel.

Obama e Stiglitz são democratas. Ambos são liberais. Stiglitz não se estende mais sobre a questão trabalhista, evidentemente um grande problema. A indústria automobilística americana, que no início dos anos 1980 empregava mais de um milhão de trabalhadores, agora emprega pouco mais de 200 mil e desempregaria mais gente numa reestruturação, com certeza. Stiglitz diz, no entanto, que o acordo para a concordata deveria garantir as aposentadorias dos trabalhadores. E que o governo poderia também ajudar fundos de pensão que estivessem envolvidos no negocio, mas diretamente.

REAÇÃO MAL INSPIRADA

Stiglitz está à esquerda de Obama. Acha que a ajuda aos fundos dos trabalhadores deve ser feita por uma intervenção mais decidida do Estado, não pelos esquemas atuais, que passam pelos bancos e pelo sistema financeiro existentes, de um modo geral responsáveis pela crise. E esse é o ponto central.

Segundo Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), a reação à crise tem sido `pequena, mal inspirada quanto ao seu projeto e com dúvidas quanto a sua implantação`. `Enfrentamos uma queda sem precedentes na produção e existe uma incerteza substancial que limita a eficácia de algumas medidas de política fiscal`. Para ele, 2009 será muito difícil e a economia só se recuperará em 2010, se forem perseguidas políticas ativas que complementem as adotadas até o momento, por enquanto insuficientes.

Até agora, os governos das principais potências capitalistas têm se comportado como se a solução para evitar uma catástrofe econômica global fosse os bancos centrais emitirem cada vez mais dinheiro e garantirem cada vez mais os papéis do sistema financeiro existente. Os programas de ajuda ou garantia de créditos, que inicialmente estavam na casa de algumas centenas de bilhões, agora já chegam à altura de meio trilhão de dólares. E a crise continua se agravando. Obama, ao que tudo indica, não tem nada novo a propor. Ganhou as eleições prometendo mudança, com uma campanha de marketing, feita na superfície do sistema. Possivelmente será como Jimmy Carter, o presidente americano dos anos da crise que encerrou a era keynesiana da economia capitalista para dar lugar a Ronald Reagan e às reformas neoliberais. A diferença é que Obama presidirá os EUA com o mundo neoliberal em convulsão profunda, que não se resolverá com mudanças superficiais, muito provavelmente.

Publicado originalmente: Revista Retrato do Brasil.
Fonte:AEPET

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