Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
Adital
No dia 13 depositei em conta do poder judiciário R$ 25.116,75. Esse dinheiro, obtido através de coleta pública nacional pela internet, se destina aos sucessores e herdeiros do empresário Cecílio do Rego Almeida. Corresponde à indenização que a justiça do Pará me obrigou a pagar ao dono de uma das maiores empreiteiras do Brasil, a Construtora C. R. Almeida, com sede no Paraná.
Foi o desfecho de uma ação que ele iniciou em 2000. Alegou ofensa à sua honra pessoal por eu o ter chamado de pirata fundiário, em artigo publicado no meu Jornal Pessoal. Na época, cobrou R$ 4 mil como reparação pela sua honra ofendida. O valor final, de R$ 25 mil, decorreu da correção monetária e dos acréscimos do processo.
Eu podia continuar a recorrer, como fiz ao longo de mais de 10 anos. Mas achei que o cinismo, a injustiça e o propósito deliberado de me atingir exigiam uma resposta mais contundente, à altura do surrealismo da situação. Decidi não recorrer mais. E fiz algo inédito nos anais forenses: compareci espontaneamente ao foro e pedi para pagar a indenização.
O juiz que me condenou, Amílcar Guimarães, atuou como substituto na Vara pela qual o processo tramitava, em 2005, por um único dia, enquanto a titular viajava para fazer um curso de três dias no Rio de Janeiro. Sua sentença fraudou a data para poder ser recebida, quando ele já não podia mais atuar no processo. Não consegui anular essa decisão, apesar de todos os recursos que utilizei. Não consegui sequer a punição do juiz fraudador, A sentença foi mantida no tribunal.
A história já é conhecida e a relembro num artigo que escrevi para minha coluna, Cartas da Amazônia, no portal do Yahoo. Através dela, convoco novamente os amigos e simpatizantes, que aderiram à "vaquinha” para a coleta dos fundos para a indenização, a participarem de uma nova rodada, agora para as manifestações daqueles que também acham que a situação merece uma resposta. Este é meu convite: vamos mostrar à justiça do Pará que se ela reprime a verdade, nós a exaltamos. E estamos dispostos a pagar qualquer preço para fazê-la prevalecer sobre o absurdo do poder absoluto.
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JP: o pesado ônus de uma imprudência
Por Théo Carpentier
(Publicado na edição738 do Observatório da Imprensa, em 19 de março)
(Publicado na edição738 do Observatório da Imprensa, em 19 de março)
Acompanho há muitos anos o trabalho e a luta árdua deste ilustre jornalista brasileiro Lúcio Flávio Pinto e gostaria de manifestar-me a respeito do desfecho de um de seus processos, noticiado esta semana no site Yahoo, no qual decide interromper o ciclo de recursos a que formalmente teria direito. Quando o Tribunal de Justiça do Estado do Pará decidiu condená-lo a pagar indenização por suposto "dano moral” ao rico empreiteiro que praticou a grilagem de 5 milhões de hectares de terras públicas naquele estado, decerto não imaginava o desfecho surpreendente e inusitado do caso. Após vitoriosa campanha nacional de solidariedade ao jornalista-denunciante conduzida pelo movimento Somos Todos Lúcio Flávio Pinto, que incluiu a arrecadação de fundos no valor da sentença, ele foi até o órgão judiciário, por iniciativa própria, na terça-feira (12/3) e consumou o fato, fazendo o depósito do valor cobrado, em números atualizados: 25 mil reais e uns trocados. O que esperava o tribunal paraense?
Exatamente o contrário. Que ele se mantivesse distante, tomasse outra rota, recorrendo às instâncias superiores na capital federal, como é de praxe, e, ao fazê-lo, livrasse o Tribunal estadual do ônus de sua incômoda e impopular decisão. O gesto grave do jornalista-denunciante, de assumir o pagamento da sentença injusta que lhe foi imposta, nos coloca as seguintes questões: por que o Tribunal tomou uma decisão final favorável ao grileiro, mesmo amparado numa vasta documentação (vindo à tona no Dossiê Jornal Pessoal nº 1: "Grilagem – a pirataria nas terras da Amazônia”, em março de 2012, vendido em bancas de jornais da sua cidade), que comprova de forma irrefutável o ilícito praticado por Cecílio do Rego Almeida e os descaminhos do processo judicial? Por que o Tribunal manteve a decisão, mesmo quando réus no mesmo processo foram absolvidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, onde a ação teve origem? Por que o Tribunal não voltou atrás de sua decisão quando o próprio juiz Amílcar Guimarães, responsável pela sentença, protagonizou um escândalo internacional nas redes sociais, vindo a público desmoralizar a própria instituição, declarando-a não confiável nos seus julgamentos? Por que o Tribunal, quando instado pelo jornalista a executar a sentença, permaneceu inerte?
Consequências nefastas
Minha resposta: o Tribunal de Justiça do Estado do Pará acovardou-se duplamente: tanto perante o crime e o criminoso, quanto perante o próprio réu, que lhe cobrou assumir a sentença condenatória e colocar um ponto final jurídico a um processo kafkiano que já durava mais de 10 anos. Não teve a coragem que se exige de uma instituição de Justiça para contrariar interesses e enfrentar grandes latifundiários, que constituem uma espécie de segundo poder dentro do Estado, com bancada constituída no Congresso Nacional.
Mas se o Tribunal local é desprovido dessa coragem para julgar casos envolvendo poderosos agentes e grupos econômicos, por que assumiu o julgamento do caso? A condenação de um jornalista-denunciante do crime da grilagem —do roubo, melhor dizendo— de terras públicas em extensões colossais, cujo reverso é a absolvição do latifúndio, tem consequências sociais nefastas, gravíssimas, numa região de fronteira —foco de atenção internacional envolvendo a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte em terras ocupadas por indígenas— e num estado campeão nacional de assassinatos de lideranças sindicais e camponeses pobres empurrados para conflitos de terra pela grilagem criminosa. O que têm a dizer os organismos externos de controle do poder judiciário, o Conselho Nacional de Justiça? O que tem a dizer o próprio Ministério da Justiça sobre a injustiça que vitimou o jornalista que nada mais fez que cumprir o seu dever de ofício e de cidadão?
MINHA RESPOSTA
Muito obrigado por este seu artigo. Confesso que era algo assim que eu esperava de um cidadão que tomasse conhecimento da minha iniciativa. Eu a adotei depois de um verdadeiro calvário de recursos contra uma decisão que não era apenas iníqua, contrariando todas as provas dos autos: era mesmo ilegal, à base de uma fraude comprovada. Ao ver que a justiça queria me atar aos autos como um Prometeu tropical acorrentado, entregue à fúria dos abutres, decidi reagir frontalmente, refazendo os termos da condenação maliciosa e malsã. Duvido que qualquer dos meus algozes, fantasiados de piratas fundiários ou envergando togas sebosas, imaginasse essa reação. Um réu foge da sentença quando ela o pune. Mas o pagamento de indenização ao grileiro pelo "crime” de chamá-lo de grileiro é nódoa que pertence ao poder judiciário paraense, não a mim. Quem vai ter que responder ao tribunal maior, o da história, será a justiça do Pará. Ela traiu o compromisso de vigiar pela defesa dos superiores interesses da sociedade e pela supremacia da verdade. Serviu de instrumento ao ato vil do usurpador das terras públicas, não "alguma terra”, mas o território de um país (que poderia ser o 21º maior Estado da federação). Serviu também à punição de quem se colocou no caminho desse pirata fundiário. Ao pagar a indenização, devolvi ao judiciário o que lhe é devido: a responsabilidade pela infâmia.
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