quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

PETROBRAS - Carta de engenheiro aposentado da Petrobras enviada à presidente Graça Foster.



Companheiros, bom dia !!!

 Como alguns dos destinatários do meu E-mail anterior não conseguiram abrir o arquivo que anexei contendo a carta que enviei para a Presidente Graça Foster, estou anexando abaixo o texto completo. 


Um abraço,
Mauricio Ferreira

Itaipava, 14 de dezembro de 2013
Senhora Maria das Graças Foster – Presidência da Petrobras
Referência: A Camisa da Petrobras

Cara Senhora Graça Foster,

Eu sou Maurício Ferreira, Engenheiro de Processamento aposentado e participante assistido não repactuado da Petros, e recebi recentemente uma camisa da Petrobras enviada pela senhora em comemoração aos 60 anos de existência da empresa. Confesso a minha surpresa com este presente, pois estou aposentado desde maio de 1998 e jamais recebi qualquer lembrança da Petrobras que me fizesse pensar que ainda existo para a companhia. Após a minha aposentadoria passei a supor que no dicionário da Petrobras aposentado fosse sinônimo de esquecido, sem uso, ou, segundo uma adição semântica mais recente, de estorvo.
Agradeço a sua intenção, mas não é desta forma que eu quero ser lembrado e estou devolvendo o seu presente. Por favor, não veja em meu gesto um ato de grosseria ou de indelicadeza, pois não é minha intenção ser grosseiro ou indelicado. Acontece que nós, aposentados, temos vivido uma realidade de dificuldades, incertezas, insegurança e agressões aos nossos direitos em nosso relacionamento com a Petrobras e a Petros nos últimos anos. Infelizmente o seu presente desconsidera ou ignora esta realidade, dando-me a entender que a Petrobras e a Petros agem como se nada estivesse acontecendo e que consideram normal a forma desrespeitosa com que nos têm tratado.   
Nunca pensei em escrever uma carta para a Presidência da Petrobrás, pois acho pouco provável que ela seja lida pelo destinatário. Entretanto, como a senhora tocou em um tema tão sensível, tomo a liberdade de responder a sua mensagem e expor as insatisfações que afloraram em mim quando vi a camisa que a senhora me enviou.
Espero que a senhora, ao ler esta carta, possa entender os motivos do meu gesto. Espero, também, que o meu relato possa chamar a sua atenção para a nossa indignação com o tratamento discriminatório que temos recebido da Petrobras, por ocasião das negociações salariais, e para a nossa preocupação com os perigos que ameaçam a estabilidade e a integridade da nossa Fundação Petros.
Recordações – O orgulho de vestir a verdadeira Camisa
Meu primeiro contato com a Petrobras ocorreu em 1966, quando eu cursava o último ano de Engenharia Química na Escola Nacional de Química da antiga Universidade do Brasil, na Avenida Pasteur. A Petrobras era ainda uma linda adolescente, com 14 anos incompletos. Foi amor à primeira vista. Recém formado, vindo das lutas estudantis da época da ditadura militar, e com a pureza dos jovens no coração, eu vi a possibilidade de trabalhar nesta empresa como uma forma de servir não a grupos privados, mas sim ao Brasil. E, assim, ingressei na companhia em 01 de fevereiro de 1967, após ter sido aprovado em concurso público.
Após ter trabalhado quatro anos em pesquisa (Cenpes) e seis anos na área industrial (Depin Sede), transferi-me para a área internacional do antigo Decom. Este órgão estava tendo seu crescimento fortemente estimulado pelas diversas crises do petróleo e pela necessidade de a Petrobras estruturar-se convenientemente e adequar a sua atuação internacional às novas demandas do mercado.  Como não havia, na ocasião, uma escola ou faculdade para formar profissionais especialistas em comércio internacional, os técnicos recrutados pelo Decom naquela época vieram de várias áreas da própria companhia, tais como geólogos, economistas, advogados, químicos e engenheiros de várias categorias. Uma verdadeira legião estrangeira de aventureiros, visionários e sonhadores.
Foi um desafio emocionante: abandonar a engenharia química e iniciar uma carreira em uma área onde o meu conhecimento técnico prévio seria uma ferramenta acessória. Mas valeu a pena. Como o Decom fazia interface com todas as áreas da companhia, ter trabalhado naquele órgão permitiu que eu tivesse uma visão global da operação da Petrobras, de suas dificuldades, de seus projetos e de seu relacionamento com o Governo Federal.
Foi neste estágio que eu tomei consciência da enorme importância da Petrobras para o desenvolvimento do país, e da necessidade de um país como o Brasil possuir uma empresa estatal poderosa na área do petróleo. Além de garantir o abastecimento nacional de derivados de petróleo, de gerar tecnologia e empregos, a Petrobras sempre foi um agente indutor de desenvolvimento social e industrial. Sua flexibilidade e capacidade de adaptação permitiram que ajudasse a viabilizar os diversos planos econômicos implantados pelos vários governos brasileiros. Bela época! Sentia-me orgulhoso por pertencer a esta companhia e participar do trabalho que ela realizava, e privilegiado por poder canalizar a energia da minha juventude e a minha criatividade para algo tão engrandecedor.
Tenho recordações maravilhosas do tempo em que vivi nesta empresa, mas uma, em especial, expressa com clareza a emoção do que descrevi acima. Em 1984, em meio a uma séria crise cambial e após o governo brasileiro determinar que as importações de petróleo teriam de ser pagas em no mínimo 180 dias após seu embarque, fiz parte de uma  missão de três pessoas (dois engenheiros de processamento de petróleo e um técnico de importação e suprimento) a diversos países produtores de petróleo da OPEP no Golfo Árabe (Arábia Saudita, Iraque, Qatar, Abu Dhabi e Kuwait) para tentar convencer as suas companhias estatais a vender seus petróleos para a Petrobras nas condições determinadas pelo nosso governo.
Foi uma aventura inesquecível. Naquela época as cargas de petróleo eram pagas em apenas trinta dias após os seus embarques, e nós tínhamos que convencer os nossos supridores a vender seus petróleos para um país quase falido e para pagamento em 180 dias, isto é, quando a sexta carga estivesse sendo carregada a Petrobras já deveria as outras cinco anteriores.
Mas a Petrobras conseguiu, e foi mais fácil do que pensávamos. Enquanto o poderoso, pedante, e arrogante Ministro da Fazenda brasileiro naquela ocasião voltava para o Brasil com US$300 milhões de crédito após negociar com um sindicato de bancos europeus, a Petrobras retornava com mais de US$ 1,2 bilhão em linhas de crédito adicionais oferecidas pelos países produtores consultados e dedicadas à aquisição de seus petróleos. Durante as reuniões nós tivemos que ouvir perguntas do tipo “Vocês pensam que estamos vendendo amendoim?”, como ocorreu no Qatar, mas também ouvimos comentários inesquecíveis e vimos coisas acontecerem que me encheram de orgulho e valeram por toda uma vida de trabalho: a companhia saudita Aramco, antes uma entidade que apenas regulamentava e fiscalizava a operação das quatro companhias americanas, Chevron, Exxon, Mobil e Texaco, transformou-se em operadora comercial ela própria, com o novo nome de Saudi Aramco, para poder acomodar o nosso pedido e vender petróleo para o Brasil fora do âmbito das quatro companhias citadas antes. Fizeram isso dizendo “Se for para a Petrobras nós daremos a extensão de prazo de pagamento, mas não o faremos se o crédito for para o Governo Brasileiro, pois se este vier a cair, a Petrobras continuará de pé.” Quem diria! A Petrobras, com três de seus “gatos pingados”, que nem da área financeira eram, superava o poder, a pompa e a circunstância de um Ministro de Estado!
Como a senhora pode ver, a camisa da Petrobras que eu visto não é feita de pano e nem cobre o meu corpo. Ela veste minha alma, meu coração e a minha mente, e abriga minhas lembranças. Foi tecida com dedicação e amor ao longo de 32 anos de trabalho, e com o prazer de estar trabalhando para o meu país. Suas cores são tão vibrantes que não esmaeceram com o passar do tempo, apesar da tristeza de ver as mudanças que a Petrobras vem sofrendo nos últimos anos.
Decepções – A nova face da Petrobras
Olhando-a agora de fora e sob ângulo de um aposentado com 70 anos, vendo-a ser tocada e administrada por uma geração que se mantém alheia às lutas daquele tempo, e para quem a história da companhia provavelmente pouco ou nada significa, é com tristeza que eu percebo como a mente e o coração da Petrobras mudaram ao longo dos anos, e como ela desviou-se do propósito para o qual foi criada tal como definido no texto de Getúlio Vargas quando sancionou a lei 2004 de 03 de outubro de 1953, exatamente o ano em que a senhora nasceu. 
Protegida contra pressões externas durante os governos militares, a Petrobras agora vem se mostrando extremamente vulnerável a influências políticas que têm descaracterizado a sua personalidade original e levado a companhia a tratar os aposentados de forma desrespeitosa e pouco ética. A Petrobras amesquinhou-se sob a ação dessas influências, e as administrações subservientes que antecederam à da senhora transformaram-na em pouco mais que um mero instrumento do projeto de poder de um partido político e de seus dirigentes. Os casos da Refinaria de Pasadena adquirida da Astra Oil, do controle com fins eleitoreiros dos preços dos derivados de petróleo no mercado interno, das motivações políticas para a construção e do custo astronômico da Refinaria Abreu Lima, e das importações de gasolina e óleo diesel extremamente onerosas para a empresa e para o País, entre outros, são exemplos recentes desta ingerência maliciosa e destrutiva. 
Nós, os aposentados filiados à Petros, felizmente não fazemos parte deste projeto de poder doente e ganancioso. Ao contrário, somos tratados como se fôssemos um estorvo para os planos da Petrobras e do partido político no poder, e o sentimento que temos é de que não passamos de um passivo contábil nas contas da companhia. É enorme a nossa insegurança quanto ao nosso futuro quando lemos notícias publicadas pela imprensa dando conta de uma possível intenção de a Petrobras encerrar seu compromisso como patrocinadora da Fundação Petros. E também de alianças e parcerias da Petrobras e outras entidades estatais com empresários inescrupulosos, antes enaltecidos pelo partido no poder como sendo heróis nacionais, mas que agora mostram suas verdadeiras faces e encontram-se em dificuldades financeiras. Preocupam-nos os estranhos investimentos de alto risco feitos pelas administrações da Petros usando os recursos construídos com as nossas contribuições ao longo de uma vida inteira de trabalho. Dentre estes há os casos Lupatech, Itausa, e os investimentos na privatização do aeroporto de Guarulhos e na Usina de Belo Monte.
É triste e decepcionante ver profissionais que foram nossos contemporâneos usando voluntariamente, ou sendo instruídos a usar, as suas inteligências e capacidades criativas na concepção de artimanhas e truques salariais visando desrespeitar as determinações do artigo 41 do regulamento da Petros, e com isso achatarem os benefícios dos aposentados não repactuados. Estas manobras vêm sendo repetidas todos os anos, fazendo crescer o número de processos movidos contra a Petrobras nas áreas trabalhista e cível. A que ponto chegamos! A Petrobras, como que acometida de uma doença auto-imune, é agora nossa inimiga e tenta destruir parte de seu próprio corpo!
Com isto, a face que a Petrobras tem mostrado ultimamente a nós, aposentados, são as faces dos seus advogados exibindo as expressões neutras e impessoais daqueles que se desculpam e se justificam com o pensamento “estou apenas realizando o meu trabalho, para o qual eu sou pago”, como se não houvesse princípios e ética em sua profissão. Eles parecem não ter consciência de que são os agentes agressivos daquela doença auto-imune, pois são pagos com os nossos próprios recursos para negar os nossos direitos.
Eu fico perplexo quando comparo o comportamento frio e “profissional” destes rapazes engravatados com o que eu via nos colegas de minha geração, quando nós voluntariamente dobrávamos turnos de trabalho nas unidades-piloto do Cenpes, não por interesse em receber pagamento por horas extras, que na realidade nunca nos foram pagas, ou mesmo, na época do Decom, quando arriscávamos nossas vidas viajando, como pioneiros, para regiões politicamente instáveis, insalubres e conflagradas pelas guerras para  ampliar a ação comercial da companhia e adquirir petróleo e derivados. Tudo porque amávamos o que fazíamos e queríamos ver o nosso trabalho sendo realizado e bem sucedido. Eu me pergunto se a Petrobras teria crescido como cresceu se a sua alma, mente e coração fossem os destes moços “profissionais” de hoje e dos seus obedientes chefes.
Presidente Graça Foster, nós, os aposentados da Petrobras filiados à Petros, não queremos ser lembrados apenas a cada 60 anos ou em alguma data isolada. Nós existimos sempre, em todos os momentos, e embora não estejamos mais ativos na vida operacional diária da Petrobras, nós fazemos parte deste ser coletivo que esta empresa continua a ser. Nós somos parte da alma pura com que ele veio ao mundo e a memória viva dos momentos difíceis, das angústias e das glórias que ele teve de viver para chegar aonde chegou.
Nós, os não repactuados, preferimos ser lembrados com o respeito total aos termos e ao espírito do artigo 41 do regulamento da Petros. Isto significa parar com os achatamentos discriminatórios e sistemáticos dos nossos benefícios durante as negociações salariais, quando os aumentos reais concedidos ao pessoal da ativa são mascarados com manobras e camuflagens, como a adição de parcelas remuneratórias temporárias, às quais os aposentados não têm acesso, e com a criação de níveis, funções e regimes modelados para desvincular nossos benefícios dos salários atuais da empresa e, assim, burlar o artigo 41.
É inaceitável que o teto de benefício estabelecido no Artigo 41 ainda seja o benefício de um Superintendente Geral de Departamento. Este cargo, como a senhora sabe, foi extinto e substituído por outro cargo, o de Gerente Executivo, que tem nível salarial muito mais alto. Assim, o teto em vigor não tem mais qualquer significado como referência salarial do pessoal em atividade, sendo agora apenas um número vazio, sem vínculo com qualquer nível técnico ou administrativo da Petrobras. Continuar a usá-lo como limite dos benefícios dos aposentados é claramente uma ação destinada a desvincular estes benefícios dos salários e das carreiras dos profissionais em atividade na companhia, em flagrante violação dos termos, do espírito e do propósito do artigo 41 do Regulamento da Petros. Lembremos, senhora Presidente, que a Petros foi criada exatamente para garantir esta vinculação, que é um direito legalmente adquirido dos participantes assistidos não repactuados, como é o meu caso.
Preferimos ser lembrados com a Petrobras cumprindo integralmente o compromisso que assumiu como Patrocinadora, quando da criação da Petros, aportando todos os recursos que fossem necessários para evitar qualquer déficit atuarial nas contas do Fundo, e transferindo, para a Petros, os recursos para o pagamento da RMNR aos aposentados.
Preferimos ser lembrados com a senhora impedindo que a Petrobras e a Petros sejam manipuladas pelos interesses escusos de um sistema político corrupto dos pés à cabeça, e que as decisões sobre os investimentos envolvendo os recursos da Petros sejam tomadas sem a perniciosa influência político-partidária que tanto tem prejudicado a Petrobras como um todo. Como se sabe, a maioria dos membros do Conselho Deliberativo da Petros é nomeada pela Patrocinadora. Estes não têm oferecido resistência, por falta de vocação para reagir ou por falta de autonomia, contra a ingerência externa ao sistema que vem usando o patrimônio dos aposentados para o atendimento de compromissos assumidos pelos beneficiários do projeto de poder citado antes. Para tanto, é imperioso que o modelo de gestão do Fundo Petros seja alterado, de modo que os membros do seu Conselho Deliberativo eleitos pelos participantes possam ter real poder de bloquear negócios potencialmente perniciosos para o Fundo.
Preferimos ser lembrados com a Petrobras descontinuando o famigerado projeto de Separação de Massas, que oficializa a discriminação dentro da discriminação. Tal como uma arma apontada contra os não repactuados, em particular, e os participantes, em geral, este projeto é inquietante, destrutivo e ameaça a sobrevivência do Fundo Petros, pois parece ser uma etapa preparatória para a retirada da Petrobras do papel de sua Patrocinadora. Nós não permitiremos que a Petros seja transformada em um novo Aeros sem lutar. 
Presidente Graça Foster, eu espero que a sua administração reveja o relacionamento entre a Petrobras e os aposentados de forma tal que não tenhamos mais que temer pelo futuro de nossa Fundação Petros, e não precisemos mais recorrer à Justiça para ter os nossos direitos respeitados. Espero sinceramente que as camisas comemorativas sejam transformadas em símbolos vivos com o resgate da antiga alma da companhia, aquela mesma alma que respeitava os que fizeram a história desta empresa e criaram a força da cadeira hoje ocupada pela senhora.  Os mesmos que enfrentaram e venceram os interesses de muitos grupos, nacionais e internacionais, políticos e econômicos, que tentaram destruir a Petrobras. Se isto acontecer, esteja certa de que eu me lembrarei da senhora para sempre, com todo o respeito.

Atenciosamente,

Mauricio Ferreira – Matrícula 003992

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