Dilma, blogueiros e beijinho no ombro
Mas retornando à entrevista, elas são boas ou ruins pelo
que revelam, não pela forma como são feitas. Um indicador que permite avaliá-las
é a quantidade de chamadas e títulos que fornecem. Dilma ofereceu inúmeros e uma
delas foi obviamente a escolhida por todos os veículos da mídia corporativa: “a
regulação econômica da mídia será um tema do meu segundo governo”.
Mas Dilma também disse que “quando o sapato não cabe mais no pé, é hora de
trocar de sapato, porque de pé não dá pra trocar”, referindo-se à reforma
política. E defendeu que ela aconteça em plebiscito, porque acha que uma
constituinte exclusiva seria eleita a partir dos mesmos vícios que hoje levam a
alguns segmentos a ser sub-representados no parlamento.
Também falou que hoje o governo tem um sistema de monitoramento por câmeras
de hospitais e que isso lhe permite olhar como estão as coisas em alguns deles.
E revelou que recentemente viu uma moça esperando para ser atendida numa cadeira
de rodas por um bom tempo num corredor e ligou para a administração da unidade
para ver o que estava acontecendo. Isso é algo que mereceria uma investigação
jornalística. Será que esse tipo de ação pode vir a melhorar a gestão da saúde
no Brasil? Dilma comparou-a ao com o que foi feito no atendimento da Previdência
Social, que antes era um caos e melhorou significativamente entre o primeiro e o
segundo mandato do presidente Lula.
A presidenta, provocada, também concordou que precisa fazer mais política,
mas ao mesmo tempo disse que isso não resolve todo o problema. E lembrou a forma
como o seu recente discurso na ONU foi deturpado por boa parte da mídia
nacional.
Em resposta a minha pergunta sobre a desmilitarização da polícia, revelou
que ainda não conhece a proposta de PEC 51. Mas disse sem nenhuma cerimônia que
os autos de resistência são em geral utilizados para mascarar assassinatos
realizados por policiais. E sinalizou que pretende, se reeleita, agir em relação
ao sistema prisional. Neste tema, aliás, Dilma talvez devesse se sentar com
especialistas mais progressistas. Diferentemente dela, eles acham que o governo
federal pode ser muito mais atuante na área de segurança do que sinalizou. Ou
seja, não é suficiente unificar as ações policiais é preciso ir além e propor
uma reforma completa da arquitetura institucional o sistema de segurança pública
no Congresso. E essa questão não é cláusula pétrea.
Dilma também falou bastante sobre gargalos de logística do Brasil e de
obras que o seu governo vem realizando. Demonstrou um imenso conhecimento do que
vem sendo feito para melhorar a infraestrutura no Brasil e, como já desconfiava,
esse de fato é o tema preferido da presidenta. Dilma parecia se divertir quando
ficava, ao falar, viajando o Brasil citando cidades onde vem sendo realizadas
melhorias estruturais. Isso ficou claro antes mesmo da entrevista começar e do
áudio ser aberto para o público. A conversa começou pelo calor que fazia em
Brasília, passou pela São Paulo sem água de Alckmin e foi para as obras do São
Francisco. Os olhos de Dilma brilhavam ao falar da grandiosidade da ação que vem
sendo feita que no semi-árido nordestino. Ela contou com entusiasmo, por
exemplo, como a água desliza por gravidade em imensos deslocamentos. E mostrou,
comparando com o tamanho da sala onde estávamos, o tamanho das tubulações. Dilma
é apaixonada por infraestrutura.
A presidenta, porém, também mostrou muito mais conhecimento da área de
comunicação do que boa parte dos blogueiros imaginava que ela tinha. Discorreu
de forma clara sobre os problemas do setor no Brasil e defendeu a tese de que é
necessário uma regulamentação econômica do setor oferecendo vários exemplos
internacionais.
Na sua última resposta, Dilma concordou que o avanço da cidadania cultural
na classe C não ocorreu no mesmo ritmo do acesso ao consumo e disse que isso é
comum num país como o Brasil que “tem que resolver problemas do século XIX e ao
mesmo tempo atuar em questões do século XXI”.
Enfim, Dilma falou como poucas vezes na entrevista que concedeu para os
blogueiros. E falou de fato de forma amigável. Isso significa o quê? Só
jornalistas com carteirinhas de veículos que recebem muito mais financiamento do
governo do que todos os blogues do mundo juntos têm o direito de fazer
perguntas? Autoridades que se abrem ao diálogo para além da mídia tradicional
cometem algum crime de lesa pátria?
A presidenta, aliás, deveria passar a fazer rodas de conversas ao vivo pela
internet não apenas com blogueiros, mas com representantes de diversos outros
setores. Não há porque se manter refém apenas das versões das organizações
midiáticas. O momento permite ignorar os mediadores. E da forma como Dilma se
mostrou tranquila e preparada, suas conversas fariam grande sucesso.
Ontem a blogosfera escreveu mais um parágrafo neste episódio da
democratização das comunicações no Brasil. E Dilma também. Ao abrir as portas do
Alvorada para receber seis blogueiros e duas blogueiras do chamado grupo
progressista, mostrou que está disposta a iniciar uma nova fase neste campo.
Tomara que esse tipo de iniciativa ganhe corpo e influencie outros governantes
Brasil afora.
E para aqueles que não gostam disso, fica o nosso carinhoso beijinho no
ombro.
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