Nos Estados Unidos, a arte de esfolar os pobres
A VOLTA DA USURA NUMA SOCIEDADE GANGRENADA PELO CRÉDITO
Nos Estados Unidos, a arte de esfolar os pobres
A dívida
contraída pelos estudantes norte-americanos atingiu US$ 1,2 trilhão em
2014. Diante das dificuldades dos clientes em fazer os reembolsos, os
bancos aumentam as multas e... os lucros. Ao mesmo tempo, eles se
recusam a abrir agências em bairros empobrecidos.
por Maxime Robin
No balcão de um
check casher, ao longo da Broadway, uma artéria do Brooklyn Central
sombreada pelo metrô aéreo de Nova York, Carlos Rivera pede mais prazo.
“No tengo los 10 pesos”, diz à funcionária atrás do vidro. No Brooklyn,
essas lojas estão por toda parte: as páginas amarelas registram 236. São
reconhecidas pelas fachadas coloridas e decrépitas, por seus letreiros
em neon, pelo símbolo do dólar e pela palavra cash nas vitrines. Além de
transferências de dinheiro vivo, descontam cheques cruzados de
moradores que não têm conta bancária: o montante é convertido em espécie
mediante comissão (cerca de 2% para US$ 100, mais taxas). As lojas
oferecem também empréstimos a curtíssimo prazo com juros altíssimos.
Em escala
nacional, esses milhares de muquifos formam uma indústria financeira
poderosa, multiforme, designada pelo termo genérico predatory lenders ou
“emprestadores vorazes”, nome devido a um modelo comercial agressivo: o
devedor jamais se safa, pois frequentemente tem de pagar um empréstimo
anterior com um novo.
Mais caixas que no McDonald’s
Apesar de seu
sucesso fulgurante, esses prestamistas sem escrúpulos não são vistos com
bons olhos no país. Os estados tentam de todos os modos regulamentar
suas atividades. O produto financeiro mais devastador é proibido no
estado de Nova York, mas legal na Califórnia: trata-se do payday loan,
“empréstimo consignado”, isto é, de ultracurto prazo (quinze dias no
máximo), que se liquida no dia do recebimento do salário com juros
extorsivos. Um cliente pode, assim, obter um empréstimo de US$ 300, que
reembolsará no valor de US$ 346.
Essa indústria,
que há duas décadas não existia, teve um lucro de US$ 46 bilhões em
2014. Há hoje nos Estados Unidos mais check cashers do que McDonald’s e
Starbucks juntos. O Center for Responsible Lending ( Centro para o
Empréstimo Responsável [CRL] ), encarregado de documentar seus abusos,
estimava, quando foi criado, em 2002, que o lucro total desses
empréstimos chegava a US$ 9,1 bilhões em juros dos mais variados tipos e
em execuções de penhora no caso de insolvência. Treze anos depois, ele
se declara incapaz de calcular o impacto do negócio: “O total alcança
centenas de bilhões de dólares”, informou o Centro, alarmado, em junho.
“Isso afunda a vida de milhões de norte-americanos, mas também a do país
como um todo.” (1)
Um pobre nos Estados Unidos já paga muito por qualquer coisa: prestações, alimentação, seguros (2). O conceito de poverty penalty
( punição da pobreza ) não é novo: David Caplovitz elaborou essa teoria
em 1967 num texto de sociologia que se tornou clássico, The Poor Pay
More (3) Sua análise continua pertinente. “Os pobres pagam mais por um
litro de leite e por moradias de qualidade inferior”, denunciava em 2009
Earl Blumenauer, deputado democrata pelo Oregon. Os 37 milhões de
norte-americanos que vivem abaixo do limite de pobreza e os outros 100
milhões que se debatem para integrar a classe média “pagam por aquilo
que a burguesia considera um direito”(4).
Apenas um
exemplo: segundo um relatório da Consumer Federation for America, a
associação dos consumidores local, as tabelas das principais companhias
de seguros de automóveis dão mais importância ao nível de estudos e à
situação profissional dos clientes do que à confiabilidade de sua
condução. Em dois terços dos casos examinados, “os bons motoristas
pobres pagam mais [ cerca de 25% ] do que os ricos que já provocaram
acidentes” (5). “É preciso ser rico para levar vida de pobre”, ironizou o
Washington Post, (6) catalogando as pequenas coisas da vida que
castigam os trabalhadores sem dinheiro: tempo perdido nos transportes,
filas de espera de todos os tipos para serviços de qualidade inferior
etc. Não há tempo para o lazer nem direito ao erro.
Essas vidas de
marionete assumem por vezes um contorno trágico, como a de Maria
Fernandes, morta em setembro de 2014 dentro de seu carro num
estacionamento de Nova Jersey. Funcionária havia quatro anos da rede de
lanchonetes Dunkin’ Donuts, a mulher de 32 anos acumulava três turnos (
tarde, noite e fim de semana ) em três estabelecimentos diferentes para
garantir a educação da filha e ganhar o salário mínimo então em vigor no
estado de Nova Jersey: US$ 8,25 por hora. Alugava, por US$ 550, um
apartamento mobiliado onde raramente dormia. Descansava dentro do carro
mesmo, com o motor e o ar-condicionado ligados para refrescar o
habitáculo, onde guardava uma lata de gasolina no banco traseiro. A lata
virou acidentalmente durante um de seus cochilos, espalhando emanações
tóxicas que a asfixiaram. Um porta-voz da Dunkin’ Donuts prestou-lhe
homenagem num comunicado em que a chamava de “funcionária-modelo” (7).
Voltemos ao
check casherdo Brooklyn. A moça do guichê propôs um acordo a Carlos: ele
poderia saldar sua dívida no dia seguinte. Tratava-o pelo primeiro
nome: ele era, portanto, um cliente habitual. Aliviado, ele deu um
telefonema, prometeu em inglês que não deixaria de pagar e saiu
empurrando um carrinho de supermercado pelas ruas. Encheu-o de garrafas
para reciclagem; os supermercados da área lhe pagavam 10 centavos por
unidade. Vivia também de bicos “na construção”. Tivera conta num banco,
mas já nem se lembrava de quando fora isso.
Os
estabelecimentos financeiros instalam menos agências nos bairros de
baixa renda. A área definida pelo código postal de Rivera, Stuyvesant
Heights, tem apenas duas para 85 mil habitantes: um deserto bancário,
igual a outros 650 país afora.8 Num paradoxo vertiginoso, Stuyvesant
Heights se situa a apenas dez estações de metrô de Wall Street, o centro
nevrálgico das finanças mundiais. “Não é vantajoso, para os bancos,
abrir agências em bairros desfavorecidos”, explica Lisa Servon,
professora de políticas urbanas na New School de Nova York. “Ali, os
moradores são mais um fardo que uma fonte de lucros. Não depositam
dinheiro e passam tempo demais no guichê. Os bancos querem o inverso:
clientes que eles não veem nunca e que fazem depósitos.”
Os check
cashers substituíram então os bancos nos bairros pobres, adotando um
modelo econômico baseado na familiaridade, na diversificação de serviços
( venda de cartões para celulares pré-pagos, loterias... ) e em
porcentagens cobradas a cada transação. “Os bancos querem um só cliente
rico com US$ 1 milhão; nós queremos 1 milhão de clientes pobres com um
dólar”, resume sem rodeios Joe Coleman, presidente da RiteCheck,
importante rede com doze lojas no Bronx e no Harlem (9). Para os pobres,
esses estabelecimentos são o último recurso antes dos empréstimos
informais de rua, com seus riscos e desvantagens, fora do esquema legal,
junto aos loan sharks (agiotas). Estes, ligados à pequena ou grande
criminalidade, recorrem à violência para recuperar as somas emprestadas,
sobrecarregadas de juros.
Servon nota
igualmente que as comunidades de imigrantes de Nova York, em particular
as hispânicas, mas também as senegalesas e árabes, importaram um método
informal de microcrédito com taxa zero. O princípio é simples: várias
pessoas investem uma pequena quantia numa conta comum. “Toda semana,
segundo um sistema rotativo, um investidor diferente fica com o total”,
explica a professora, que estuda esses círculos de crédito alternativos
sem poder ainda avaliar seu número ou seu peso econômico.
Se os pobres
não atraem o Chase ou o Bank of America, a recíproca também é
verdadeira, segundo os trabalhos de Servon. “Os pobres preferem os check
cashersporque pagariam ainda mais aos bancos em custos operacionais e
ágio”, explica. Os bancos são mais gulosos e não concedem créditos
pequenos a curto prazo, convenientes aos pobres. Cada estabelecimento
dispõe de um arsenal médio de 49 sanções possíveis para as contas
correntes: ultrapassar, mesmo que pouco, o limite autorizado pode
acarretar penalidades sem fim. Conforme as estatísticas obtidas junto
aos dez maiores bancos norte-americanos pela Federal Deposit Insurance
Corporation – o organismo que garante os bancos –, metade dos saques sem
fundos é provocada por despesas inferiores a US$ 36. Se esses saques
forem considerados empréstimos a curto prazo, os juros chegarão a taxas
que mal se podem imaginar: 5.000% ao ano.
Em 2011, os
bancos dos Estados Unidos tiveram um lucro de US$ 38 bilhões apenas com
ágio (10). “Eles estão ficando cada vez mais caros”, comenta Servon. “A
instabilidade financeira dos norte-americanos aumentou e suas rendas se
tornaram voláteis. As pessoas acumulam empregos, tentam arranjar tempo
de qualquer jeito. Seus holerites não chegam com o mesmo valor ao fim de
cada mês. Não têm poupança. Não têm dinheiro. Ficam no vermelho
regularmente e as multas se acumulam.” Não é raro encontrar quem, com
salário estável antes da crise, agora trabalhe em dois empregos de meio
expediente, remunerados por hora. Os gastos com saúde, educação e creche
explodiram, e “os empregadores já não oferecem vantagens sociais,
enquanto as despesas aumentaram. Não há margem de erro... Aí é que está o
problema”.
Um
norte-americano comum é um endividado que paga suas contas pontualmente.
Longe dos radares do sistema bancário, perto de 10 milhões de lares não
dispõem de um instrumento essencial para gozar de status social nos
Estados Unidos: o credit score (cota de crédito). Esse número de três
algarismos começa geralmente em 300 (bastante medíocre) e se estabiliza
em 850 (muito bom), com variantes que vão de 100 a 990, conforme o
estabelecimento. É uma identificação pessoal tão importante quanto o
número do seguro social. Desconhecida fora dos Estados Unidos, a cota de
crédito condiciona a vida inteira de um cidadão norte-americano. Ela
atesta se a pessoa paga suas contas em dia e é suficientemente digna de
confiança para contrair empréstimos.
De início usado
pelos bancos para empréstimos imobiliários, a cota de crédito pode ser
consultada por lojas, seguradoras, donos de imóveis para alugar ou por
um empregador em potencial. Uma boa cota é motivo de orgulho. Ela se
imiscui até nos sites de encontros pela internet, permitindo julgar se a
situação financeira do pretendente é saudável o bastante para que valha
a pena conversar com ele (11). Uma fatura em atraso afeta-a
imediatamente; se os problemas se acumulam, ela vai por água abaixo e os
bancos se dão o direito de aumentar seus juros.
O pior é a
exclusão bancária para quem não conseguiu perfazer uma “cota de
solvência”: ele fica então com um “crédito invisível”. As portas se
fecham; a vida se torna mais cara e complicada. Segundo um relatório do
Consumer Financial Protection Bureau ( Agência de Proteção Financeira do
Consumidor ), 30% da população dos bairros de baixa renda está excluída
do crédito. Essa marca de infâmia afeta principalmente negros e
hispânicos: 15%, contra 9% de brancos e asiáticos (12).
Enquanto a
Europa privilegia a poupança, a sociedade norte-americana estimula
vigorosamente o crédito (13). O endividamento das famílias aumenta a
olhos vistos. Não ter dívidas é sinal de má situação financeira. Hoje,
cada família possui em média oito cartões de crédito e, segundo o Urban
Institute, seus gastos se elevam a US$ 15 mil.
Um fato
ocorrido no final dos anos 1980 abalou, sem fazer muito alarde, as
estruturas econômicas antigas (14): a desregulamentação da taxa de
usura, ou seja, a eliminação do teto máximo de juros bancários. Isso
permitiu a um grande número de norte-americanos o acesso ao empréstimo;
em contrapartida, os bancos obtiveram o direito de fixar as taxas de
juros dentro de uma opacidade quase total. O número de falências
individuais cresceu astronomicamente e o crédito ao consumidor atingiu
níveis jamais vistos desde a Grande Depressão. “É a única indústria
capaz de agir assim”, (15) insurgiu-se em 2004 Elizabeth Warren, membro
da ala esquerda do Partido Democrata que durante toda a sua carreira
denunciou os abusos das empresas de crédito. Ela inspirou em 2010,
depois da crise, a criação da Agência de Proteção Financeira do
Consumidor, um órgão federal. Durante muito tempo, foi professora de
direito financeiro em Harvard. Para ilustrar a opacidade da indústria
bancária, Elizabeth se declara incapaz, ela própria, de calcular os
juros dos empréstimos que contraiu.
Dívidas para garantir a sobrevivência
Os membros da
classe média e os que trabalham para um dia pertencer a ela continuam
sendo a principal fonte de lucros dos bancos, em virtude das
dificuldades que encontram para pagar seus empréstimos e das multas que
se acumulam. Para Warren, são eles que carregam nos ombros a indústria
do crédito: “As pessoas em má situação, à beira da falência, que só
podem pagar o mínimo da fatura, que pagam com atraso, que passam de vez
em quando um cheque sem fundos, que vez por outra não saldam uma
dívida...” (16).
No Oregon, a
enfermeira Claire Shrout, casada e mãe de dois filhos, pertence a essa
categoria. Um contratempo desarranjou sua vida familiar: o câncer do
marido, quando ela estava grávida do segundo filho. “Quando dei à luz,
meu marido acabara de fazer sua quimioterapia”, conta. Claire nunca
conseguiu poupar e fazer um fundo de reserva por causa dos empréstimos
contraídos durante seus anos de estudo: “Milhares de dólares, todos os
meses, desapareciam com o pagamento de faturas”. O marido precisou
deixar o emprego por causa da doença e ela fez o mesmo durante quatro
meses. “Sem renda, tivemos de pedir empréstimos para pagar as despesas
médicas e sobreviver. A fim de pagar o primeiro, pedimos um segundo. A
fim de pagar o segundo, pedimos um terceiro... Assim começaram os
aborrecimentos. E tudo isso só para continuar vivos.” Doença do cônjuge,
correia de transmissão do carro que se solta, empréstimo de juventude
que não se paga nunca: a perspectiva de falência pessoal é cada vez
menos abstrata, mesmo no seio da classe média.
Para a
indústria do crédito, os Shrout são os clientes perfeitos. Ela obteve
seu diploma na Universidade do Oregon em meados dos anos 1990. O preço
do curso foi “bastante módico, sobretudo se comparado ao de hoje”. No
primeiro dia, espalhadas pelo campus, havia grandes tendas onde, num
clima de festa, se ofereciam aos alunos cartões de crédito. “Os
vendedores eram jovens como nós, vestiam camisetas coloridas. Quem
ficava com um cartão ganhava um almoço grátis ou um frisbee. Uma
idiotice, mas quando se tem 17 anos é uma maravilha. Dizemos a nós
mesmos que poderemos fazer o que quisermos com um simples toque no
teclado: mais tarde, ganharemos o suficiente para pagar...” Em quatro
anos de curso, ela solicitou cinco cartões diferentes. “Era uma maneira
de resolver os problemas.” Quando se casou, aos 28 anos, ganhava US$ 25
mil por ano, mas devia US$ 13 mil; seu marido, US$ 8 mil.
Os pais dela
fizeram seus estudos no Boston College, “mas nenhum pediu empréstimo
para pagá-los, como é regra atualmente”. No caso do pai, um emprego num
posto de gasolina mais a bolsa bastaram. Em 2015, um ano de estudos no
Boston College custa US$ 48.540 – US$ 62.820 com alojamento no campus,
conforme a localização do estabelecimento.
As famílias
norte-americanas não fazem dívidas para ter uma piscina ou um 4×4, mas
para garantir o essencial: casa, saúde, carro, educação, seguros. “Em
outros países mais bem organizados, as pessoas não pagam pela saúde ou
pela educação”, suspira com inveja Shrout. “Se eu fosse mãe na Suécia,
nossa história seria bem diferente. Teria tido mais de dez dias de
licença-maternidade. Não quero acusar a sociedade ou as empresas de
crédito, pois a culpa também é minha. Mas, nos Estados Unidos, os jovens
contraem mais dívidas do que em qualquer outra parte. Ficam entregues a
si mesmos, o que é uma porta aberta para situações dramáticas. O
sistema todo se torna predador.”
As dívidas do
senhor Rivera ou da senhora Shrout são apenas pequenos córregos. Na
escala nacional, formam o rio gigantesco dos empréstimos que engrossou
22% nos últimos três anos. Em 2014, o crédito ao consumidor atingiu um
pico histórico de US$ 3,2 trilhões...
1
“The cumulative costs of predatory practices” [Os custos acumulados de
práticas predatórias], Center of Responsible Lending, Durham, jun. 2015.
2 Ver Serge
Halimi, “Pauvreté à américaine dans l’autre Californie” [Pobreza à
americana na outra Califórnia], Le Monde diplomatique, set. 1988.
3 David
Caplovitz, The Poor Pay More: Consumer Practices of Low-Income Families
[Os pobres pagam mais: práticas de consumo das famílias de baixa renda],
Free Press, Nova York, 1967.
4 DeNeen L.
Brown, “The high cost of poverty: Why the poor pay more” [O alto custo
da pobreza: por que os pobres pagam mais], The Washington Post, 18 maio
2009.
5
“Largest auto insurers frequently charge higher premiums to safe drivers
than to those responsible for acidentes” [As grandes companhias de
seguros de automóveis frequentemente cobram mais dos bons motoristas do
que daqueles que provocaram acidentes], Consumer Federation of America,
Washington, 28 jan. 2013.
6 DeNeen L. Brown, op. cit.
7 Rachel L.
Swarns, “For a worker with little time between 3 jobs, a nap has fatal
consequences” [Para uma trabalhadora com pouco tempo livre entre três
empregos, um cochilo tem consequências fatais], The New York Times, 28
set. 2014.
8 Russell D.
Kashian, Ran Tao e Claudia Perez-Valdez, “Banking the unbanked: Bank
deserts in the United States” [Bancos para quem não tem banco: desertos
bancários nos Estados Unidos], Universidade de Wisconsin, Madison, 2015.
9 Lisa
Servon, “The high cost, for the poor, of using a bank” [O alto custo,
para os pobres, do uso de um banco], The New Yorker, 9 out. 2013.
10
“Graphic: Checking account risks at a glance” [Gráfico: visão
rápida dos riscos de uma conta-corrente], The Pew Charitable Trust,
Filadélfia, 2011.
11 “Where Good Credit Is Sexy!!” [ Onde ter crédito é sexy!! ]. Disponível em: .
12
“Data point: credit invisibles” [Ponto de dados: créditos
invisíveis], Consumer Finance Protection Bureau, maio 2015. Disponível
em: .
13
Ver Christopher Newfield, “La dette étudiante, une bombe à
retardement” [A dívida estudantil, uma bomba de efeito retardado], Le
Monde diplomatique, set. 2012.
14
As leis de usura norte-americanas derivam da common law inglesa.
Cf. Steven Mercatante, “The deregulation of usury ceilings, rise of easy
credit, and increasing consumer debt” [ Desregulamentação dos tetos de
usura, ascensão do crédito fácil e aumento crescente da dívida dos
consumidores ], South Dakota Law Review, Vermillion, 2008.
15 “Frontline”, PBS, 23 nov. 2004.
16 Ibidem.
Maxime Robin
Jornalista
Ilustração: Internet, não ilustra o texto original
NADANDO EM PRIVILÉGIOS
Em 5 de junho
de 2015, em McKinney, no subúrbio de Dallas ( Texas ), um policial
branco foi filmado enquanto maltratava adolescentes negros em trajes de
banho. Vemos o agente perder a cabeça, apontar a arma, empurrar e
imobilizar uma garota de 15 anos de biquíni. Os jovens tinham ido
comemorar um aniversário à beira da piscina do Craig Ranch, uma gated
community ( condomínio fechado ). Muitos eram negros e nem todos tinham o
direito de estar lá. Num contexto nacional de brutalidades policiais em
série, o vídeo amador provocou um escândalo. Na revista mensal The
Atlantic, o historiador e jornalista Yoni Applebaum analisa o incidente
de um ponto de vista racial e histórico. Observa aí o resultado da
privatização de serviços públicos para afastar grupos indesejáveis – no
caso, os negros. “Antes de 1950”, lembra, “os norte-americanos nadavam
nas piscinas municipais tão frequentemente quanto iam ao cinema. Havia
poucos clubes de natação, e as raras piscinas particulares eram sinal de
grande riqueza.” Meio século depois, “o número de piscinas particulares
nos Estados Unidos passou de 2.300 para mais de 4 milhões” (1). Para
mergulhar nelas, é preciso morar em certos bairros ou se tornar sócio de
um clube. Applebaum se apoia no historiador Jeff Wiltse para afirmar
que a luta pelos direitos civis está diretamente na origem desse
processo: “Muitos brancos abandonaram as piscinas públicas após o fim da
segregação, mas não deixaram de nadar. Construíram suas próprias
piscinas, em casa ou em clubes náuticos, de modo a poder controlar a
classe social e a cor da pele dos banhistas” (2).
Essa evolução
não diz respeito só às piscinas. O oximoro “espaços públicos de
propriedade privada” define todo espaço cujo acesso é estritamente
regulamentado pelas empresas proprietárias ou por quem de direito. Esse
fenômeno se multiplicou e compreende hoje parques e algumas praias ou
beiras de lagos.
Michael Sandel,
professor de direito em Harvard, debruçou-se sobre a economia dos
“salvo-condutos” vendidos às pessoas e que valem em praticamente todas
as ocasiões (3). “Nunca tivemos realmente um debate sobre esse assunto”,
observa. “Até onde deixaremos agir o mercado? Em que medida ele serve
ao bem público e a partir de que ponto o prejudica?” Hoje, pode-se pagar
para furar a fila em inúmeros lugares, como parques de diversões. Nas
estradas de Minneapolis, Seattle, San Diego e outras metrópoles
congestionadas dos Estados Unidos, podemos comprar o acesso à via rápida
com tarifas que variam conforme o grau do engarrafamento. A
possibilidade de adquirir privilégios estendeu-se até mesmo... às
prisões: no condado de Santa Barbara, Califórnia, um detento pode
conseguir uma cela mais confortável pagando US$ 90 por noite. Sandel
menciona também novas maneiras de ganhar dinheiro: servir de cobaia
humana para a indústria farmacêutica ( por volta de US$ 7,5 mil, às
vezes mais, se o tratamento for perigoso ou complicações puderem ocorrer
) ou alugar seus serviços a empresas que aliciam mercenários para lutar
no Oriente Médio ( US$ 1 mil por dia ).
A demonstração
assume novos contornos quando, nesse inventário da mercantilização
pós-moderna, o jurista descobre uma transação que subverte o ideal
democrático norte-americano. Ela ocorre diariamente no Capitólio de
Washington. As reuniões do Congresso são públicas, mas a fila para
assistir a elas é interminável, para grande frustração dos lobistas.
Assim, empresas recrutam pessoas para ficar na fila em seu lugar,
mediante pagamento. Esses indivíduos, afirma Sandel, são na maioria
gente sem domicílio fixo. “No entanto”, lamenta, “todos deveriam ter
livre acesso às instituições.”
O valor que a
sociedade de mercado coloca mais em perigo, segundo Sandel, é a
communality, o senso de vida coletiva. Ele próprio foi criado em
Minneapolis em meados da década de 1960 e era torcedor dos Twins, a
equipe de beisebol da cidade. No estádio, todos os lugares custavam
quase o mesmo: US$ 3,50 para a tribuna de honra, US$ 1 para as
arquibancadas. “Patrões e empregados faziam fila para comer os mesmos
cachorros-quentes e beber as mesmas cervejas sem espuma. Quando chovia,
todos se molhavam... Isso acabou. Se você for a um estádio hoje, verá
espaços reservados, envidraçados, onde a elite se isola do resto do
mundo. Já não há mistura de classes. Já não há fila única para os
banheiros. Se chove, nem todos se molham.” (4). Cada vez mais,
acrescenta, ricos e pobres “vivem vidas separadas, vão à escola e
passeiam sem se cruzar”. Os tobogãs da piscina de McKinney são
testemunhas dessa transformação social. A cidade tem três piscinas
públicas, todas no lado onde se concentra a baixa renda. Nos bairros
prósperos, as piscinas são particulares ou semiparticulares, com acesso
exclusivo e controlado. No caso do Craig Ranch, cada condômino tem
direito a um número de lugares limitado, que distribui a seu gosto.
A piscina onde
nadavam os adolescentes que foram comemorar o aniversário em McKinney
não era pública, mas reservada aos moradores de um bairro social e
racialmente muito homogêneo. Esses moradores eram donos de um antigo bem
comum que se tornara privilégio deles. (M.R.)
1
“McKinney, Texas, and the racial history of American swimming pools”
[McKinney, Texas, e a história racial das piscinas norte-americanas],
The Atlantic, Washington, 8 jun. 2015.
2 Jeff
Wiltse, Contested Waters: A Social History of Swimming Pools in America
[Águas contestadas: uma história social das piscinas na América], The
University of North Carolina Press, Chapel Hill, 2010.
3 Michael J.
Sandel, What Money Can’t Buy: The Moral Limits of Markets [O que o
dinheiro não pode comprar: os limites morais dos mercados], Farrar,
Straus and Giroux, Nova York, 2013.
4 Ver Richard A. Keiser, “Sportifs de salon” [Esportistas de salão], Le Monde diplomatique, jul. 2008.
Do blog Correio da Elite.

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