terça-feira, 1 de dezembro de 2015

ECONOMIA - "Sem dinheiro, não há Suiça".

Em livro, jornalistas franceses relatam bastidores do escândalo econômico 'SwissLeaks'


“Sem dinheiro, não há Suíça”, escreveu o poeta francês Jean Racine em 1669. Passaram-se séculos e o pequeno país europeu manteve seu status de paraíso fiscal até fevereiro de 2015. A tempestade teve nome e sobrenome: Gérard Davet e Fabrice Lhomme, dois jornalistas investigativos do jornal francês Le Monde que vazaram – em coordenação com repórteres do mundo inteiro – um esquema de sonegação fiscal envolvendo a filial suíça do banco HSBC, também conhecido como “SwissLeaks”.
A reportagem é de Patrícia Dichtchekenian, publicada por Opera Mundi, 29-11-2015. 
“Foi a primeira vez que nós conseguimos uma prova de que o HSBC, um dos maiores bancos do mundo, havia comandado de fato um esquema de fraude em escala mundial”, afirma Davet, em entrevista por telefone a Opera Mundi.
O resultado é o livro “SwissLeaks – Revelações sobre a fraude fiscal do século”, cuja tradução é lançada neste fim de semana no Brasil pela editora Estação Liberdade. Em 240 páginas, Davet e Lhomme relatam com detalhes o funcionamento interno da corporação, em uma mistura de manual de jornalismo investigativo e romance de espionagem, que explica de forma didática o processo de criação de um furo jornalístico.
“Este livro quer contar duas coisas: de imediato, relatar como é feito um trabalho sobre um escândalo econômico e como verificar essas informações. Mas também apontar quais são os deveres do jornalista: por meio deste livro, nós relatamos nossa experiência e como nós trabalhamos com nossos erros e conquistas. Enfim, tentamos descrever uma história incrível”, explica o jornalista francês.
Neste caso, o furo envolvia 180 milhões de euros de origem suspeita que haviam sido movimentados a partir de 106 mil contas de clientes de 203 países – incluindo mais de 8.500 brasileiros – entre 2006 e 2007. Embora a possibilidade de ter uma conta em um banco suíço não seja, em si, uma atividade ilícita, em muitos dos casos relatados esses valores movimentados não tinham sido declarados formalmente aos órgãos de Receita dos respectivos países.
Além disso, a filial suíça do HSBC ofereceu serviços a clientes que tinham nomes sujos e reputação duvidosa em arquivos da ONU (Organização das Nações Unidas), em documentos judiciais e nos meios de comunicação, além de estarem ligados a governos autoritários, vinculados a tráfico de armas e de diamantes e relacionados a uma série de outros crimes internacionais.
“É evidentemente importante designar o nome da pessoa que está implicada no escândalo. Muitas esconderam dinheiro na Suíça e não declararam, cometendo um ato proibido pela lei. Meu trabalho foi dizer voilà foi isso que aconteceu, voilà a quantidade de dinheiro e voilà quem são as pessoas envolvidas. Muitos nos criticam por isso, mas voilà: esse é nosso trabalho como jornalistas”, explicou.
Segundo Davet, havia ao menos oito pessoas envolvidas no processo de investigação da “chave” do escândalo e elas são paulatinamente apresentadas na publicação à semelhança de uma trama policial. “Esse livro é construído graças a essas oito pessoas fundamentais: elas não são jornalistas, mas vêm de diferentes dimensões. E nós queríamos fazer uma homenagem a todos aqueles que ajudam os jornalistas a fazerem seus trabalhos corretamente”.
A tradução brasileira, entretanto, ocultou um dos grandes charmes da versão original. O título francês presta homenagem ao principal símbolo da investigação: La Clef (“a chave”) – o pequeno pen drive que continha a lista completa das dezenas de milhares de contas suspeitas.
Para sair do impasse da tarefa colossal de se debruçar sobre todo seu conteúdo, a diretoria do Le Monde sugeriu recorrer ao ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), o que gerou a mobilização de mais de 150 profissionais de imprensa de quase 50 países para participar do processo de apuração, principalmente dos nomes que envolvem suas nações de origem.
A princípio – admite Davet – não foi uma tarefa fácil repartir o precioso pão, dado que furos são a principal obsessão de jornalistas investigativos e a análise de seu conteúdo, sua joie de vivre (alegria de viver). Contudo, o coautor garante que, sem dúvidas, esta foi a melhor saída.
“De fato, nós não tivemos escolha. Imagine que alguém chegasse na sua redação com nomes de milhares de pessoas no mundo. Nós tentamos trabalhar juntos e fazer isso sozinhos, mas percebemos que seria impossível. Eu e Fabrice tínhamos as informações que ninguém tinha acesso. Mas não sabíamos especificamente quais os nomes das pessoas dos outros países que deveríamos divulgar para atender ao interesse público”, pontua.
“Corremos um risco, mas simplesmente não podíamos privar jornalistas de outros países de terem acesso a essas informações. A melhor solução seria partilhá-las”, conta. “Hoje, é uma tendência: muitos jornais percebem que trabalhar sozinho é muito difícil: há três ou quatro organizações internacionais de jornalistas investigativos que trabalham juntos e é muito importante trabalhar assim quando se tem um escândalo de ordem mundial e de potencial midiático”, acrescenta.
Como consequência de todo escândalo político e econômico, os riscos de processo judicial e de perigos de vida tornam-se cotidiano de Davet e Lhomme. “Nós temos proteção policial todo dia e recebemos ameaças diárias. Mas, francamente, nós devemos continuar o nosso trabalho”, insiste o jornalista.
Segundo Davet, as consequências do escândalo foram nefastas para sua vida pessoal, mas os ganhos se sobrepõem: desde a divulgação do “SwissLeaks”, países como França e Inglaterra passaram a reformar suas respectivas legislações, favorecendo a abertura de dados de contas suspeitas a autoridades internacionais.
Serviço:
'SwissLeaks - Revelações sobre a fraude fiscal do século'
Editora: Estação Liberdade
Autores: Gérard Davet e Fabrice Lhomme
Valor: R$ 39,90
Formato: 240 páginas

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