A estranha morte do "desregulamentador"
Um website muito popular em Washington, Politico.com, anunciou num artigo ilustrado por Matt Wuerker, seu cartunista exclusivo, "o falecimento na semana passada, devido a complicações causadas por uma desintegração econômica", da palavra "desregulamentador". Acrescentou que, "embora sua idade exata não seja conhecida, acredita-se que tinha uns 45 anos".
No cartum, um velho conservador (o topete lembra Ronald Reagan), com um guarda-chuva aberto na mão direita por causa do temporal e um lenço na esquerda para receber as lágrimas derramdas pela morte do coitado, acaba de colocar flores no túmulo, onde estão gravadas as palavras "R. I. P. - `Deregulator' - 1974-2008". Ou, "Descanse em Paz - `Desregulamentador'" e os anos de nascimento e morte.
O desenho é engraçado, o artigo nem tanto. É que o Politico.com preocupa-se excessivamente em parecer neutro. Mas é sintomático que atribua aos democratas o "desejo de matar" a própria idéia da desregulamentação e cite o lamento do ex-lider de Bush na Câmara, Tom DeLay, escorraçado por corrupção em 2006. Ele reconheceu: "Os republicanos já estão correndo para as montanhas".
papel de cada presidente
DeLay disse "hills" (colinas), mas como "Hill" é também o prédio do Congresso, preferi a imagem da fuga para as montanhas. Achei sugestivo o artigo deixar claro que "desregulamentação" ("deregulation", para eles) também tem a ver com "privatização" e "desestatização". O fato é que durante anos os republicanos abraçaram esses conceitos, junto com o da "redução do tamanho do Estado", etc.
O enterro é disso tudo, mas a posição do Politico.com, meio ortodoxo, não vai tão longe. Mais curiosa é a afirmação de que, segundo o professor de história Mark Rose, da Florida Atlantic University, a palavra "deregulation" entrou para o vernáculo no governo Eisenhower (1953-1961), ganhou popularidade no de Gerald Ford (1974-77) e entrou na moda no de Jimmy Carter (1977-81).
O impacto real, na verdade, foi no período Reagan-Bush (1981-93), a partir do discurso de posse do presidente Reagan - aquele no qual declarou: "o governo não é a solução do nosso problema; o governo é o problema". Encerrado aquele período melancólico de três mandatos, o democrata Bill Clinton ainda declarou (em 1996), na mesma linha de Reagan e Bush, o fim da era do "big government".
Sarah Palin e o estupro
Nem tudo é charme na campanha de Sarah Palin. Uma questão que inevitavelmente terá de aparecer esta noite, no debate dos candidatos a vice, será o fato de que, no período em que ela esteve à frente da prefeitura da cidade de Wasilia, as mulheres vítimas de estupro eram forçadas a pagar pelos exames onerosos a que se submetiam durante a investigação do caso - o que a polícia não fazia com vítimas de outros crimes.
Claro que tal cobrança leva vítimas a desistirem - e estupradores a ficarem impunes. O Legislativo do Alasca aprovara lei em 2000 isentando as vítimas da cobrança. Considerava que exigir o pagamento era um constrangimento a mais para as vítimas, que em geral já ficam em situação vulnerável e tendem a evitar a própria exposição durante a ação criminal contra o estuprador. O então governador Tony Knowles não hesitara em sancionar a lei.
Mesmo assim, durante o mandato de Palin como prefeita prevalecia a cobrança às vítimas - e o chefe de polícia dela, Charlie Fannon, chegou a defender publicamente a prática, a pretexto de que não era justo impor o ônus ao contribuinte - argumento meramente pecuniário. Aliás, aquele gasto, mesmo para uma prefeitura pequena como a de Wasilia, era ridículo: de US$ 5 mil e US$ 14 mil por ano.
Uma evangélica extremista?
Uma suspeita é de que a opção da evangélica Palin como "pro-life" (pró-vida, em oposição a "pro-choice", pró-escolha, dos que defendem a eventual decisão da mulher por um aborto, nos termos do Roe v. Wade) a levou a impor o ônus às mulheres vítimas de estupro como mais um meio de desencorajar abortos. Para quem conhece o extremismo a que chegou tal debate (grupos antiaborto até promoveram assassinatos de médicos de clínicas) não parece improvável.
Fontes da campanha McCain-Palin têm adotado a linha de que a cobrança era coisa do chefe de polícia e a prefeita não se envolvia na história, sequer sabia daquela política. É difícil acreditar, até porque ela se vangloria de ter reduzido os gastos da prefeitura. Quanto à hipótese de que não sabia, comprometeria Palin como chefe do Executivo municipal, no mínimo por omissão.
Obviamente o fato é prejudicial à imagem de alguém empenhada em herdar os votos das feministas que fizeram com tanto entusiasmo a campanha de Hillary Clinton. Aliás, o passado de Palin e o estilo adotado por ela na campanha tendem a afastá-la do eleitorado da ex-primeira-dama. A começar pelo detalhe pitoresco de ter participado do concurso Miss Alasca, com desfile de maiô e tudo.
Fonte: Tribuna da Imprensa.
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