Mauro Santayana
Santa Bárbara, próxima de Belo Horizonte, fica nas encostas da Serra do Caraça. É vizinha do mais famoso educandário da província, em que estudaram algumas das personalidades políticas mais destacadas em seu tempo, como Affonso Pena e Arthur Bernardes. Recordo-me de velho comerciante do lugar, Saulo ou Paulo, não me lembro bem, porque conversamos por acaso. Era véspera eleitoral, e lhe perguntei se iria votar no PSD ou na UDN. Ele me disse que estava pensando. “Pensando nos candidatos”?
- “Não, menino, pensando no mundo”. E me disse de suas preocupações, que vinham de Eisenhower, presidente dos Estados Unidos, a Juscelino, então governador do Estado, passando por Getúlio, já sob o tiroteio da oposição. – “Meu votinho pode não valer de nada para o mundo, mas vale para mim mesmo. Não quero ficar arrependido, por isso ainda estou pensando”.
Muitas campanhas recentes, em lugar de mostrar, com transparência, as razões desse ou daquele voto, têm embaçado os problemas do mundo, do Brasil e dos Estados. É engano pensar que a administração do prefeito escolhido esgota-se em si mesma. Ela implica resultados políticos, e todos nós pensamos, todos nós temos idéias, logo é estultice imaginar que as ideologias estão mortas. Enquanto houver a hegemonia de uns sobre os outros – no mundo e dentro das sociedades nacionais – as idéias serão as armas dos injustiçados.
Logo depois das eleições, encontrei-me, novamente por acaso, e em Belo Horizonte, com o interlocutor de Santa Bárbara. Ele votara, como me disse, em Juscelino. “Como, em Juscelino?” – perguntei, já que a eleição fora para prefeito. Explicou que pesara o mundo, pesara o Brasil e pesara Minas. Votara com Minas, pensando no Brasil e no mundo. Votara em uma aliança do então PSD de Minas com o PTB de Getúlio. E foi exatamente essa aliança que levou Juscelino ao governo da República, nas eleições de 1955. Ao olhar pela janela, devemos ver a rua, mas, além da rua, o mundo.
A debilidade dos partidos políticos municipalizou o debate. Poucos levaram em conta que, em Wall Street, o mundo desabava, e que, também ali, o povo sentia a necessidade de encontrar quem administrasse, mas administrasse com idéias. As idéias de Barack Obama são idéias de centro-esquerda, as que melhor expressam a democracia. Não são de centro-direita. O centro às vezes tende para a direita, como ocorreu para eleger Hitler na Alemanha, Reagan e Bush nos Estados Unidos - e Collor, no Brasil.
Temos agora dois exemplos de oscilação do centro: o de São Paulo, onde o governador José Serra optou pela direita, ao empenhar todos os recursos políticos na candidatura de direita, de Kassab (do DEM de Bornhausen e dos Magalhães da Bahia), bafejada pela circunstância da reeleição, e o de Belo Horizonte. Em Minas, coerente com a visão do velho eleitor de Santa Bárbara, Aécio optou pela esquerda, aliando-se ao PT de Fernando Pimentel, a fim de eleger governo de centro na capital.
Faltou à aliança lembrar essas razões de Minas. Quem examina a história republicana, verá que os mineiros sempre pensaram primeiro no equilíbrio federativo e na soberania nacional – os dois problemas políticos mais graves do Brasil contemporâneo. E talvez tenha faltado, da mesma maneira, habilidade para a promoção de um candidato de esquerda, mas pouco conhecido, como era Márcio Lacerda, em coalizão de centro. Exibir dificuldades pontuais como sendo derrota do governador de Minas, conforme proclamam certos observadores – sempre a partir de São Paulo -, é ver a paisagem sob o nevoeiro; é ter os olhos opacos. As mesmas pesquisas que favorecem o candidato do PMDB em Belo Horizonte confirmam, com mais de 80%, a aprovação do governador do Estado. Também é bom registrar que estamos a uma semana do segundo turno, e foi exatamente em tempo igual que Lacerda teve seus votos reduzidos. Como os teve reduzidos nesse prazo curto, pode bem recuperá-los em tempo igual. O mesmo raciocínio serve para Marta Suplicy em São Paulo. Uma eleição se decide no dia.
Em Minas, o Sr. Quintão, que não está exatamente sob telhado de aço, cometeu tríplice crime, de injúria, infâmia e calúnia, ao qualificar seu opositor de criminoso comum – por ter lutado contra o regime militar. Com essa compulsão pela direita, o rapaz de Ipatinga não saberá governar a cidade, acostumada, há vários anos, a prefeitos prudentes e honrados.
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