José Saramago
Tenho lido que a reunião de Davos este ano não foi precisamente um êxito. Faltou muita gente, a sombra da crise gelou sem piedade os sorrisos, os debates foram faltos de real interesse, talvez porque ninguém soubesse bem o que dizer, temendo que os factos concretos do dia seguinte viessem a pôr em ridículo as análises e as propostas com muito esforço engendradas para corresponderem, nem que fosse por uma mera casualidade, às mais que modestas expectativas criadas. Sobretudo fala-se muito de uma inquietante falta de ideias, indo até ao ponto de admitir-se que o “espírito de Davos” tenha morrido. Pessoalmente nunca me apercebi de que pairasse por ali um “espírito”, ou algo mais ou menos merecedor dessa designação. Quanto à alegada falta de ideias, surpreende-me que só agora se lhe tenha feito referência, uma vez que ideias, o que, com todo o respeito, chamamos ideias, nunca dali saiu uma só para amostra. Davos foi durante trinta anos a academia neo-con por excelência e, tanto quanto posso recordar, nem uma só voz se ouviu no paradisíaco hotel suíço para apontar os caminhos perigosos que o sistema financeiro e a economia haviam tomado. Quando já se estavam semeando ventos ninguém quis ver que vinham aí as tempestades. E agora dizem-nos que não há ideias. Vamos ver se elas surgem, agora que o pensamento único não tem mais mentiras para oferecer-nos.
Fonte:O Caderno de Saramago.
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