quinta-feira, 5 de junho de 2014

POLÍTICA - Quem tem medo do povo?


O debate sobre o Decreto 8.243: Caminho da servidão ou medo do povo?


Quem tem medo do povo?
Discurso de Vera Masagão Ribeiro,  dirigido à Presidente Dilma Roussef na da Arena da Participação Social
sugerido pela Fernanda Quevedo
Saúdo a Presidenta Dilma Rousseff e todas as mulheres e homens presentes nesta mesa e no plenário.
Como membro da Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil, gostaria de manifestar a satisfação de ver este II Seminário Internacional sobre o Marco Regulatório fazendo parte dessa Arena, onde se lançam também a Política e o Compromisso Nacional pela Participação Social, o Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas e onde se realizam os Diálogos sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e a Construção da Agenda Pós-2015.
É que a luta por um marco regulatório adequado, que crie um ambiente mais favorável à atuação das organizações da sociedade civil, se parece um pouco com aquelas obras de saneamento básico, que são essenciais mas político nenhum que fazer, porque são custosas, ficam embaixo da terra, custam muito e não rendem muito em termos de visibilidade e apelo político.
Então, entidades que compõem a Plataforma das OSC, que vem travando essa luta há mais de duas décadas, enfrentam esse desafio de explicar para a opinião pública e para muitos gestores públicos e legisladores, que a nossa não é uma luta corporativa de importância menor. Lutamos para realizar essa espécie de obra de infraestrutura social, sem a qual não há democracia nem desenvolvimento.
Não há participação social efetiva sem que os sujeitos da participação, a sociedade civil, seja respeitada em sua autonomia e fortalecida em sua capacidade de diagnóstico, proposição e avaliação das políticas públicas. Não acontece a genuína educação política da cidadania senão na prática organizativa dos movimentos sociais e na ação coletiva.
Não há desenvolvimento sustentável sem que todos os setores da sociedade possam refletir sobre os rumos do desenvolvimento, experimentar alternativas e influenciar efetivamente em seus rumos. Ou seja, não há desenvolvimento sem participação, não há participação sem uma sociedade civil organizada e engajada na educação popular.
Por isso a luta por um Marco Regulatório adequado, que viabilize e incentive a participação cidadã por meio de organizações, articulações e movimentos é tão relevante. Por isso, é tão oportuno esse encontro de agendas e projetos de futuro que realizamos aqui nessa grande Arena.
Sabemos que o conceito de desenvolvimento está sempre em disputa. Num país tão desigual como o nosso, é papel do Estado democrático promover a equidade, criar condições para que o embate e a negociação de interesses aconteça em bases justas.
É papel do Estado democrático apoiar os setores sociais que se encontram em situação de desvantagem e vulnerabilidade para que possam, além de viver com dignidade, educar-se, organizar-se e incidir nos rumos do desenvolvimento do país, mesmo quando isso implique crítica às ações dos governos .
É papel do estado democrático, em consequência, fomentar entidades da sociedade civil que atuam nesse sentido, seja colaborando com as políticas públicas, seja criticando-as e propondo alternativas.
Há no senso comum visões equivocadas sobre as Organizações da Sociedade Civil que precisamos superar. De um lado, a perspectiva do estado-mínimo, que usa as organizações sociais para baratear serviços, colocando-as a reboque das administrações públicas.
Tal visão, nefasta a nosso ver, enfraquece ao mesmo tempo a cidadania e o estado, afastando ambos de suas responsabilidades precípuas. No extremo oposto, temos que condenar também a visão de que o Estado pode tudo e que detém o monopólio do interesse público. É outra visão perniciosa, que asfixia a cidadania e deixa os governos vulneráveis somente aos setores que detém poder econômico.
Sociedade civil organizada forte e atuante não se opõe a Estado forte e atuante. Pelo contrário, um é condição para o outro, e temos muitos exemplos de países democráticos, onde governos com capacidade de garantir direitos básicos, fomentar o desenvolvimento e implementar políticas redistribuitivas, interagem intensamente com as organizações da sociedade civil.
São países onde a sociedade apoia e confia nas suas organizações e por isso entende que é legítimo que por meio delas se acessem recursos públicos, em bases republicanas, para realizar ações de interesse público.
Mas não precisamos ir longe para buscar bons exemplos do que pode resultar de uma sociedade civil criativa e lutadora com um governo comprometido com causas sociais e disposto ao diálogo. Temos por aqui a experiência da ASA – Articulação do Semiárido, que por duas décadas vem trabalhando com construção de cisternas, promovendo a educação popular e beneficiando centenas de milhares de famílias.
A inclusão da iniciativa no Programa Água Para Todos, no contexto do Plano Brasil Sem Miséria, permitiu que a universalização das cisternas se colocasse como meta alcançável.
Porém, a necessária ampliação das ações do Programa Um Milhão de Cisternas começou a esbarrar nos entraves burocráticos criados pela falta de um marco legal adequado, nos atrasos e suspensões de convênios, nas desconfianças mútuas. A sociedade civil organizada, porém, não desistiu, foi pra rua protestar, veio ao Ministério do Desenvolvimento Social negociar.
E, como havia genuinamente um objetivo comum maior, de acabar com a miséria e a exploração da população do seminário, prevaleceu a disposição para o diálogo: a ASA e o governo federal conseguiram modernizar as formas de contratualização e gestão compartilhada do Programa, garantindo mais eficiência e transparência na gestão dos recursos públicos.
Poderíamos citar, na mesma linha, a legislação sobre resíduos sólidos, construída em diálogo com o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, além das iniciativas que integram a política de segurança alimentar e nutricional com a de fomento à agricultura familiar, como é o caso do PRONAF, que democratiza o acesso ao crédito, do PAA – que atende a rede de assistência social ou o PNAE, que garante que 30% da alimentação escolar seja fornecida pela agricultura familiar.
Por outro lado, temos ainda, nas áreas de saúde preventiva, educação, cultura e promoção dos direitos humanos, combate às desigualdades de gênero e raça, entre outras, iniciativas de sociedade civil em parceira com governos que são igualmente relevantes, mas que ainda estão emaranhadas num ambiente de burocratismo e insegurança.
Precisamos agora fazer com que êxitos setoriais se consolidem num Marco Regulatório abrangente, constituído por legislações e políticas estruturantes, que coloquem a democracia e o desenvolvimento brasileiros num novo patamar. Em 2010, quando ainda candidata, a Presidenta Dilma Rousseff assinou um compromisso com a Plataforma por um novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil: comprometeu-se com a reformulação da legislação atinente e com políticas de fomento às organizações da cidadania.
Ao longo de seu governo, além desses avanços setoriais, tivemos uma importante ampliação das oportunidades de debate e formulação de propostas –  um grupo de trabalho interministerial, sessões de diálogo, seminários, oficinas e pesquisas, que contaram com a valiosa liderança do Ministro Gilberto Carvalho.
Agora, é chegada a hora de concretizarmos compromissos assumidos e propostas debatidas em ação concreta, em prática política e num marco legal que fomentem a participação social como política de estado, tal como previsto em nossa Constituição.
No que se refere à regulação de repasses de recursos públicos para as organizações da sociedade civil, temos um projeto de lei tramitando no congresso, que felizmente tem contado com o apoio de congressistas de diversos partidos e que esperamos conte com o apoio da equipe do governo Dilma.
Mas temos ainda muitas tarefas pela frente: quando sancionado o projeto de lei, trabalhar colaborativamente numa regulamentação que seja coerente e considere as características dos demais entes federados; além disso, propor um sistema tributário apropriado; democratizar os incentivos às doações de pessoas físicas e jurídicas, fortalecer fundos públicos e privados de fomento à ação cidadã.
Por isso, saudamos com muito entusiasmo a presença da Presidenta Dilma Rousseff aqui em nossa Arena. Obrigada por estar conosco, Presidenta. Esperamos que esta presença revigore seu compromisso com nossa Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil, que revigore seu compromisso com a educação popular, com a democracia, a justiça e os direitos humanos, fundamentos e horizontes do desenvolvimento.
A sociedade brasileira está mais exigente. O governo precisa avançar, e a sociedade civil organizada também precisa avançar. Se formos juntas, conseguiremos ir mais longe, vamos mais longe se superarmos nossas desconfianças e intransigências. O povo está na rua, nos convocando para a ação. Então, avante, Presidenta!  Avante cidadania brasileira!
Viva a democracia! Viva a participação social!

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