O debate sobre o Decreto 8.243: Caminho da servidão ou medo do povo?
Quem tem medo do povo?
Discurso de Vera Masagão Ribeiro, dirigido à Presidente Dilma Roussef na da Arena da Participação Social
sugerido pela Fernanda Quevedo
Saúdo a Presidenta Dilma Rousseff e todas as mulheres e homens presentes nesta mesa e no plenário.
Como membro da Plataforma por um Novo Marco Regulatório
para as Organizações da Sociedade Civil, gostaria de manifestar a
satisfação de ver este II Seminário Internacional sobre o Marco
Regulatório fazendo parte dessa Arena, onde se lançam também a Política e
o Compromisso Nacional pela Participação Social, o Marco de Referência
da Educação Popular para as Políticas Públicas e onde se realizam os
Diálogos sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e a Construção
da Agenda Pós-2015.
É que a luta por um marco regulatório adequado, que crie um
ambiente mais favorável à atuação das organizações da sociedade civil,
se parece um pouco com aquelas obras de saneamento básico, que são
essenciais mas político nenhum que fazer, porque são custosas, ficam
embaixo da terra, custam muito e não rendem muito em termos de
visibilidade e apelo político.
Então, entidades que compõem a Plataforma das OSC, que vem
travando essa luta há mais de duas décadas, enfrentam esse desafio de
explicar para a opinião pública e para muitos gestores públicos e
legisladores, que a nossa não é uma luta corporativa de importância
menor. Lutamos para realizar essa espécie de obra de infraestrutura
social, sem a qual não há democracia nem desenvolvimento.
Não há participação social efetiva sem que os sujeitos da
participação, a sociedade civil, seja respeitada em sua autonomia e
fortalecida em sua capacidade de diagnóstico, proposição e avaliação das
políticas públicas. Não acontece a genuína educação política da
cidadania senão na prática organizativa dos movimentos sociais e na ação
coletiva.
Não há desenvolvimento sustentável sem que todos os setores
da sociedade possam refletir sobre os rumos do desenvolvimento,
experimentar alternativas e influenciar efetivamente em seus rumos. Ou
seja, não há desenvolvimento sem participação, não há participação sem
uma sociedade civil organizada e engajada na educação popular.
Por isso a luta por um Marco Regulatório adequado, que
viabilize e incentive a participação cidadã por meio de organizações,
articulações e movimentos é tão relevante. Por isso, é tão oportuno esse
encontro de agendas e projetos de futuro que realizamos aqui nessa
grande Arena.
Sabemos que o conceito de desenvolvimento está sempre em
disputa. Num país tão desigual como o nosso, é papel do Estado
democrático promover a equidade, criar condições para que o embate e a
negociação de interesses aconteça em bases justas.
É papel do Estado democrático apoiar os setores sociais que
se encontram em situação de desvantagem e vulnerabilidade para que
possam, além de viver com dignidade, educar-se, organizar-se e incidir
nos rumos do desenvolvimento do país, mesmo quando isso implique crítica
às ações dos governos .
É papel do estado democrático, em consequência, fomentar
entidades da sociedade civil que atuam nesse sentido, seja colaborando
com as políticas públicas, seja criticando-as e propondo alternativas.
Há no senso comum visões equivocadas sobre as Organizações
da Sociedade Civil que precisamos superar. De um lado, a perspectiva do
estado-mínimo, que usa as organizações sociais para baratear serviços,
colocando-as a reboque das administrações públicas.
Tal visão, nefasta a nosso ver, enfraquece ao mesmo tempo a
cidadania e o estado, afastando ambos de suas responsabilidades
precípuas. No extremo oposto, temos que condenar também a visão de que o
Estado pode tudo e que detém o monopólio do interesse público. É outra
visão perniciosa, que asfixia a cidadania e deixa os governos
vulneráveis somente aos setores que detém poder econômico.
Sociedade civil organizada forte e atuante não se opõe a
Estado forte e atuante. Pelo contrário, um é condição para o outro, e
temos muitos exemplos de países democráticos, onde governos com
capacidade de garantir direitos básicos, fomentar o desenvolvimento e
implementar políticas redistribuitivas, interagem intensamente com as
organizações da sociedade civil.
São países onde a sociedade apoia e confia nas suas
organizações e por isso entende que é legítimo que por meio delas se
acessem recursos públicos, em bases republicanas, para realizar ações de
interesse público.
Mas não precisamos ir longe para buscar bons exemplos do
que pode resultar de uma sociedade civil criativa e lutadora com um
governo comprometido com causas sociais e disposto ao diálogo. Temos por
aqui a experiência da ASA – Articulação do Semiárido, que por duas
décadas vem trabalhando com construção de cisternas, promovendo a
educação popular e beneficiando centenas de milhares de famílias.
A inclusão da iniciativa no Programa Água Para Todos, no
contexto do Plano Brasil Sem Miséria, permitiu que a universalização das
cisternas se colocasse como meta alcançável.
Porém, a necessária ampliação das ações do Programa Um
Milhão de Cisternas começou a esbarrar nos entraves burocráticos criados
pela falta de um marco legal adequado, nos atrasos e suspensões de
convênios, nas desconfianças mútuas. A sociedade civil organizada,
porém, não desistiu, foi pra rua protestar, veio ao Ministério do
Desenvolvimento Social negociar.
E, como havia genuinamente um objetivo comum maior, de
acabar com a miséria e a exploração da população do seminário,
prevaleceu a disposição para o diálogo: a ASA e o governo federal
conseguiram modernizar as formas de contratualização e gestão
compartilhada do Programa, garantindo mais eficiência e transparência na
gestão dos recursos públicos.
Poderíamos citar, na mesma linha, a legislação sobre
resíduos sólidos, construída em diálogo com o Movimento Nacional de
Catadores de Materiais Recicláveis, além das iniciativas que integram a
política de segurança alimentar e nutricional com a de fomento à
agricultura familiar, como é o caso do PRONAF, que democratiza o acesso
ao crédito, do PAA – que atende a rede de assistência social ou o PNAE,
que garante que 30% da alimentação escolar seja fornecida pela
agricultura familiar.
Por outro lado, temos ainda, nas áreas de saúde preventiva,
educação, cultura e promoção dos direitos humanos, combate às
desigualdades de gênero e raça, entre outras, iniciativas de sociedade
civil em parceira com governos que são igualmente relevantes, mas que
ainda estão emaranhadas num ambiente de burocratismo e insegurança.
Precisamos agora fazer com que êxitos setoriais se
consolidem num Marco Regulatório abrangente, constituído por legislações
e políticas estruturantes, que coloquem a democracia e o
desenvolvimento brasileiros num novo patamar. Em 2010, quando ainda
candidata, a Presidenta Dilma Rousseff assinou um compromisso com a
Plataforma por um novo Marco Regulatório para as Organizações da
Sociedade Civil: comprometeu-se com a reformulação da legislação
atinente e com políticas de fomento às organizações da cidadania.
Ao longo de seu governo, além desses avanços setoriais,
tivemos uma importante ampliação das oportunidades de debate e
formulação de propostas – um grupo de trabalho interministerial,
sessões de diálogo, seminários, oficinas e pesquisas, que contaram com a
valiosa liderança do Ministro Gilberto Carvalho.
Agora, é chegada a hora de concretizarmos compromissos
assumidos e propostas debatidas em ação concreta, em prática política e
num marco legal que fomentem a participação social como política de
estado, tal como previsto em nossa Constituição.
No que se refere à regulação de repasses de recursos
públicos para as organizações da sociedade civil, temos um projeto de
lei tramitando no congresso, que felizmente tem contado com o apoio de
congressistas de diversos partidos e que esperamos conte com o apoio da
equipe do governo Dilma.
Mas temos ainda muitas tarefas pela frente: quando
sancionado o projeto de lei, trabalhar colaborativamente numa
regulamentação que seja coerente e considere as características dos
demais entes federados; além disso, propor um sistema tributário
apropriado; democratizar os incentivos às doações de pessoas físicas e
jurídicas, fortalecer fundos públicos e privados de fomento à ação
cidadã.
Por isso, saudamos com muito entusiasmo a presença da
Presidenta Dilma Rousseff aqui em nossa Arena. Obrigada por estar
conosco, Presidenta. Esperamos que esta presença revigore seu
compromisso com nossa Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as
Organizações da Sociedade Civil, que revigore seu compromisso com a
educação popular, com a democracia, a justiça e os direitos humanos,
fundamentos e horizontes do desenvolvimento.
A sociedade brasileira está mais exigente. O governo
precisa avançar, e a sociedade civil organizada também precisa avançar.
Se formos juntas, conseguiremos ir mais longe, vamos mais longe se
superarmos nossas desconfianças e intransigências. O povo está na rua,
nos convocando para a ação. Então, avante, Presidenta! Avante cidadania
brasileira!
Viva a democracia! Viva a participação social!
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