GEOGRAFIA
E ESTRATÉGIA
JOSÉ
LUÍS FIORI
“O Brasil terá que descobrir um novo caminho de afirmação da sua
liderança e do seu poder internacional, dentro e fora de sua zona de influencia
imediata. Um caminho que não siga o
mesmo roteiro das grandes potências do passado, e que não utilize a mesma
arrogância e a mesma violência que
utilizaram os europeus e os norte-americanos para conquistar suas colônias e
protetorados”
J.L.Fiori, “História,
Estratégia e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo”, Editora
Boitempo, SP, 2014, p: 279
A geografia teve um papel decisivo na formação
e no desenvolvimento político e econômico da América do Sul. Por um lado, ela permitiu e estimulou a
formação de um região geopolítica e geoeconômica plana, homogênea, de alta
fertilidade e de crescimento econômico quase contínuo na Bacia do Prata; mas,
ao mesmo tempo, ela impediu que os
países e a economia do Prata – incluindo o Brasil - se expandissem na direção
da Amazônia, do Caribe e do Pacífico. No caso do Brasil, em particular, a topografia
do seu território atrasou a sua própria interiorização demográfica e econômica,
e enviesou os seus processos de urbanização, crescimento e internacionalização,
na direção do Atlântico. A Floresta
Amazônica, com
suas planícies tropicas de baixa fertilidade e alto custo de exploração, dificultou
a sua própria ocupação, e bloqueou o caminho do Brasil na direção da Venezuela, Guiana, Suriname, e Mar
do Caribe. O Pantanal e o Chaco boliviano, com suas montanhas e florestas
tropicais limitaram a presença do Brasil
nos territórios entre a Guiana e a
Bolívia; e a Cordilheira dos Andes, com
seus 8 mil km de extensão e 6.900 metros de altitude, obstruiu o acesso do
Brasil ao Chile e ao Peru, e o que é ainda mais importante, ao Oceano Pacífico com
todas as suas conexões asiáticas. Esta geografia extremamente difícil explica a
existência de enormes espaços vazios dentro do território brasileiro e nas suas
zonas fronteiriças, e sua escassa relação econômica com seus vizinhos, durante
quase todo o século XX, quando o Brasil não conseguiu – nem mesmo - estabelecer
um sistema eficiente de comunicação e integração bioceânica, como aconteceu com
os Estados Unidos, já na segunda metade do século XIX, depois da sua conquista
da Califórnia e do Oregon, que se transformou num passo decisivo do seu
desenvolvimento econômico, e da projeção do poder global dos Estados Unidos.
Todas
estas barreiras e dificuldades geográficas, entretanto, adquiriram uma nova
dimensão e gravidade, no início do século XXI, graças: i) a
transformação da China, do sudeste asiático, e da Bacia do Pacífico, no espaço mais dinâmico da economia mundial;
ii) sua transformação simultânea, e no tabuleiro geopolítico mais relevante
para o futuro do sistema mundial no transcurso do século XXI; iii) a consequente,
“chegada’ econômica da China ao continente
sul-americano, e ao Caribe e América Central, sobretudo depois do anuncio da construção
do novo Canal Interoceânico da Nicarágua, financiado e construído pelos
chineses, a um custo previsto de 40
bilhões de dólares; iv) a consequente revalorização geopolítica e geoeconômica
do Caribe e da América do Sul, como
tabuleiros relevantes da competição global
entre os Estados Unidos e a China, e da competição regional destes dois países,
com o Brasil. Esta nova situação obriga o Brasil a redefinir ´inevitavelmente - sua
estratégia, e o cálculo de custos do seu próprio projeto de integração regional,
incluindo a ocupação dos “espaços vazios” da América do Sul, e da “conquista”
do seu acesso ao Oceano Pacífico e ao Mar do Caribe. Este tem que ser o ponto
de partida do debate sobre a Unasul e o Mercosul, e sobre o fortalecimento da
soberania política e econômica do continente, incluindo, como é óbvio, os
países sul-americanos da Aliança do Pacífico. Mas este ponto é esquecido em geral pelos analistas, e é
substituído por uma discussão sem fim sobre a “lucratividade” comercial ou
financeira, do projeto e do processo da integração continental. Estes analistas
não entendem ou não querem aceitar que se trata de um objetivo e de um processo
que não pode ser avaliado apenas pelos seus resultados econômicos, porque
envolve um jogo geopolítico e geoeconômico muito mais complexo e global.
Desta
perspectiva, o recente reatamento das relações diplomáticas dos EUA com Cuba, explicita
e aprofunda esta disputa pela supremacia regional. Foi uma vitória política indiscutível
de Cuba e da América Latina, e também, do “internacionalismo liberal” de Barack
Obama, que luta para sobreviver ao seu atropelamento pelo ultraconservadorismo
dos republicanos, e de muitos dos seus próprios partidários democratas. Mas ao
mesmo tempo, esta reaproximação é inseparável da expansão econômica chinesa no
Caribe e na América Central, e do anuncio do novo “Canal da Nicarágua”, com 278
km de extensão, bem maior e mais complexo do que o Canal do Panamá. Uma disputa
que começa no Mar do Caribe, mas se projeta e prolonga na luta pela liderança
política, econômica e estratégica da América do Sul. Neste sentido, a reaproximação entre Cuba e os
EUA contém um paradoxo e uma lição geopolítica, sobretudo para os países que se
propõem subir na escada internacional do poder e da riqueza: uma vitória parcial, em qualquer tabuleiro do
sistema provoca sempre o aparecimento de um novo desafio estratégico ainda mais
complexo do que o anterior. Neste caso, foi uma vitória dos “povos latinos” e
de certa maneira, da própria política externa brasileira, mas esta mesma vitória
aumenta a urgência do Brasil abrir seus canais de comunicação e transporte com
o Mar do Caribe e com a Bacia do
Pacífico, a qualquer preço, e por mais criticada que seja a rentabilidade
econômica imediata do projeto.
Dezembro
de 2014
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