segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O JOGO DUPLO DA FRANÇA.

Contra a guerra não se pode silenciar


"Daesh é um dos nossos piores inimigos: massacra, decapita, estupra, oprime as mulheres e doutrina as crianças, destrói patrimônios da humanidade. Ao mesmo tempo, a França vende ao regime saudita, conhecido suporte das redes jihadistas, helicópteros de combate, navios de patrulha, centrais nucleares; Arábia Saudita acaba de pedir a França três bilhões de dólares em armas; pagou a fatura de dois navios Mistral, vendidos para o Egito do Marechal para o Sisi que reprime os democráticos da Primavera árabe", esclarecem Etienne Balibar filósofo francês e professor emérito da Universidade de Paris X – Nanterre, e outros, em carta publicada por Il Manifesto, 27-11-2015. A tradução é de Ramiro Mincato.
Eis a carta.
Nenhuma interpretação monolítica, nenhuma explicação mecanicista pode explicar os atentados. Mas, podemos ficar calados? Muitos, podemos compreender, acreditam que diante do horror desses fatos o único resposta decente é o recolhimento. Contudo, não podemos calar quando outros falam e agem em nosso nome, quando outros nos arrastam para a sua guerra. Devemos pois deixá-los fazer, e em nome da unidade nacional e da intimidação pensar em sintonia com o governo?
Diz-se que agora estamos em guerra. E antes não? E, estamos na guerra por quê? Em nome dos direitos humanos e da civilização? A espiral a que nos arrasta o Estado bombeiro incendiário é infernal. A França está constantemente em guerra. Sai de uma guerra no Afeganistão, cheia de assassinatos civis. Os direitos das mulheres continuam a ser negados, e os talibãs ganham terreno a cada dia. Sai de uma guerra na Líbia, que deixou o país em ruínas e saqueado, com milhares de mortes, e com montanhas de armas no mercado para alimentar todos os tipos de jihadistas. Sai da guerra em b, e ali grupos jihadistas da Al Qaeda continuam a avançar e perpetrar massacres. Em Bamako, a França protege um regime corrupto até a medula, bem como no Níger e no Gabão. E algumas pessoas pensam que os oleodutos do Médio Oriente, o urânio utilizado em condições monstruosas por Areva, os interesses da Total e Bolloré não têm nada a ver com essas intervenções muito seletivas, deixando para trás países destruídos? Na Líbia, na África Central, Mali, a França não lançou nenhum plano para ajudar a população a sair do caos. Não é suficiente dar lições de pretensa moral (ocidental). Que esperança de futuro podem ter populações inteiras condenadas a vegetar em campos de refugiados ou a sobreviver em ruínas?
A França quer destruir o Daesh? Bombardeando, multiplica os jihadistas. Os "Rafale" matam civis inocentes como as do Bataclan. E, como aconteceu no Iraque, civis acabaram solidarizando-se com os jihadistas: estes bombardeamentos são bombas com efeito retardado.
Daesh é um dos nossos piores inimigos: massacra, decapita, estupra, oprime as mulheres e doutrina as crianças, destrói patrimônios da humanidade. Ao mesmo tempo, a França vende ao regime saudita, conhecido suporte das redes jihadistas, helicópteros de combate, navios de patrulha, centrais nucleares; Arábia Saudita acaba de pedir a França três bilhões de dólares em armas; pagou a fatura de dois navios Mistral, vendidos para o Egito do Marechal para o Sisi que reprime os democráticos da Primavera árabe. Na Arábia Saudita, por acaso, não se decapita? Não se cortam as mãos? As mulheres não vivem em regime de semiescravidão? A força aérea saudita, empenhada no Iêmen ao lado do regime, bombardeia populações civis, destruindo também tesouros arquitetônicos. Bombardearemos a Arábia Saudita? Ou a indignação varia de acordo com as alianças econômicas?
A guerra ao jihad, diz-se com tom marcial, se combate também na França. Mas como evitar que caiam jovens, especialmente aqueles de classes desfavorecidas, se não cessar a discriminação contra eles na escola, com relação ao trabalho, o acesso à habitação, à sua religião? Se continuamente acabam na prisão, ainda mais estigmatizados? E se não se abrir para eles outras condições de vida? Se continuamos a negar a dignidade que eles reivindicam?

Essa é a única maneira de lutar de forma eficaz, aqui, contra os nossos inimigos, em nosso país, que se tornou o segundo maior exportador de armas no mundo, é rejeitar um sistema que, em nome de um lucro míope produz injustiça por todos os lados. Porque a violência de um mundo que Bush filho prometia há 14 anos, reconciliado, pacificado, ordenado, não nasceu do cérebro de Bin Laden ou do Daesh. Nasce e prospera sobre a miséria e as desigualdades que crescem de ano para ano, entre os países do Norte e do Sul, e dentro dos próprios países ricos, como indicam os relatórios da ONU. A opulência de alguns tem como contrapartida a exploração e opressão dos outros. A violência não vai recuar sem atacar as raízes. Não há atalho mágico: as bombas não são.
Quando foram desencadeadas as guerras do Afeganistão e do Iraque, os protestos foram impressionantes. Argumentamos que essas intervenções militares teriam semeado, cegamente, caos e morte. Estávamos errados? A guerra de Hollande terá as mesmas consequências. Devemos nos unir com urgência contra os bombardeios franceses que aumentam as ameaças e contra desvios liberticidas, que não resolvem nada, ao contrário, evitam e negam as causas do desastre. Esta guerra não é em nosso nome.
Primeiros signatários:
Etienne Balibar, Ludivine Bantigny (historiadora), Emmanuel Barot (filósofo), Jacques Bidet (filósofo), Deborah Cohen (historiadora), François Cusset (historia das ideias), Laurence De Cock (historiadora), Christine Delphy (socióloga), Cédric Durand (economista), Fanny Gallot (historiadora), Eric Hazan (editor), Sabina Issehnane (economista), Razmig Keucheyan (sociólogo), Marius Loris (historiador e poeta), Marwan Mohammed (sociólogo), Olivier Neveux (historiador) Willy Pelletier (sociólogo), Irene Pereira (socióloga), Julien Thery-Astruc (historiadora), Rémy Toulouse (editor), Enzo Traverso (historiador).

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