Eleição na Colômbia coroa virada histórica na América Latina
Para o cientista político Luis Fernandes, a eleição de Gustavo Petro será importante para todo o continente e confirma o esgotamento neoliberal
Publicado 29/06/2022 19:02 | Editado 30/06/2022 09:44
Enquanto a maioria dos países latino-americanos alternavam entre governos de direita e esquerda, a Colômbia sempre foi aquele quartel-general da direita no continente. Sendo uma das principais economias do continente, o país acabava sendo um ponto fora da curva para governos de esquerda nas articulações estratégicas da Unasul, o bloco regional criado por governos de esquerda no início deste século.
Com a eventual eleição da chapa Lula-Alckmin, a vitória na Colômbia coroa uma virada histórica no continente e vai consolidar a integração regional e uma iniciativa que dará nova voz no mundo, não só ao Brasil, mas à América Latina. Esta é a opinião expressa pelo cientista político e professor da UFRJ, Luis Fernandes.
Com a vitória inédita da esquerda de Gustavo Petro e Francia Márquez, anuncia-se uma virada importante nas relações regionais. Para o analista internacional, este resultado eleitoral não foi importante apenas para a esquerda.
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“Mais do que para a esquerda, é importante para a democracia no continente, porque a Colômbia é um país com uma trajetória de grande polarização interna, de dificuldade de construção de um projeto comum nacional, onde a presença de grupos paramilitares sempre foi uma força nociva na vida política e uma ameaça à democracia”, diz ele. O analista diz que a violência de paramilitares de direito sempre foi convenientemente mobilizada e dirigida contra forças de esquerda e centro-esquerda, e era um fator de intimidação da democracia. Ele se refere aos recordes de assassinato de lideranças ambientais, camponesas e sindicais que a Colômbia sempre liderou no continente.
Para ele, o resultado da eleição, em primeiro lugar, mostrou que uma força originária de esquerda dentro de uma plataforma de união ampla é uma força legítima para governar a Colômbia. “Isso me parece que tolhe e enfraquece ações de polarização, movidas por uma lógica de milícia e ações paramilitares para coibir a democracia na região”, reafirmou.
Mas a governança progressista naquele país também amplia estratégias de integração regional, especialmente, se houver um triunfo de esquerda nas eleições do Brasil, em outubro. Para além da Unasul, seria possível ampliar a integração continental para o Norte.
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“No coração da América do Sul, junto com os ventos favoráveis as forças progressistas e democráticas, ela estabelece uma plataforma firme de integração regional, em que deixará de ser uma plataforma de integração apenas sul-americana para ser uma integração latinoamericana, com as mudanças democráticas favoráveis vividas no México e outros países da América Central”.
Esgotamento de um modelo
A vitória da esquerda após o período de ascenção neoliberal nos anos 1990, já era apontada como uma consequência do esgotamento daquele modelo econômico. Agora, principalmente após a pandemia e o modo como se explicitou o desmonte do estado de proteção social, a esquerda volta ao poder na maioria dos países do continente.
Os colombianos escolheram a esquerda este ano, na opinião de Luis Fernandes, no fundo, pelo esgotamento do modelo que a direita tradicional colombiana representa. “É um desgaste social gerado por esse modelo, mas também uma clara condenação do não cumprimento e tentativa de desvirtuar os acordos de paz. É uma condenação da presença muito forte de grupos paramilitares entre estas forças da direita tradicional”, disse. Ele se refere aos acordos feitos com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs), guerrilha de esquerda, desmobilizada e traída pelos governos recentes, enquanto as milícias de direita continuam atuando.
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“Isso chegou a um ponto de esgotamento e se traduziu no próprio segundo turno, porque o candidato da direita não era representativo das elites tradicionais da Colômbia. Era uma espécie de candidato do sistema, mas que se apresentou com um discurso antissistema. Ele não era exatamente igual a figura do Bolsonaro, mas ecoava algumas características da trajetória dele. Esta direita tradicional da Colômbia foi a grande derrotada nessas eleições”, resumiu.
Com todos os fatores de instabilidade democrática observados na Colômbia e a própria força da direita expressa nas eleições, o sociólogo avalia que foi muito importante que todos os atores da direita reconheceram o resultado. “Não houve questionamento do resultado. Isso é muito importante para nós aqui no Brasil, porque sabemos que está em curso uma tentativa de natureza golpista de deslegitimar o resultado da eleição”, comparou.
O fato tanto no Chile, quanto na Colômbia da direita derrotada ter reconhecido prontamente a soberania popular expressa nos resultados das eleições, é, para ele, um bom sinal. “Para que, nós também não demos guarida a qualquer pensamentos ou devaneios golpistas no Brasil”, concluiu.
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