quinta-feira, 2 de outubro de 2008

ARTIGO - Será o fim do capitalismo financeiro de tipo anglo-saxônico?


Rio de Janeiro, 02 de Outubro de 2008
SERÁ O FIM DO CAPITALISMO FINANCEIRO DE TIPO ANGLO-SAXÔNICO?

Seis economistas respondem

Daniel Cohen

(Le Monde)

Toda a finança de mercado deve ser posta em cheque. A atenção dos reguladores, desde a crise de 1929, voltou-se, essencialmente, para os bancos comerciais. O pânico dos depositantes que foi o principal vetor da crise financeira dos anos 1930, levou os reguladores a se concentrarem nos bancos de depósito. E isto deu certo. Não se observou qualquer crise importante do sistema bancário americano no após-guerra.

Um dos objetivos principais do mercado financeiro tem sido escapar ao `habitat` regulamentador imposto aos bancos. As regras clássicas impõem que os bancos tenham um dólar de capital para cada de 12 dólares de crédito. O mercado financeiro permitiu aos seus atores conceder 32 dólares de crédito para dólar de capital! Os bancos de investimento, os hedge funds e as companhias de seguros aproveitaram as brechas da regulamentação para ampliar o volume das suas operações. Os bancos comerciais, por seu lado, criaram `artifícios` fora dos balanços para se livrarem – legalmente - da regulamentação. O resultado nós o vemos agora. O preço são os 700 bilhões de dólares que o governo americano quer injetar no sistema.

Todo o trabalho dos próximos anos consistirá em elaborar regras que devolverão o dentifrício do capitalismo financeiro ao seu tubo. Será necessário impor novas regras de cautela ao conjunto dos atores, controlar a concessão de créditos, supervisionar as agências de auditoria e rever as normas contábeis… Este retorno ao início envolverá todos os países. Um papel `especial` para o FMI…

Nicolas Baverez, economista-historiador

A expressão `capitalismo financeiro de tipo anglo-saxônico` deixa entrever que só os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Irlanda estariam crise. Na verdade, o choque abala o capitalismo globalizado, no qual a finança era a ponta-de-lança. Os países que poupam e exportam como a China, a Alemanha ou o Japão serão atingidos: o excedente chinês já começa a diminuir, enquanto a China, a Rússia e o Brasil correm para socorrer seus bancos. Assistimos a uma deflação causada pela dívida como em 1929: o rompimento da bolha de crédito produz uma contração violenta nos patrimônios e rendimentos, na atividade e no emprego.

Duas grandes lições emergem da deflação dos anos 1930: deve-se interromper a cascata das falências bancárias; deve-se, ainda, privilegiar soluções cooperativas no plano internacional para evitar a espiral das barreiras protecionistas e as desvalorizações competitivas. Hoje, o salvamento dos bancos já é uma realidade, mas apenas no plano nacional. A cooperação internacional não existe, a começar pelo diálogo entre o FED e o BCE. As políticas do `cada um para si` implicam numa freada na globalização, na integração dos mercados e na abertura das sociedades.

O capitalismo sairá profundamente transformado desta crise: haverá prioridade à segurança sobre o risco, com uma redução do crescimento potencial; haverá um reequilíbrio entre Estado e mercado; um retorno por cima da indústria em detrimento da finança; mudança do modelo econômico dos bancos com uma concentração dos atores, dando ênfase aos bancos comerciais; haverá, ainda, um declínio relativo dos países desenvolvidos - especialmente dos Estados Unidos - e uma aceleração da passagem a um sistema econômico multipolar e heterogêneo.

Nouriel Roubini, professor de economia da Universidade de Nova York; presidente da Roubini Global Economics Monitor

A crise é o resultado dos excessos do liberalismo e do `laisser-faire` destes últimos 10 anos. Os reguladores acreditaram nas virtudes do livre mercado e da auto-regulação. Sua avaliação foi equivocada. A lição é clara: temos necessidade de uma melhor regulamentação. Hoje, o paradoxo é que, para resolver estes excessos, o Estado americano pratica o mesmo excesso às avessas. Ora injeta cerca de 200 bilhões de dólares para estatizar o Freddie Mac e o Fannie Mae, os dois gigantes do refinanciamento das hipotecas, ora 85 bilhões para recapitalizar a seguradora AIG. Os EUA se transfomaram na `URSSA`, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas da América. O governo tomou, de modo precipitado, decisões de profundas de conseqüências. Tem-se a impressão de se tratar de uma república de bananas! Passa-se assim de um extremo a outro. O caminho correto está no meio, com uma regulamentação mais estrita que não impeça a inovação. Chegar-se-á lá, sem dúvida, após algum tempo.

O `Far West` financeiro selvagem pertence ao passado? É necessário ser cauteloso. Daqui a alguns anos, isto talvez esteja esquecido. Enfrentamos muitas crises: a dos anos 1980, a recessão dos anos 1990, o rompimento da bolha Internet em 2001. Em cada caso, formou-se uma bolha com o dinheiro fácil e com a sonolência dos reguladores. Veremos!

Domínica Plihon, universitário, presidente do conselho científico da Attac

A crise atual indica a falência de um capitalismo financeiro baseado na especulação e na predação prejudicial à sociedade. Os países da Europa que mais se apegaram às regras deste capitalismo financeiro - Irlanda e Espanha - são os que vão sofrer mais. Os bancos centrais e as autoridades de controle deixaram acontecer. Jean-Claude Trichet, presidente do BCE, não podia ignorar as compras maciças pelos bancos de títulos de alto risco em mercados privados, opacos e sem controle. Este capitalismo deve ser reformado em profundidade. Novas regras deverão ser implantadas. Nós, os altermundistas, reclamamos há muito tempo por um enquadramento dos atores financeiros. Visto que o movimento de nacionalização dos bancos já se iniciou, porque não constituir pólos públicos de desenvolvimento em cada país para financiar projetos que sustentem um crescimento de longo prazo? Nada impede também que haja uma coordenação na União Européia. Pode-se argumentar que as nacionalizações bancárias do início dos anos 1980 foram um fracasso, mas a falha recai sobre os governos que impuseram aos bancos as mesmas regras de rentabilidade do setor privado.

Pascal Salino, professor da Universidade Paris-Dauphine

O capitalismo financeiro não é apenas anglo-saxônico. É universal e tem belos dias pela frente, simplesmente porque ele não é uma criação arbitrária, como poderia ser um sistema do tipo soviético. Este capitalismo é a expressão de inúmeros processos espontâneos criados para responder às necessidades dos seres humanos. Ele preenche duas funções fundamentais: orientar os recursos da poupança para as atividades onde obtêm a melhor rentabilidade e ter em conta os riscos da maneira mais eficaz. Certamente, o capitalismo financeiro não pode exercer estas funções de maneira perfeita, porque a informação nunca é perfeita. Porém, exerce-a melhor que qualquer outro sistema imaginável.

As dificuldades atuais não são uma manifestação da falência deste sistema. Com efeito, a crise financeira é essencialmente uma crise de intervencionismo estatal. Resulta, em especial, da extraordinária instabilidade da política monetária americana neste início do século XXI, política monetária que, evidentemente, não é controlada pelo mercado, mas decidida arbitrariamente por autoridades públicas. Para que este capitalismo financeiro chegasse ao fim, seria necessário que todo o sistema financeiro fosse estatizado - o que está fora de cogitação - ou que ele explodisse visto que, deste modo, ele se constituiria em um sistema incoerente, o que não é o caso. No longo prazo, a crise atual parecerá um simples acidente de percurso que permitirá a liquidação das empresas financeiras mal administradas e incentivar outras a melhor a avaliar seus riscos. A maior ameaça vem do provável aumento da regulamentação.

Pierre-Alain Muet, economista e deputado pelo Partido Socialista do Rhône

É essencial trazer de volta para o campo da regulamentação e do controle, as atividades de crédito efetuadas por organismos não bancários, dado que são estes fundos especulativos não controlados que estão na origem das crises financeiras recentes. É necessário impor uma obrigação de transparência aos produtos financeiros e sobre o montante dos fundos especulativos controlados pelos bancos. É necessário por fim, como o era anteriormente, separar as atividades de bancos de mercado das dos bancos comerciais. A `titularização`, ou seja, a possibilidade dada um credor de desfazer-se da totalidade de sua carteira de crédito, representa uma forma de irresponsabilidade. Os fundos especulativos emprestaram sem avaliar o risco, sabendo que eles poderiam se livrar desse risco repassando-o a um terceiro. Para evitar esta disseminação do risco, é necessário, aplicar as regras definidas nos acordos de Basiléia II, do Banco de Compensações Internacionais, reintegrando a `titularização` ao balanço dos bancos e, sobretudo, obrigando o credor inicial a reter de 30 a 40% do risco do empréstimo original. Toda instituição autorizada a fazer empréstimos será assim forçada a avaliar seu risco como qualquer banqueiro deve fazer.

Em resumo, é necessário retornar a uma economia de intermediação e abandonar a economia do mercado financeiro, na qual os efeitos de alavancagem são muito importantes. Por certo, as agências de auditoria têm responsabilidade, mas a regulamentação e o controle trazem de volta o Estado, para onde todos se voltam quando as coisas vão mal. O controle dos mecanismos de mercado significa o retorno do Estado.

Daniel Cohen, professor da Escola Normal Superior

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