Carlos Dória
Há alguns tempo publiquei um tratado sobre a hipocrisia na política. Mostrava que era impossível a qualquer governo atuar sem recorrer à hipocrisia. Mais ainda no Brasil, onde a precariedade institucional elevada.
Mas duas hipocrisias chocam pelo excesso.
A primeira, a maneira como estão fritando o Geraldo Alckmin agora, comparada ao jogo hipócrita das últimas eleições, em que se tentava vendê-lo como o grande gerente. Experimentei na pele a dificuldade que era dizer o óbvio: que Alckmin era um administrador sofrível. Agora, virou a própria Geny, nos mesmos veículos que o incensavam.
A segunda, o mea culpa dos intelectuais que foram na onda do neocon e do anti-lulismo exacerbado. O oportunismo de atender à demanda de anti-lulismo da mídia, recorrendo a um pensamento preconceituoso e radical, já foi vergonhoso. Voltar atrás agora, que o efeito manada vai em outra direção, é duplamente vergonhoso. Só está faltando beijar o Lula na boca.
Nunca foi tão presente aquele artigo do Luiz Fernando Veríssimo, um clássico, em que dizia da péssima companhia em que ficaria, se entrasse na onda.
Outro dia, um comentarista – não me lembro se o João Vergílio – falou do refluxo desse neo-conservadorismo na USP. Passou a onda, ficou o cheiro. Intelectuais respeitáveis, da USP e da Unicamp, carregarão pelo resto da vida, na sua biografia, o fato de que, um dia, ficaram lado a lado com o pior esgoto que o jornalismo brasileiro produziu em muitas e muitas décadas.
Agora, esse jogo ficou reduzido a meia dúzia de pessoas que compõem o Clube da Auto-Ajuda: "eu te chamo de gênio, você me chama de gênio, e mandemos os escrúpulos e o ridículo às favas".
Por André Almeida
Achei o texto do Veríssimo. A fonte é O Globo de 19/07/2007
"Uma comprida palavra em alemão (há uma comprida palavra em alemão para tudo) descreve a “guerra de mentira” que começou com os primeiros avanços da Alemanha nazista sobre seus vizinhos. A pouca resistência aos ataques e o entendimento com Hitler buscado pela diplomacia européia mesmo quando os tanques já rolavam se explicam pelo temor comum ao comunismo.
A ameaça maior vinha do Leste, dos bolcheviques, e da subversão interna. Só o fascismo em marcha poderia enfrentá-la. Assim, muita gente boa escolheu Hitler como o mal menor. Ou, comparado a Stalin, o mau menor. Era notório o entusiasmo pelo nazismo em setores da aristocracia inglesa, por exemplo, e dizem até que o rei Edward VIII foi obrigado a renunciar não só pelo seu amor a uma plebéia, mas pela sua simpatia à suástica. Não tardou para Hitler desiludir seus apologistas e a guerra falsa se transformar em guerra mesmo, todos contra o fascismo.
Mas, por algum tempo, os nazistas tiveram seu coro de admiradores bem-intencionados na Europa e no resto do mundo — inclusive no Brasil do Estado Novo. Mais tarde estes veriam, em retrospecto, do que exatamente tinham sido cúmplices sem saber. Na hora, aderir ao coro parecia a coisa certa.
Comunistas aqui e no resto do mundo tiveram experiência parecida: apegarem-se sem fazer perguntas ao seu ideal, que, em muitos casos, nascera da oposição ao fascismo, mesmo já sabendo que o ideal estava sendo desvirtuado pela experiência soviética, foi uma opção pela cumplicidade.
Fosse por sentimentalismo, ingenuidade ou convicção, quem continuou fiel à ortodoxia comunista foi cúmplice dos crimes do stalinismo. A coisa certa teria sido pular fora do coro, inclusive para preservar o ideal.
Se estes dois exemplos ensinam alguma coisa é isto: antes de participar de um coro, veja quem estará do seu lado. No Brasil do Lula, é grande a tentação de entrar no coro que vaia o presidente. Ao seu lado no coro poderá estar alguém que pensa como você, que também acha que Lula ainda não fez o que precisa fazer e que há muita mutreta a ser explicada e muita coisa a ser vaiada. Mas olhe os outros.
Veja onde você está metido, com quem está fazendo coro, de quem está sendo cúmplice. A companhia do que há de mais preconceituoso e reacionário no país inibe qualquer crítica ao Lula, mesmo as que ele merece.
Enfim: antes de entrar num coro, olhe em volta."
Blog Luis Nassif
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