segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

EUA - Trump presidente: "a direita se credenciou como líder do movimento contra a globalização"

Trump presidente: “a direita se credenciou como líder do movimento contra a globalização”

Os Es­tados Unidos ainda ab­sorvem a vi­tória de Do­nald Trump e o mundo con­tinua per­plexo com mais um re­sul­tado elei­toral pau­tado pelo dis­curso de ex­trema-di­reita e sua de­mo­ni­zação do “outro”. Para ana­lisar os im­pactos da volta do Par­tido Re­pu­bli­cano ao poder, en­tre­vis­tamos Scott Martin, ci­en­tista po­lí­tico e es­pe­ci­a­lista em re­la­ções in­ter­na­ci­o­nais, também pro­fessor da New School e da Uni­ver­si­dade de Co­lumbia, ambas em Nova York, onde acu­mula es­tudos sobre ques­tões la­tino-ame­ri­canas e bra­si­leiras.
“Já existem planos em an­da­mento para uma gi­gan­tesca ma­ni­fes­tação pelos di­reitos civis no dia de Martin Luther King, em ja­neiro, e a Marcha do Mi­lhão de Mu­lheres em ja­neiro, em Washington, ao redor do dia da posse de Trump. A vi­tória de Trump pa­rece unir fe­mi­nismo, di­reitos civis, am­bi­en­ta­lismo, mo­vi­mento sin­dical, di­reitos dos imi­grantes e ou­tros ati­vistas de uma ma­neira que Obama deve ter so­nhado algum dia. Vemos muitas pes­soas que nunca ti­veram o há­bito de pro­testar indo às ruas, jo­vens, ve­lhos, fa­mí­lias...”, pon­tuou, des­ta­cando não lem­brar de uma eleição tão ra­pi­da­mente se­guida de pro­testos no país.
Ao longo da con­versa, Martin desfaz al­guns mitos a res­peito de uma pos­sível fa­ceta menos ame­a­ça­dora e vi­ru­lenta de Do­nald Trump, em parte in­flados pelas co­nhe­cidas co­ne­xões po­li­ticas e econô­micas de Hil­lary Clinton, ainda se­cre­tária de Es­tado do go­verno Obama. Isso sig­ni­fica que uma dose menor de in­ter­ven­ci­o­nismo e mi­li­ta­rismo pode ser mera ilusão, assim como sua pro­messa de voltar a olhar “pra dentro” numa eco­nomia de fluxos fi­nan­ceiros de im­bri­ca­ções pra­ti­ca­mente ir­re­ver­sí­veis.
“Ao final, os ins­tintos iso­la­ci­o­nistas para ‘re­cons­truir a Amé­rica’ ​serão trun­cados por im­pulsos mi­li­ta­ristas e uma ten­dência a ver o mundo nos termos do ‘nós contra eles’ e a ver um ter­ro­rista atrás de cada con­flito. Não estou di­zendo que os ne­o­cons estão com­ple­ta­mente de volta ao con­trole, como sob Bush filho, mas pa­rece que uni­la­te­ra­listas e mi­li­ta­ristas estão de volta sob Trump. É por isso que os ja­po­neses e os eu­ro­peus estão pro­fun­da­mente pre­o­cu­pados”, des­tacou.
Além de alertar para pos­sí­veis re­tro­cessos com países la­tino-ame­ri­canos, no que a re­lação com o Mé­xico será o ponto mais tenso, Scott Martin la­menta o fato de haver uma con­so­li­dação do fenô­meno de re­sis­tência aos pro­cessos glo­ba­li­zantes ca­pi­ta­neado pelo dis­curso po­pu­lista de di­reita. Por fim, a des­peito da ha­bi­tual crí­tica à es­querda sobre a in­ca­pa­ci­dade de Obama frear di­nâ­micas his­tó­ricas de opressão e in­jus­tiça, o pro­fessor faz um ba­lanço mais ami­gável de seus oito anos de man­dato.
“A ideia de que es­tá­vamos em uma ‘Amé­rica pós-ra­cial’ com Obama foi sempre fan­tás­tica. Há li­mites no que um pre­si­dente pode fazer, e acre­dite que ele tentou bas­tante, no con­trole de armas, na re­forma da jus­tiça cri­minal, de­nun­ci­ando es­pe­ci­fi­ca­mente o au­mento do abuso po­li­cial e as­sas­si­natos em todo o país, os quais o go­verno fe­deral não pode con­trolar di­re­ta­mente ou re­solver com muita fa­ci­li­dade. Ele sempre foi blo­queado pelo obs­tru­ci­o­nismo re­pu­bli­cano no Con­gresso e pelos li­mites do fe­de­ra­lismo, onde a mai­oria dos es­tados está nas mãos dos re­pu­bli­canos”, re­sumiu.
A en­tre­vista com­pleta com Scott Martin pode ser lida a se­guir.
Cor­reio da Ci­da­dania: Qual o sig­ni­fi­cado da vi­tória elei­toral de Do­nald Trump para os Es­tados Unidos e o mundo, sob seu ponto de vista?
Scott Martin: Odeio ser alar­mista, mas são tempos muito pre­o­cu­pantes. Vê-se um res­sur­gi­mento da ex­trema-di­reita na­ci­o­na­lista, que se en­caixa na ten­dência do Brexit, no im­pulso de uma ex­trema-di­reita e par­tidos na­ti­vistas no Leste Eu­ropeu que ra­pi­da­mente ga­nham apoio na Eu­ropa Oci­dental. Isso já en­co­rajou a sim­patia por Ma­rine Le Pen e seu Na­ti­onal Front na França, em­bora eu es­pere que por lá ainda haja uma re­to­mada a favor dos va­lores re­pu­bli­canos pro­fun­da­mente en­rai­zados.
Al­guns já dizem que es­tamos nos “des­glo­ba­li­zando”, em termos da par­ti­ci­pação do co­mércio e fluxos fi­nan­ceiros na­ci­o­nais no PIB mun­dial. Isso si­na­liza que, como o TPP (Tra­tado Trans-Pa­cí­fico) está morto, não é pos­sível ima­ginar o avanço das con­versas na OMC (Or­ga­ni­zação Mun­dial do Co­mércio) com Trump no poder.  E o NAFTA será mi­ni­mi­zado ou des­car­tado. Podem ocorrer guerras co­mer­ciais com a China. Nada disso será par­ti­cu­lar­mente bom para os tra­ba­lha­dores e os em­pregos, e são eles, mais que as mul­ti­na­ci­o­nais, quem so­frerão a pior parte.
Um pro­te­ci­o­nismo mer­cantil na linha “cada país por conta pró­pria” pode ga­nhar força. A po­sição de Trump em ques­tões como o acordo nu­clear com o Irã, OTAN (Or­ga­ni­zação do Tra­tado Atlân­tico Norte) e ou­tras ali­anças cen­trais, o pro­vável abraço em Assad pra der­rotar o Es­tado Is­lâ­mico (EI) e um uni­la­te­ra­lismo mais mus­cu­loso dos EUA pelo mundo são pro­vá­veis, e pe­ri­gosos. A abor­dagem con­ci­li­a­tória com Putin e a Rússia pra­ti­ca­mente soa como re­cuar aos dias de grandes po­tên­cias com suas res­pec­tivas es­feras de in­fluência, re­di­vi­dindo  o mundo em blocos.
Os flertes com Putin du­rante a cam­panha, em meio à ci­be­res­pi­o­nagem da Rússia e os va­za­mentos do wi­ki­leaks a mos­trarem suas co­ne­xões com os russos, fazem desses pro­blemas muito graves do ponto de vista do Es­tado de Di­reito e da se­gu­rança na­ci­onal. Leis podem ter sido que­bradas, mas nin­guém está in­ves­ti­gando. E não fi­quemos sur­presos se a tor­tura e a téc­nica de afo­ga­mento vol­tarem à po­lí­tica norte-ame­ri­cana em seu tra­ta­mento com sus­peitos de ter­ro­rismo.
Cor­reio da Ci­da­dania: O que você pode co­mentar da co­ber­tura mi­diá­tica do pro­cesso elei­toral, es­pe­ci­al­mente sobre a ma­neira como Trump foi re­tra­tado desde o lon­gínquo início das cam­pa­nhas elei­to­rais e até de­pois dos re­sul­tados das pes­quisas?
Scott Martin: The Eco­no­mist se ex­pressou da me­lhor forma: “os elei­tores de Trump o le­varam a sério, mas não li­te­ral­mente, en­quanto seus crí­ticos to­maram suas pa­la­vras li­te­ral­mente, mas não o le­varam a sério”. Ele bateu na “mídia li­beral” e no es­ta­blish­ment, en­quanto, ao mesmo tempo, usava a mídia bri­lhan­te­mente. Usou o twitter pra se co­mu­nicar di­re­ta­mente com mi­lhões de se­gui­dores. Moldou a nar­ra­tiva da mídia através de li­ga­ções di­retas para a CNN, que o en­tre­vis­tava onde quer que ele es­ti­vesse no mo­mento. A mídia ba­seada em fatos, em seu zelo por ser im­par­cial e equi­li­brada, deu a ele uma pla­ta­forma mesmo sem levá-lo a sério.
A CNN mos­trava seus co­mí­cios ao vivo. E a “mídia li­beral” tendia a ba­na­lizá-lo nas pri­má­rias do Par­tido Re­pu­bli­cano e até nas elei­ções ge­rais, pen­sando que sua re­tó­rica o faria ina­cei­tável para am­plas faixas do elei­to­rado. Isso se provou um pen­sa­mento in­gênuo, em­bora exis­tissem al­gumas vozes de alerta entre os co­men­ta­ristas de es­querda (Ro­bert Reich, o ci­ne­asta Mi­chael Moore, par­celas da ala de San­ders-Warren na es­querda do Par­tido De­mo­crata). Eles fi­zeram ad­ver­tên­cias e Moore previu sua vi­tória.
Outro ponto é o quanto se nota a frag­men­tação da mídia, e como Trump ex­plorou tal fato. Ele pôde pro­jetar uma imagem (mais mo­de­rada) através da mídia con­ven­ci­onal im­pressa e te­le­vi­siva, e uma outra através da franja mi­diá­tica de ex­trema-di­reita e seu ódio, como o Breit­bart ou ou­tros sites nos quais no­tí­cias falsas, acu­sa­ções bi­zarras ou apenas re­tó­ricas ra­cistas, ho­mo­fó­bicas e mi­só­ginas po­diam ser am­pli­fi­cadas pelas redes so­ciais e ou­tras mí­dias que tais se­gui­dores, apo­lo­gistas e fa­ná­ticos pro­duzem e dis­se­minam.
Foi uma caixa de res­so­nância da ex­trema-di­reita. Os con­ser­va­dores da ala “Ne­ver­Trump” fi­caram fora, mas foram muito dis­cretos. Por fim, aqueles do Par­tido Re­pu­bli­cano que não o apoi­aram aber­ta­mente, ou até fi­zeram opo­sição, “en­traram no time” agora. É uma si­tu­ação pe­ri­gosa, de poder sem con­trole, com as duas casas le­gis­la­tivas do­mi­nadas pelos re­pu­bli­canos, a chance de mu­dança do equi­lí­brio de forças na Su­prema Corte e o do­mínio re­pu­bli­cano na mai­oria dos es­tados.
Cor­reio da Ci­da­dania: Você acre­dita que mais gente irá às ruas pro­testar de­pois desta eleição?
Scott Martin: Isso já está acon­te­cendo e é um acon­te­ci­mento pós-elei­toral sem pre­ce­dentes. Ao menos eu nunca vi isso nos meus 55 anos, o que in­clui a vi­tória de Ge­orge W. Bush numa eleição cheia de ir­re­gu­la­ri­dades na con­tagem dos votos da Fló­rida. Tam­pouco acon­teceu após a eleição de Bush pai ou de­pois da vi­tória de Re­agan, ou ainda de Ri­chard Nixon.
As pes­soas não estão pro­tes­tando pelo fato de Trump ter ven­cido no co­légio elei­toral (nem mesmo aqueles que odeiam essas re­gras que cus­taram duas pre­si­dên­cias aos De­mo­cratas em 16 anos). Pro­testam contra sua re­tó­rica di­vi­si­o­nista e odiosa, suas pro­messas de po­lí­ticas anti-imi­grantes. Contra di­reitos de mu­lheres, ne­gros, la­tinos. Isso nunca acon­te­ceria se algum outro nome dentre os re­pu­bli­canos ti­vesse ga­nhado, como Jeb Bush ou John Ka­sich. Trump que­brou pa­râ­me­tros com seus fortes apelos ao na­ci­o­na­lismo branco e ra­cista. Não sig­ni­fica, é claro, que todos os seus elei­tores apoiem tais ideias. Muitos se le­varam pela an­si­e­dade de ver algo ser feito contra as elites po­lí­ticas e pelo de­clínio de longo prazo dos sa­lá­rios e ní­veis de bem-estar pes­soal na eco­nomia, o que Trump abordou bri­lhan­te­mente.
Sim, eu acre­dito que os pro­testos vão crescer. Já existem planos em an­da­mento para uma gi­gan­tesca ma­ni­fes­tação pelos di­reitos civis no dia de Martin Luther King, em ja­neiro, e a Marcha do Mi­lhão de Mu­lheres em ja­neiro, em Washington, ao redor do dia da posse. A vi­tória de Trump pa­rece unir fe­mi­nismo, di­reitos civis, am­bi­en­ta­lismo, mo­vi­mento sin­dical, di­reitos dos imi­grantes e ou­tros ati­vistas de uma ma­neira que Obama deve ter so­nhado algum dia. Di­reitos e ga­nhos em di­versas áreas estão ame­a­çados. Pa­rece uma ameaça exis­ten­cial a vá­rias si­tu­a­ções que já es­tavam ga­ran­tidas, dadas como certas até agora, de modo que vemos muitas pes­soas que nunca ti­veram o há­bito de pro­testar indo às ruas, jo­vens, ve­lhos, fa­mí­lias...
Cor­reio da Ci­da­dania: É pos­sível fazer pre­vi­sões sobre o go­verno de Trump? Mais es­pe­ci­fi­ca­mente, o que pensa que pode acon­tecer com as leis mi­gra­tó­rias e o pro­grama de saúde Obama He­alth Care?
Scott Martin: A mai­oria dos si­nais é bem pro­ble­má­tica, mesmo a poucos dias de al­guns cha­mados à “uni­dade”. Um con­se­lheiro pró­ximo da Casa Branca, com au­to­ri­dade se­me­lhante à de chefe de ga­bi­nete, en­ca­beçou o dis­curso de ódio e falsas no­tí­cias do web­site Breit­bart (Bannon). A EPA (Agência de Pro­teção Am­bi­ental na sigla em in­glês) e o Mi­nis­tério do In­te­rior devem ficar nas mãos do “Big Oil” e lo­bistas dos com­bus­tí­veis fós­seis que negam o aque­ci­mento global. O de­par­ta­mento de Es­tado  pos­si­vel­mente e o cargo de as­sessor de Se­gu­rança Na­ci­onal,  já com a no­me­ação do ge­neral Flynn, de­mi­tido por Obama de um cargo de in­te­li­gência por in­com­pe­tência, devem ir para as mãos de pes­soas de es­tilo au­to­ri­tário e bem pos­si­vel­mente com pouca ou ne­nhuma ex­pe­ri­ência em po­lí­tica ex­terna. Nas no­me­a­ções da Su­prema Corte, onde agora há uma va­cância, e po­de­ríamos ter mais uma ou duas neste man­dato pre­si­den­cial, a ten­dência nas no­me­a­ções será contra o aborto, contra as mu­lheres, contra os di­reitos civis, contra os di­reitos tra­ba­lhistas, pró-bu­si­ness e pro­va­vel­mente pró-ex­pansão da au­to­ri­dade exe­cu­tiva.
Na imi­gração, pa­rece que um mí­nimo de 2 a 3 mi­lhões de imi­grantes serão de­por­tados como “cri­mi­nosos”, apesar de es­pe­ci­a­listas co­lo­carem em dú­vida o fato de haver ta­manha quan­ti­dade de cri­mi­nosos após cerca de 2 mi­lhões terem sido de­por­tados nos anos de Obama. A se­gu­rança da fron­teira será outro grande foco (onde Obama já for­ta­le­cera a se­gu­rança a tal ponto que ti­vemos mais me­xi­canos vol­tando do que en­trando nos Es­tados Unidos nos úl­timos cinco anos, como mos­tram pes­quisas). Te­remos o au­mento dos abusos de di­reitos hu­manos nas fron­teiras, su­ponho.
Po­deria, even­tu­al­mente, com a fron­teira “se­gura”, ser feito algum es­forço em favor da con­cessão do status de ci­dadão, ou pelo menos de re­si­dência per­ma­nente, para os mi­lhões que pas­saram aqui estes anos, pa­garam im­postos sem re­ceber be­ne­fí­cios e for­ne­ceram mão de obra em re­giões onde os ci­da­dãos norte-ame­ri­canos não querem tra­ba­lhar? Po­demos ima­ginar esse en­redo, se formos bem oti­mistas.
Seria como “Nixon na China” (alusão à ines­pe­rada po­lí­tica de aber­tura do ex-pre­si­dente con­ser­vador ao país asiá­tico ainda à época do Mao, também nome de uma fa­mosa ópera), de acordo com o mo­mento. Mas Trump em­pregou imi­grantes le­gais e ile­gais, e pode ser cioso das pre­o­cu­pa­ções do em­pre­sa­riado quanto à força de tra­balho dis­po­nível. Coisas es­tra­nhas já acon­te­ceram! De toda forma, muitos re­pu­bli­canos con­ser­va­dores, como Ge­orge W. Bush, já qui­seram isso, até  a ideia se tornar po­li­ti­ca­mente tó­xica em re­lação ao na­ti­vismo criado nas ca­beças obs­curas das bases e ban­cadas re­pu­bli­canas. Mas um bo­cado mais teria de acon­tecer na eco­nomia, em­prego, se­gu­rança da fron­teira para Trump, em algum mo­mento, se sentir se­guro o bas­tante, frente a essa base so­cial, em levar tal po­lí­tica adi­ante.
Cor­reio da Ci­da­dania: Sobre ques­tões re­la­tivas ao co­mércio, acre­dita que Trump irá re­al­mente levar o país para po­lí­ticas co­mer­ciais mais na­ci­o­na­listas, res­tri­tivas e pro­te­ci­o­nistas?

Scott Martin: Sim, em­bora eu tenha es­pe­ranças de que haja con­tra­pesos. Além dos acordos co­mer­ciais com fu­turo ne­bu­loso que men­ci­onei an­te­ri­or­mente, ele po­deria se valer agres­si­va­mente das leis an­ti­dum­ping para pro­pó­sitos pro­te­ci­o­nistas contra de­ter­mi­nados se­tores, em de­ter­mi­nados países. Ou de­clarar de­ter­mi­nados países “ma­ni­pu­la­dores do valor das suas mo­edas” para fins co­mer­ciais. O que, par­ti­cu­lar­mente com a China, pode in­citar re­ta­li­ação.
Acho que nós es­tamos em um mo­mento de ex­tenso in­ter­valo no avanço do co­mércio global através de acordos de co­mércio e in­ves­ti­mentos re­gi­o­nais e mul­ti­la­te­rais. En­quanto isso é te­o­ri­ca­mente bom para os di­reitos tra­ba­lhistas, meio am­bi­ente e pro­teção ao con­su­midor, que na ver­dade tendem a ser tra­tados sel­va­ge­mente nesses acordos, não é ne­ces­sa­ri­a­mente bom para o co­mércio global ou para as pers­pec­tivas dos países em de­sen­vol­vi­mento que de­pendem des­pro­por­ci­o­nal­mente da aber­tura dos mer­cados do norte.
Mas, fa­lando de forma geral, a glo­ba­li­zação tem pro­du­zido apenas uma cres­cente de­si­gual­dade e la­cunas entre os pos­suídos e des­pos­suídos no norte, e também em muitos lu­gares do sul global. Uma pausa não é algo ruim, mas a es­querda (tanto do norte quanto do sul) pre­cisa de uma agenda de in­clusão, de in­te­gração so­cial, e isto ainda não foi ar­ti­cu­lado. Nin­guém ganha com o au­mento do pro­te­ci­o­nismo e do mer­can­ti­lismo no final das contas.
E nós não dis­cu­timos o meio am­bi­ente. Trump pode sig­ni­ficar um efe­tivo ponto final aos acordos de Paris. Os EUA têm de con­ceder um aviso prévio de quatro anos, mas o go­verno pode efe­ti­va­mente res­cindir as or­dens exe­cu­tivas sob as quais os Es­tados Unidos es­tavam cum­prindo suas pro­messas quanto às emis­sões de usinas elé­tricas e au­to­mó­veis, e ou­tros países pro­va­vel­mente não agirão se os EUA es­ti­verem re­cu­ando. Um de­sastre no tema das mu­danças cli­má­ticas. Mas, ao mesmo tempo, há re­sis­tên­cias. Do em­pre­sa­riado já com­pro­me­tido com as es­tra­té­gias verdes, de 300 em­presas que já fir­maram abaixo as­si­nado contra re­tro­cessos na po­lí­tica am­bi­ental e na adesão ao Acordo de Paris. E o es­tado da Ca­li­fornia, que sempre foi pi­o­neiro nas po­lí­ticas contra emis­sões de au­to­mó­veis, e com cerca de  40% da po­pu­lação, pode voltar a emitir normas que aca­ba­riam va­lendo na prá­tica para as mon­ta­doras na­ci­o­nais, como acon­teceu à época de Bush.
Cor­reio da Ci­da­dania: Na sua opi­nião, como o pró­ximo pre­si­dente dos EUA irá lidar com os países da Amé­rica La­tina? Quais po­derão ser as di­fe­renças de es­tra­tégia entre as ad­mi­nis­tra­ções Obama e Trump?

Scott Martin: Ima­gino um re­torno a um uni­la­te­ra­lismo agres­sivo. Um con­ge­la­mento, senão um re­tro­cesso, na nor­ma­li­zação com Cuba, em­bora eu es­pere que o Trump homem de ne­gó­cios vença o Trump homem da po­lí­tica nesse as­sunto. Di­reitos hu­manos e de­mo­cracia serão pre­o­cu­pa­ções menos pre­mentes senão ine­xis­tentes. Talvez haja corte nas verbas de ajuda ex­terna e de as­sis­tência (bi­la­teral e mul­ti­la­teral), dada a ten­dência iso­la­ci­o­nista. No tema guerra às drogas, a ten­dência é a per­ma­nência do quadro atual ou uma re­gressão se, de al­guma ma­neira, houver uma re­to­mada do mo­delo de com­bate ao ter­ro­rismo da gestão Bush filho, que as­socie nar­co­trá­fico com ter­ro­rismo.  E vamos ter ine­xo­ra­vel­mente um au­mento de gastos mi­li­tares, so­bre­tudo para po­lí­ticas “contra-ter­ro­ristas”.
Minha maior pre­o­cu­pação é no que toca as re­la­ções com o Mé­xico, o país que sigo de perto, para onde viajo fre­quen­te­mente e onde tenho re­la­ções fa­mi­li­ares. Minha es­posa é me­xi­cana e muitos fa­mi­li­ares vivem lá. Trump quer, si­mul­ta­ne­a­mente, ao menos do­brar o nú­mero de de­por­ta­ções para o Mé­xico, fe­char a fron­teira com um muro e, na re­ne­go­ci­ação do NAFTA, ex­trair grandes con­ces­sões do Mé­xico, já que o Ca­nadá afirmou a dis­po­sição de aceitar re­a­brir o NAFTA, o que deixa o Mé­xico sem es­colha. Isso po­deria gerar uma ex­plosão so­cial, com mi­lhões de pes­soas de volta ao país, cortes no mer­cado de tra­balho, onde mi­lhares de em­pregos de­pendem da in­te­gração com os EUA, sem poder mais contar com a imi­gração como uma “vál­vula se­gura” tra­di­ci­onal, con­forme ocorreu nas úl­timas dé­cadas, e que per­mitiu ao Mé­xico di­mi­nuir os custos so­ciais de uma con­ti­nuada e apro­fun­dada po­lí­tica econô­mica ne­o­li­beral.
Tudo isso com um pre­si­dente me­xi­cano de centro-di­reita que é ter­ri­vel­mente im­po­pular por conta de cor­rupção, de um pés­simo de­sem­penho em di­reitos hu­manos e in­ves­ti­ga­ções nas vi­o­la­ções dos mesmos (como no caso dos es­tu­dantes de­sa­pa­re­cidos), além também de sua pés­sima per­for­mance econô­mica, com re­formas como a pri­va­ti­zação do pe­tróleo, que não leva be­ne­fí­cios econô­micos para a mai­oria dos me­xi­canos.
O peso me­xi­cano (moeda do país) vem em queda livre desde as elei­ções, com todas essas pre­o­cu­pa­ções e in­cer­tezas. O Mé­xico apostou pe­sado em uma in­te­gração com os Es­tados Unidos desde os anos 80 e 90, o que agora pa­rece um co­lossal erro his­tó­rico. É uma pa­nela de pressão na fron­teira sul dos EUA.
Eu pre­digo (e es­pero) que o na­ci­o­na­lismo de es­querda, o MO­RENA e Lopez Obrador terão de agir juntos e ca­na­lizar todas as queixas nas pró­ximas elei­ções, de 2018. O povo me­xi­cano está can­sado do du­o­pólio con­ser­vador PRI-PAN no poder, e ainda ul­tra­jado pelo novo pre­si­dente dos EUA, que in­sultou a todos os me­xi­canos como um povo. Eu penso que a re­ação contra a di­reita es­ta­du­ni­dense, po­pu­lista e na­ci­o­na­lista, virá de uma es­querda me­xi­cana as­cen­dente, também po­pu­lista e na­ci­o­na­lista, mas es­pero que tenha uma na­tu­reza emi­nen­te­mente de­mo­crá­tica.
Isso pode ocorrer também no res­tante da re­gião? Não tenho cer­teza, uma vez que go­vernos ditos de es­querda im­plo­diram em seus países de­vido a di­versos erros re­la­ci­o­nados às suas formas de atuar (que es­pero que es­tejam prestes a cair na Ve­ne­zuela), se­guidos ainda do opor­tu­nismo da opo­sição e de ques­ti­o­ná­veis su­ces­sores de di­reita e centro di­reita. Mas, caso ocor­resse, seria uma re­en­trada para mo­vi­mentos anti-im­pe­ri­a­listas e na­ci­o­na­listas, que po­de­riam re­tornar en­quanto um agres­sivo Tio Sam mostra sua cara no­va­mente.
Fi­nal­mente, qual­quer me­lhora que tenha ha­vido na re­lação he­mis­fé­rica sob Obama pro­va­vel­mente não pros­se­guirá, e pode ser re­ver­tida.
Cor­reio da Ci­da­dania: Sobre essas ques­tões, como ficam as re­la­ções com a Rússia e Ori­ente Médio?

Scott Martin: Estou muito pre­o­cu­pado, por mo­tivos men­ci­o­nados an­te­ri­or­mente. Não é nada aus­pi­ciosa a con­ci­li­ação com um di­tador na­ci­o­na­lista de di­reita Na Rússia, que faz coisas ruins em casa, nas suas fron­teiras e na Síria, e que ainda po­deria fazer pior no Leste Eu­ropeu e no an­tigo im­pério So­vié­tico. Por exemplo, na Ucrânia e nos países bál­ticos
Pode haver uma recuo na be­li­ge­rância vis-à-vis ao Irã, que deve for­ta­lecer os mul­lahs, ame­açar a paz e Is­rael. Talvez as botas sejam tra­jadas nos campos de guerra no Iraque no­va­mente (volta de sol­dados ame­ri­canos em cena) e na luta contra o EI (Es­tado Is­lâ­mico). Pos­si­vel­mente ha­verá um mo­vi­mento para abraçar uma mo­nar­quia au­to­ri­tária sau­dita, que co­mete atos abo­mi­ná­veis no Iêmen e faz seus jogos com o islã ra­dical com seu fi­nan­ci­a­mento in­ter­na­ci­onal. Mas será pres­si­o­nado a tomar par­tido aberto contra o novo ini­migo de­cla­rado, o  “is­la­mismo ra­dical ter­ro­rista”. O ce­nário fi­cará mais com­pli­cado caso se tomem me­didas ex­tremas na po­lí­tica de imi­gração, como o re­gistro de mu­çul­manos ou ainda mai­ores res­tri­ções à en­trada de ci­da­dãos de países árabes para es­tu­darem ou fa­zerem tu­rismo ou ne­gó­cios.
O anti-paz Ne­tanyahu, que agiu de modo vil fa­lando contra Obama no Con­gresso, es­tará agora em­po­de­rado a re­sistir ao pro­cesso de paz, pro­teger e au­mentar as colô­nias e as­sen­ta­mentos is­ra­e­lenses em ter­ri­tório pa­les­tino. Ele co­me­morou a vi­tória de Trump e está ex­ta­siado. Com ne­nhuma es­pe­rança de paz, a in­ti­fada vai pro­va­vel­mente res­surgir nos pró­ximos anos. E Trump pro­va­vel­mente a de­nun­ciará como “ter­ro­rista”.
Cor­reio da Ci­da­dania: Houve al­gumas aná­lises na Amé­rica La­tina, es­pe­ci­al­mente no Brasil, des­ta­cando o fato de que a ad­mi­nis­tração Trump po­deria ser menos mi­li­ta­rista que seria a de Hil­lary Clinton, o que teria um im­pacto po­si­tivo não apenas em países como o Brasil, mas também no Ori­ente Médio. Como você res­pon­deria a esses co­men­tá­rios?

Scott Martin: Isso pode provar ser um pen­sa­mento ilu­sório. Cer­ta­mente, Hil­lary era mais agres­siva como Se­cre­tária de Es­tado do que Obama, e pro­va­vel­mente teria pres­si­o­nado por uma zona de ex­clusão aérea na Síria. Apoiou ainda a in­ter­venção na Líbia sem uma es­tra­tégia clara pós-Ka­dafi. Mas, sob Trump, é pro­vável uma es­ca­lada maior de gastos mi­li­tares, o que é ruim para o povo norte-ame­ri­cano e não pode ser bom para o mundo. Assim como deve haver mais uso da ajuda mi­litar bi­la­teral para sus­tentar aqueles que são tidos como ali­ados, não im­porta quão cor­ruptos ou an­ti­de­mo­crá­ticos.
Um país que eu sigo e para onde onde vi­ajei em  me­ados desse ano é a Etiópia. Um re­gime brutal en­volveu-se na re­pressão de um ano de pro­testos pa­cí­ficos es­pa­lhados pelo país. Agora, vê-se o co­meço de um es­tado de emer­gência, de­cla­rado mês pas­sado, que sus­pende todos os di­reitos, amor­daçou a im­prensa já cen­su­rada e blo­queou a In­ternet.
Os EUA e o Oci­dente, que ajudam e pro­movem um re­gime ad­mi­nis­trado por uma pe­quena mi­noria ét­nica como aliada do Oci­dente na pe­ri­gosa re­gião do Chifre da África, com­pac­tu­aram com essa re­pressão brutal do povo etíope. eles con­ti­nu­arão a per­se­guir tais po­lí­ticas de curto prazo e in­justas ​​sob Trump. Só tende a pi­orar. Esse é apenas um exemplo. A jus­ti­fi­ca­tiva será a "guerra ao terror", e tudo será visto através dessa lente. Penso que, ao final, os ins­tintos iso­la­ci­o­nistas para "re­cons­truir a Amé­rica" ​​e olhar para dentro serão trun­cados por im­pulsos mi­li­ta­ristas e uma ten­dência a ver o mundo nos termos do "nós contra eles" e a ver um ter­ro­rista atrás de cada con­flito, atrás de cada re­fu­giado.
Se olharmos para os po­ten­ciais Se­cre­tá­rios de Es­tado ini­ci­al­mente sob con­si­de­ração, esta é a ma­neira que eles veem o mundo. Eles apoi­aram a in­vasão do Iraque. Já um Mitt Romney seria di­fe­rente, se fosse o es­co­lhido. Se olharmos para cargos de As­sessor de Se­gu­rança Na­ci­onal (Flynn) e di­retor da CIA (Pompeo), há si­nais pre­o­cu­pantes quanto à pro­xi­mi­dade com a Rússia, o foco ex­clu­sivo no islã ra­dical como eixo da po­lí­tica ex­terna, a opo­sição ao tra­tado da anti-pro­li­fe­ração nu­clear com o Irã. Não vejo que hajam apren­dido as li­ções da in­vasão ao Iraque. Não estou di­zendo que os ne­o­cons estão com­ple­ta­mente de volta ao con­trole, como sob Bush filho, mas pa­rece que uni­la­te­ra­listas e mi­li­ta­ristas estão de volta sob Trump. É por isso que os ja­po­neses e os eu­ro­peus estão pro­fun­da­mente pre­o­cu­pados. Sobre  a ten­dência a aplacar a Rússia. Sobre o des­gaste de ali­anças sob o dis­farce de “re­par­tição de en­cargos”. Sobre a con­versa frouxa de que o mundo es­tará me­lhor lá fora com mais ali­ados dos EUA pos­suindo armas nu­cle­ares.
Meu senso é que há duas áreas mais pro­vá­veis ​​de con­fronto pe­ri­goso, onde a po­lí­tica dos EUA será tes­tada e pode con­tri­buir para re­sul­tados re­al­mente ruins para o mundo: a Co­réia do Norte e a China. A Co­réia do Norte tem cada vez mais a ca­pa­ci­dade de pro­jetar mís­seis nu­cle­ares para longe da Ásia, in­clu­sive contra os EUA. As san­ções não fun­ci­o­naram e ne­nhuma outra es­tra­tégia fun­ci­onou. Acho que pode haver uma forte ten­tação de Trump em tentar algo como o ataque con­ven­ci­onal de Is­rael contra o re­ator nu­clear do Iraque sob Saddam. Isso po­deria levar a uma po­ten­cial es­ca­lada de con­fron­tação nu­clear na Ásia, que pode acabar se es­pa­lhando para fora. Coisas pe­ri­gosas.
Na China, eu acho que te­remos cres­centes es­ca­ra­muças e ten­sões sobre o co­mércio in­ter­na­ci­onal e as li­nhas ma­rí­timas, como no mar da China do Sul, e ou­tras ques­tões re­la­tivas à China se afirmar como uma po­tência global sob o re­gime atual, en­quanto Trump afirma o poder dos EUA. A China pre­cisa ser con­tida e é uma ameaça para seus vi­zi­nhos asiá­ticos, além de cada vez mais re­pres­siva em casa. Mas eu du­vido que ha­verá uma po­lí­tica in­te­li­gente para lidar com isso sob a nova ad­mi­nis­tração.
Cor­reio da Ci­da­dania: Fi­nal­mente, a ad­mi­nis­tração Obama re­cebeu aná­lises muito con­tro­versas ao redor do pla­neta, al­gumas apon­tando suas li­mi­ta­ções em lidar com ques­tões so­ciais e ra­ciais in­ternas, en­quanto ou­tras ainda apon­taram uma não es­pe­rada e des­ne­ces­sária es­ca­lada de mi­li­ta­ri­zação. Tendo isto em mente, como avalia a ad­mi­nis­tração Obama em seus oito anos de du­ração?

Scott Martin: Dado o acordo com o Irã, a aber­tura a Cuba e os es­forços para  re­tirar tropas do Afe­ga­nistão e Iraque, acho que a crí­tica da mi­li­ta­ri­zação da po­lí­tica ex­terna é sem mé­ritos. No en­tanto, a ideia de que es­tá­vamos em uma "Amé­rica pós-ra­cial" com Obama foi sempre fan­tás­tica. Há li­mites no que um pre­si­dente pode fazer, e acre­dite que ele tentou, no con­trole de armas, na re­forma da jus­tiça cri­minal, de­nun­ci­ando o au­mento do abuso po­li­cial e as­sas­si­natos em todo o país, os quais o go­verno fe­deral não pode con­trolar di­re­ta­mente ou re­solver com muita fa­ci­li­dade. Ele sempre foi blo­queado pelo obs­tru­ci­o­nismo re­pu­bli­cano no Con­gresso e pelos li­mites do fe­de­ra­lismo, onde a mai­oria dos es­tados está nas mãos dos re­pu­bli­canos. Se ele re­forçou de­por­ta­ções de pes­soas com an­te­ce­dentes cri­mi­nais, isso foi feito pelo menos através do Es­tado de Di­reito e também em um es­forço para tentar abrir o ca­minho para a re­forma da imi­gração. E foi feito em con­co­mi­tância a mo­vi­mentos pa­ra­lelos, como a ordem exe­cu­tiva que deu a 800.000 pes­soas que vi­eram para os EUA como cri­anças um status legal tem­po­rário, até o pa­recer final do Con­gresso.
Apesar de um de­clínio no crime, e no crime vi­o­lento em es­pe­cial, a di­reita, seus meios de co­mu­ni­cação e os po­lí­ticos açoi­taram os medos do ci­dadão, de modo que muitos acre­di­tassem que o crime es­tava au­men­tando, de acordo com al­gumas pes­quisas. O “Black Lives Matter Mo­ve­ment” (mo­vi­mento de jo­vens as­so­ciado à causa negra) contra os as­sas­si­natos e bru­ta­li­dades da po­lícia foi de­mo­ni­zado pela di­reita (e talvez pu­desse aprender algo em tá­tica e re­tó­rica da co­mu­ni­dade tra­di­ci­onal de di­reitos civis).
Os imi­grantes foram con­fun­didos com cri­mi­nosos na nar­ra­tiva de di­reita que Trump pro­moveu, mas ou­tros também trou­xeram essa nar­ra­tiva antes dele. No en­tanto, Trump bateu in­sis­ten­te­mente nessa tecla. "O outro", que era negro, marrom, mu­çul­mano, la­tino, um imi­grante ou uma fe­mi­nista, foi re­tra­tado como uma ameaça. Para a se­gu­rança. Para "nossos tra­ba­lhos". Para o "nosso país". Para a mas­cu­li­ni­dade. Para o pri­vi­légio branco. Tudo isso de al­guma forma foi uma re­ação a todos os va­lores pro­gres­sistas que Obama e sua co­a­lizão re­pre­sentam. O ódio e a di­visão ga­nharam o dia. Mas a nar­ra­tiva de Trump in­cidiu também em uma ge­nuína questão econô­mica e so­cial, con­si­de­rando que os sa­lá­rios mé­dios nos EUA são hoje mais baixos do que nos anos 70.
E Hil­lary era uma men­sa­geira muito falha para tal com­bate, com os laços de Clinton com o NAFTA e Wall Street, seus grandes do­a­dores, seu ser­vidor de e-mail, a con­fusão do pú­blico com o pri­vado na Fun­dação Clinton quando ela es­tava no go­verno, a iden­ti­fi­cação dos Clin­tons com a des­re­gu­la­men­tação fi­nan­ceira e com po­lí­ticas de livre co­mércio que re­montam aos anos 90. Ela era o status quo em uma "eleição de mu­dança". Uma po­lí­tica de car­reira, ainda que ela tenha feito bas­tante coisa boas na sua tra­je­tória.
Bernie San­ders ex­plorou essa mesma es­pécie de an­si­e­dade econô­mica muito real, como fez Trump, afir­mando que Hil­lary não tinha uma boa men­sagem. Houve um de­bate sobre classe, glo­ba­li­zação, in­clusão e ex­clusão nessa eleição e a men­sagem de Trump ga­nhou o dia, com pes­soas su­fi­ci­entes para levar ao poder esta nova ge­ração de po­pu­lismo na­ci­o­na­lista de di­reita.
Ti­vemos tais fi­guras antes, mas nunca como pre­si­dente. Ele é muito pior, muito mais ame­a­çador em casa e pelo menos igual­mente ame­a­çador no ex­te­rior, com­pa­rado a Ge­orge W. Bush ou Re­agan ao che­garem ao cargo. Vi­vemos em tempos muito pe­ri­gosos, tanto neste país como em todo o mundo. Neste mo­mento, a ala di­reita se cre­den­ciou como “dona” do mo­vi­mento contra a glo­ba­li­zação, po­sição que antes per­tencia à es­querda. Agora, esse mo­vi­mento será di­re­ci­o­nado para seus pró­prios e la­men­tá­veis fins de di­visão e ex­clusão.

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