sexta-feira, 17 de junho de 2022

Brasil de Fato: "Puro suco de fascismo"

 


Brasil de Fato

17 de junho de 2022 

Puro suco de fascismo

Marielle Franco, Evaldo Rosa, João Alberto, João Pedro Mattos Pinto, Guilherme Guedes, Igor Rocha Ramos, Ágatha Vitória Sales Félix, 668 mil vítimas de Covid, Kathlen Romeu, Moïse Kabagambe, Genivaldo Santos, Bruno Pereira e Dom Phillips.

.Fascismo: manual do usuário. Os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips são uma dura lembrança de que o fascismo não é um meme de milícias digitais, uma conspiração terraplanista, nem simplesmente um ex-militar fanfarrão passeando em motociatas. A tragédia em que nos metemos, desde antes de 2018, é, como lembra Luiz Werneck Vianna, um projeto de capitalismo autoritário, que começa nos quarteirões da Faria Lima, que investe contra a população e o território para que garimpeiros, agronegócio e narcotraficantes enriqueçam com a ajuda de um Estado propositalmente ausente. Até o oligarca Elon Musk entrou no esquema, recebendo concessão do governo para mapear o território amazônico de graça. Inclui-se aqui a cumplicidade das Forças Armadas, que combina um discurso de medo da internacionalização da Amazônia, com a omissão diante de projetos de devastação. Não é exagero dizer que não haveria assassinato ou a ação ilegal na região não fosse o sucuateamento da FUNAI e o abandono de programas sociais. Aliás, justamente por enfrentar o garimpo que Bruno Pereira foi exonerado do órgão por Sérgio Moro, Onyx Lorenzoni e Ricardo Salles. O mesmo Estado que se retira das ações sociais, coloca o aparato policial e até a ABIN a serviço deste projeto, sem melindres em perseguir lideranças. Soma-se a isso, a ação das bancadas do boi, da bala, da bíblia e que se estende à madeira e ouro. A insensibilidade de Bolsonaro é só a aparência pública, ou a sinceridade, do fascismo. Assim como a ação de milícias digitais que não se envergonham em promover teorias fantasiosas sobre cidades perdidas na Amazônia, apenas para confundir algoritmos e ocultar as buscas sobre os assassinatos na internet. Um episódio doloroso para nos fazer lembrar que apertar duas teclas em 4 de outubro não será suficiente para acabar com o fascismo brasileiro.

.Entre quatro paredes de vidro. Fraco em seu desempenho, Bolsonaro mostra-se cansado, ressentido e com medo de perder as eleições. Aliados do Planalto também estão insatisfeitos com o chefe porque ele parece não ter forças para se recuperar do primeiro round de pesquisas eleitorais. E é justamente aí que mora o perigo. Um dos sinais do desespero foi o inusitado e constrangedor pedido de ajuda a Joe Biden. Outro é o troca-troca de parceiro, sugerindo Tereza Cristina no lugar de Braga Netto para o cargo de vice. O que tem lógica, pois mesmo que a farda blinde o capitão contra a possibilidade de um impeachment, é preciso se reeleger antes, e quem entende de voto é o centrão e o agronegócio, não os militares. Bolsonaro também receia brincar com algemas, ainda mais depois do que ocorreu com Jeanine Añez na Bolívia. Com tudo isso, já não se discute se haverá golpe, e sim “como será o golpe” no Brasil. O mais provável é algo ao estilo Capitólio: fake news em massa, contestação do resultado das urnas e mobilização de uma horda golpista, a começar pelo próximo 7 de setembro. A fantasia de Jair envolve ainda uma inversão de papéis: agora ele se diz vítima de um possível golpe do STF e do TSE! E nesta empreitada ele conta com aliados de peso: os militares e seu incansável mimimi de que são “desprestigiados” pelo TSE, levando o Tribunal à defensiva depois de mais uma contestação sobre o sistema de votação. Para dar contornos passionais ao caso, os bolsonaristas alimentam uma verdadeira fantasia em torno da figura de Alexandre de Moraes, incluindo uma suposta traição pessoal contra o capitão. A obsessão não é casual, mas premeditada, já que era sabido que Moraes assumiria a presidência do TSE neste ano. E vendo tantos movimentos indecentes, o centrão que nunca foi ingênuo resolveu participar de um ménage à trois: propôs uma PEC para reduzir o poder do STF, somando forças a Bolsonaro e transformando essa relação entre poderes num dois contra um.

.Acelerando para o iceberg. O aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, a maior alta desde 1994, com previsão de aumento da inflação e desemprego por lá, foi acompanhada pela décima primeira alta dos juros do Banco Central daqui. Os dois movimentos são reações aos sinais óbvios de que uma crise financeira internacional está a caminho. E até Elon Musk está avisando que, depois das ações de tecnologia e criptomoedas, a bolha imobiliária é a próxima a estourar novamente. Diante do desastre anunciado, o topo do PIB brasileiro prefere se agarrar às suas convicções: interesses de curto prazo, predação e rentismo do Estado, com nenhuma autonomia ou preocupação moral. Um lumpen empresariado, segundo Leonardo Avritzer. A mais recente expressão desta convicção parasitária é a política de internacionalização dos preços da Petrobras. É evidente que sem derrubar este mecanismo, não há como parar a máquina de inflação e desemprego e muito menos enfrentar a crise que se avizinha. Bolsonaro sabe disso, mas contenta-se em jogar palavras ao vento em suas lives. Prefere apostar na redução do ICMS dos combustíveis, medida que além de ineficiente, apenas retarda a bomba econômica. Mas para o governo, o importante é jogar a culpa nos governadores. E se tudo der errado no final, o culpado será o Congresso que descaracterizou a proposta genial de Paulo Guedes. Enquanto isso, a Faria Lima não apenas mantém a cantilena dos preços internacionais, como sonha com a privatização da Petrobras, enquanto chora horrorizada com as propostas econômicas da candidatura Lula. E, justamente, o que as pesquisas de intenção de voto têm demonstrado, além do favoritismo do petista, é uma clivagem muito nítida: os pobres preferem Lula, os ricos -publicamente ou não - são Bolsonaro. As eleições de outubro serão plebiscitárias sobre o governo, mas serão também para decidir que projeto econômico o país vai escolher.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.A BBC Brasil relembra a trajetória de Bruno Pereira e como ele ganhou a confiança e o respeito dos povos indígenas e Nayara Felizardo relata no Intercept o que aprendeu com Dom Phillips.

.Volkswagen do Brasil encara seu passado sombrio na Amazônia. Conheça a aliança entre os militares e as corporações internacionais que há meio século faz da Amazônia uma terra sem lei. No DW Brasil.

.Teoria de Freud que antecipou ascensão de Hitler se liga perigosamente com Brasil de 2022. O pai da psicanálise desvendou que o fascismo mobiliza processos irracionais, inconscientes e regressivos. Veja porque isso vale para o Brasil de hoje. Por Carlos Russo Jr, no Opera Mundi.

.As novas fábricas do capitalismo. Entrevista com o pesquisador Moritz Altenried discute como a digitalização se fundiu com a indústria e o que é o Taylorismo digital.

.'A favela venceu'. Mas e os favelados? No Intercept, Fabiana Moraes questiona a exaltação da ascensão social apenas pelo consumo.

.Carta para Anitta: quem tem medo de você? O jornalista Jamil Chade escreve sobre o papel da arte no combate às ditaduras a partir do exemplo da cantora Anitta.

.WikiFavelas: Slam, a voz insubmissa das quebradas. Marcos Lopes Campos fala sobre os múltiplos significados do Slam como forma de resistência da juventude periférica. No Outras Palavras.

.Eles estão com medo. No UOL, um registro da passagem do fotógrafo Sebastião Salgado no Vale do Javari e com os índios Korubo em 2017.

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

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