Foxconn: um conflito mal gerido com resultados desastrosos
Depois de milhares de trabalhadores no mês passado terem fugido das condições inseguras na fábrica Foxconn em Zhengzhou, província de Henan, o maior fornecedor de iPhones da Apple assiste a protestos contínuos de trabalhadores que mais uma vez perturbam a produção à custa da saúde e segurança dos trabalhadores.
A fuga dos trabalhadores e os recentes protestos, ambos ocorridos durante a época alta de produção, têm tido reflexos negativos para todos os interessados: trabalhadores, Foxconn, Apple, e autoridades da China. Após a primeira vaga de trabalhadores ter fugido em outubro, a Apple anunciou que a produção do iPhone 14 seria adiada, e o governo local de Henan juntou-se à Foxconn para lançar uma tentativa de recrutamento em novembro para compensar a falta de mão-de-obra.
Aos trabalhadores recém-recrutados foram oferecidos bónus, mas as suas expectativas na fábrica não foram satisfeitas. A 23 de novembro, começaram a protestar sobre os salários e a saúde e segurança no âmbito do sistema de produção em circuito fechado, à medida que os casos Covid-19 aumentavam dentro da fábrica e da cidade de Zhengzhou.
Cronologia dos protestos dos trabalhadores da Foxconn em Zhengzhou
13 outubro
Os casos de covid-19 na cidade de Zhengzhou, na província de Henan, começam a aumentar. A Foxconn, fornecedora da Apple, implementa um sistema de produção em circuito fechado para manter o fabrico de iPhones durante a época alta. Os trabalhadores são proibidos de sair da fábrica e devem ficar nas camaratas quando não estão a trabalhar, incluindo para tomarem refeições, além de serem repetidamente submetidos a testes PCR.
24 a 27 outubro
As regras de testagem PCR e isolamento mudam e os casos de covid-19 na fábrica aumentam. Faltam locais de isolamento, trabalhadores com teste positivo e negativo misturam-se e há falta de mantimentos na fábrica. Os trabalhadores fazem soar o alarme ao partilharem online as suas histórias. A Foxconn insiste que a produção está normalizada.
28 a 31 de outubro
Muitos trabalhadores querem sair do sistema em circuito fechado, mas as políticas chinesas do zero-covid restrigem o uso de transportes públicos. Então, durante vários dias, milhares de trabalhadores escapam à segurança da fábrica e fogem a pé. Os cidadãos das zonas próximas fornecem-lhes ajuda.
1 novembro
A Foxconn emite um aviso para "regressar gradualmente à produção normal" e oferece aos trabalhadores um bónus de presença de 400 yuans [53,67 euros] por dia, acrescido de 15 mil yuans [2012 euros] para os que tenham presença sem faltas durante todo o mês de novembro.
7 novembro
A Apple anuncia que os envios do iPhone 14 serão atrasados e o stock será mais baixo por causa da situação na Foxconn de Zhengzhou. Nessa declaração, a Appe promete "assegurar tanto a saúde dos trabalhadores como a produção em segurança".
17 novembro
O governo da província de Henan lançou uma campanha de recrutamentos em nome da Foxconn para aliviar a falta de mão-de-obra. Até este dia a Foxconn recebeu 100 mil candidaturas de emprego.
23 novembro
Os trabalhadores começam a protestar na fábrica da Foxconn. Imagens em vídeo mostram trabalhadores a confrontarem polícias vestidos com equipamento protetor branco e a polícia a regressar com gás lacrimogéneo, canhões de água e outros meios físicos de repressão. Alguns trabahadores ficam feridos e a polícia faz detenções. De acordo com testemunhos publicados online, os trabalhadores protestam contra o salário e as condições de segurança na fábria. Em primeiro lugar, dizem que depois de os testes PCR acusarem positivo, não foram retirados da produção nem isolados, o que significa que trabalhadores com teste positivo e negativo estiveram em contacto neste sistema de produção em circuito fechado. Em segundo lugar, os novos trabalhadores que entraram por causa dos bónus descobriram que iam ganhar menos do que lhes foi prometido no recrutamento.
24 novembro
Os protestos continuam e a Foxconn promete agora dar aos novos trabalhadores que queiram deixar a fábrica um subsídio de 10 mil yuan [1.340 euros].
A 24 de novembro, a Foxconn emitiu uma declaração atribuindo o problema salarial a um "erro técnico". No mesmo dia, a Foxconn acabou por oferecer aos trabalhadores recém-recrutados pacotes de despedimento de 10.000 yuan cada um, em vez de arrsicar a escalada dos protestos.
O conflito laboral na Foxconn foi mal gerido, e o resultado tem sido um desastre contínuo para todos. O ciclo laboral ilógico ignora as soluções fundamentais para as relações pacíficas entre a gestão laboral e as questões da cadeia de abastecimento: ouvir as vozes dos trabalhadores, negociar com os trabalhadores soluções laborais razoáveis e responsáveis, e melhorar as condições de trabalho a contento de todas as partes.
Na realidade, as partes interessadas estão todas em sintonia, com os trabalhadores a quererem trabalhar e ser pagos, a Foxconn a precisar de cumprir as metas de produção, o governo a querer uma economia estável, e a Apple a ser capaz de fazer chegar os produtos aos seus consumidores em todo o mundo. Os consumidores também esperam cada vez mais que os seus produtos sejam feitos em condições humanas e por salários decentes.
A situação em curso revela também que, independentemente dos salários e subsídios oferecidos, os trabalhadores têm uma linha vermelha no que toca às condições de trabalho seguras e decentes. Em vez de dar resposta aos problemas dos testes e isolamento no sistema de gestão em circuito fechado após a primeira vaga de trabalhadores que fugiram, novos trabalhadores entraram e depararam-se com sistemas de prevenção da pandemia igualmente inadequados.
A ausência do sindicato oficial da China nas lutas dos trabalhadores também não pode ser ignorada. A Federação dos Sindicatos da China é responsável, particularmente ao abrigo da Lei de Segurança no Trabalho recentemente alterada, por organizar os trabalhadores da linha da frente para identificar e levantar a questão dos riscos para a saúde e segurança antes de ocorrerem acidentes.
A 27 de outubro, o China Labour Bulletin contactou os sindicatos locais relevantes em Zhengzhou e descobriu que eles estavam ausentes na comunidade a verificar os códigos de saúde dos residentes, em vez de organizar os trabalhadores da Foxconn para negociar condições de trabalho mais seguras. Isto é uma abdicação do seu mandato, e o sindicato deve ser responsabilizado.
No atual status quo, os trabalhadores da China não têm o poder coletivo de negociar com a direção para resolver tais problemas, e não se pode esperar que a administração da empresa atue contra os seus interesses financeiros e alerte as corporações e as marcas para ajudar a resolver os problemas. Só os trabalhadores na linha da frente da produção sabem que tipo de ambiente de trabalho e tratamento esperam, e sem um sindicato para compreender e representar os seus interesses, as suas vozes continuarão a ser secundarizadas em favor do capital.
No entanto, se o governo e os sindicatos tomarem a iniciativa de resolver problemas fundamentais na fonte, os conflitos futuros - que são inevitáveis - poderão ser resolvidos mais cedo através de negociações coletivas.
Artigo publicado em China Labour Bulletin. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net.
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