domingo, 27 de novembro de 2022

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Sábado, 26 de novembro de 2022Acampamentos criam mosaico de um golpe

Extremistas em Brasília são estruturados, organizados e, claro, financiados.

Ninguém aguenta mais falar de Jair Bolsonaro. Nem seus filhos estão falando dele. Desde que foi derrotado pela população nas urnas, o capitão que nunca pegou firme no batente agora sequer disfarça. Ele se recusa a trabalhar, passando os dias escondido no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente. Mas, ainda assim, está vivo um movimento golpista no Brasil. Em todas as regiões do país, há quase um mês existem acampamentos que estimulam abertamente uma ação das Forças Armadas para melar a posse de Lula e reconduzir Bolsonaro ao cargo ilegalmente.Além de gerarem memes (divertidos, é verdade), esses manifestantes são estruturados, organizados, financiados direta e indiretamente por grupos bolsonaristas. O que vemos no Brasil pós-eleição é a montagem em tempo real de um mosaico com diferentes peças da extrema direita, dando sequência às teses golpistas que Bolsonaro professou por quatro anos. No mesmo balaio, surgem casos que se assemelham a ataques terroristas domésticos e cruéis, como o pai que se desesperou ao ser impedido de levar o filho a uma cirurgia para não ficar cego.Assim como fez o advogado de Bolsonaro Frederick Wassef na última semana, fui circular pelo acampamento junto aos golpistas. Na tarde de quarta-feira, dia 23, vi melhor as estruturas dos milhares de cidadãos que ocupam uma área militar em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília. A maior parte das faixas clamam, literalmente, por um golpe das Forças Armadas, e não por uma resposta de Bolsonaro, propriamente. Passam a impressão de que os atos são espontâneos, alimentados pelo clamor popular e em defesa da pátria (seja lá o que eles entendem por isso), e não voltados para um projeto de poder político.Mas é preciso ser muito ingênuo – ou mau caráter – para crer no altruísmo dos golpistas. Qualquer pessoa que junte amigos para ver os jogos do Brasil na Copa sabe que até para comprar coxinha e guaraná é necessário ter certa dose de organização e financiamento. Imagine manter viva uma manifestação que se arrasta por quase um mês na rua, sob chuva e sob sol.A começar pelo local da manifestação, os extremistas já saem ganhando. A bagunça em Brasília acontece tranquilamente em uma área cuja administração cabe ao Exército – que, por sua vez, não se incomoda com o uso do espaço e permite que os atos prossigam. A mesma força que formou o indisciplinado e reformado capitão Jair Bolsonaro abriga o militar Andriely Cirino. Na ativa e cedido para trabalhar no gabinete da Presidência da República, ele estimula a continuação dos atos inconstitucionais, como denunciamos em reportagem.Outro político que fez a vida dentro do quartel é o general da reserva Braga Netto, candidato a vice-presidente derrotado com Bolsonaro. Na semana passada, ele se encontrou com apoiadores do presidente para, num tom camarada, tranquilizá-los de que, apesar do sumiço, Bolsonaro “está bem” e pedir para os golpistas “não perderem a fé”.A simpática mensagem de fé do general no Alvorada foi gravada em vídeo e se alastrou rapidamente em dezenas de grupos golpistas. Para os radicais, o pouco que ele falou foi entendido como um sinal verde para manter as manifestações e um reconhecimento de que não lutam sozinhos.Braga Netto, como revelou reportagem do Metrópoles, se reúne no comitê da campanha presidencial com apoiadores bolsonaristas para discutir maneiras de questionar o resultado das eleições. Assim como Frederick Wassef, ele é interlocutor direto de Bolsonaro com os manifestantes e mede as palavras para reacender o fervor dos extremistas, sem dar muitos detalhes do estado do presidente.Nos grupos de Telegram em que correm as orientações, há paranoia e coordenação. Paranoia, por exemplo, em supor que Lula está com câncer e pode morrer a qualquer momento (uma mentira). E coordenação para disseminar o vídeo de Braga Netto pedindo fé e viralizar mensagens alertando que o mensaleiro Valdemar da Costa Neto, presidente do partido de Bolsonaro, levaria ao Tribunal Superior Eleitoral questionamentos sobre as urnas.Entre os setores econômicos, o único que faz questão de ressaltar que está presente na campanha golpista é o agro. Há dezenas de faixas pró-agro e pró-golpe de estados do Centro-Oeste, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.Naquela quarta-feira, encontrei algumas centenas de barracas e pelo menos uma centena de caminhões estacionados ao lado do Quartel General do Exército, além de algumas carretas espalhadas pelas ruas, que percorriam o Setor Militar Urbano. Presenciei, por cerca de 10 minutos, os caminhoneiros buzinando ininterruptamente em frente aos manifestantes que se reuniam para tremular bandeiras. A cena lembrava uma celebração religiosa, uníssona e messiânica.Quando a barulheira terminou, os manifestantes atravessaram bovinamente a rua da Praça Duque de Caxias, onde fica o QG do Exército, de volta para o acampamento na Praça dos Cristais. A vida ali é monótona. Boa parte das pessoas fica conversando, sentada em cadeiras de praia olhando para o QG à sombra de guarda-sóis, ou vagando à toa pelo gramado. Percebi a organização em sinais banais, como a limpeza dos banheiros químicos, feita por três mulheres com rodos, vassouras e produtos químicos. Ali ao lado, uma caminhonete descarregava três sacolas com pães franceses, cada uma com cerca de 60 pães. Entre as centenas de barracas, há desde estruturas rígidas, com mais de dois metros de altura e pilastras metálicas, até as mais simples, improvisadas com lonas e cordas por entre as árvores. Na vila golpista, há lugares para banheiros químicos, cozinha comunitária, atendimento médico e farmácia. Nas trincheiras golpistas, cabem inclusive cultos evangélicos, como vi em alguns vídeos.Ouvi relatos de uma amiga de que moradores de bairros próximos ao acampamento, como o Cruzeiro, oferecem a casa para manifestantes tomarem banho regularmente. Cada um ajuda como pode e faz de tudo para parecer que existe, de fato, uma grande união espontânea.Todos os elementos do bolsonarismo estão reunidos nessas manifestações e se movimentam com foco golpista. Até mesmo os “médicos pela vida”, que trabalhavam contra a vacina, mudaram o nome do seu grupo no Telegram, com 124 mil participantes, para “SOS Forças Armadas”.Na quinta-feira, dia 24, pedi por e-mail informações ao Ministério da Defesa, ao Exército e à administração do Setor Militar Urbano sobre o uso do espaço militar para manifestações golpistas. Não se manifestaram.Os caminhoneiros foram os primeiros a sentir o valor da lei, sendo multados pelo bloqueio ilegal das estradas. Os grupos ligados ao agro vieram na sequência, com contas bancárias bloqueadas por decisão do TSE. A medida mais recente foi contra o partido de Bolsonaro, o PL, condenado a pagar R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé, ou seja, por ter acionado a Justiça de forma irresponsável. A ideia de mosaico serve justamente para ilustrar essa figura golpista que está sendo construída no Brasil. Todos esses cacos coloridos podem parecer peças soltas, mas, observados à distância correta, revelam o rosto disso tudo: Jair Bolsonaro.

Guilherme MazieiroRepórter Contribuinte

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