sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

RELIGIÃO - Para parte da nossa direita, o Papa é comunista.


Católicos conservadores idolatram Trump e atacam Francisco abertamente


Cartazes em Roma: campanha aberta contra o Papa
Grupos católicos conservadores ao redor do mundo realizam um movimento significativo: idolatram o agora presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enquanto aprofundam seus ataques indiretos e diretos ao Papa Francisco, com virulência cada dia maior. Para isso, utilizam publicações, sites, blogs, numa rede que reúne leigos, leigas e clérigos. A Igreja, na concepção deles, fala pela voz do cardeal que se apresenta como face pública da oposição, Raymond Burke.

Trump com Salvini, o líder da xenófoba Liga Norte, os interlocutores de Burke e dos “contra”
Nos últimos dias, os “contra” realizaram dois movimentos significativos, um que explicita ainda mais sua oposição pública e agressiva contra Francisco e outro que indica uma articulação destes grupos com a extrema direita alinhada a Trump na Europa: 1) pregaram cartazes ofensivos ao Papa em vários bairros de Roma, de maneira clandestina, mas cujo conteúdo de ataques a recentes decisões do Papa na Ordem de Malta e contra a corrupção em institutos e católicos; 2) o cardeal Burke manteve na última quinta (2) uma discreta e longa reunião com Matteo Salvini, líder da Liga Norte, partido de extrema direita xenófobo italiano, que antagoniza-se abertamente com o Papa e é um dos aliados preferenciais de Trump na Europa.
O júbilo destes grupos com a eleição de Trump está vinculado a dois eixos do novo governo:
  • “Defesa da vida” – sob esta expressão que é chave para o governo Trump e os conservadores cristãos está toda a gama de pensamento e iniciativas de fundo “moralizador”, como a negação ao direito de as mulheres poderem abortar; a defesa da mulher “bela, recatada e do lar”; discriminação agressiva contra qualquer relação homoafetiva e negação dos direitos das pessoas homossexuais, bissexuais, transexuais, transgêneros e travestis; censura a qualquer iniciativa educacional que não veículos os valores de uma suposta “moral cristã”.
  • Supremacia cristã contra “infiéis”, um dos bordões de Trump. Esta bandeira tem levado tais grupos a manifestarem apoio  às medidas do republicano contra os refugiados. A reunião de Burke com Salvini indica uma adesão pública e uma articulação política cada vez maior destes grupos com os políticos de direita xenófobos. A lógica da “supremacia cristã” representa um deslocamento amplo dos conservadores católicos que, com a perda de espaço da Igreja ao longo da segunda metade do século XX, estão aos poucos abandonando o projeto de hegemonia católica, hoje completamente irrealizável, e substituindo pela ideia da hegemonia “cristã” em aliança com os evangélicos fundamentalistas, tendo como plataforma comum a cruzada moralizadora e discriminatória. É curioso que os conservadores defendem o “ecumenismo moralizador” sob a liderança do presbiteriano Trump enquanto hostilizam as iniciativas ecumênicas de Francisco na direção dos luteranos, por exemplo, considerando-as como uma  “rendição” ao pensamento de Lutero.

A mais recente onda de euforia com Trump deveu-se ao anúncio do nome de Neil Gorsuch para a Suprema Corte dos EUA. “Trump nomeia o pró-vida Trump Neil Gorsuch para a Suprema Corte” – esta foi a manchete do site do site católico ultraconservador estadunidense LifeSiteNews (algo como “site de notícias sobre a vida”) cujo moto é uma campanha continuada e feroz contra o direito ao aborto e todo elenco de bandeiras moralizadoras. A manchete deu o tom da cobertura de todos os sites conservadores católicos,  e encontrou sua versão “tropicalizada” numa campanha de assinaturas lançada por conservadores a favor da indicação ao STF de Ives Gandra Martins Filho, atual presidente do TST e membro da Opus Dei, afinal derrotado por pelo ministro da Justiça de extrema direita, Alexandre de Moraes. Um dos líderes da campanha pró Gandra foi o padre ultraconservador Paulo Ricardo –que tem mais de 1,3 milhão de seguidores no Facebook- que espalhou um texto “recorta-e-cola” inspirado na campanha de Trump: “Ives Gandra Filho parece ostentar apenas um ‘defeito’: pensar como a maioria dos brasileiros pensa. Sim, porque, independentemente da religião a que pertençam, a verdade é que a maior parte dos brasileiros é contrária ao aborto, é contrária ao divórcio, é contrária ao casamento gay, ao mesmo tempo em que é a favor da vida, a favor da família e a favor do casamento monogâmico natural. Com a nomeação de Ives Gandra para o Supremo, finalmente teríamos, na mais alta instância do Poder Judiciário, um ministro de identidade cristã, capaz de falar diretamente aos cidadãos de bem de nosso país.”
A adesão dos grupos católicos conservadores a Trump cresceu desde sua vitória em novembro e chegou à beira da idolatria a partir da posse em janeiro.  “Seremos protegidos por Deus”, este trecho do discurso Trump foi o escolhido pelo site espanhol InfoCatólica para título da reportagem sobre a posse do novo presidente e todo vazado em torno das referências a Deus e ao desejo de supremacia americana (branca e cristã) e deu o tom da cobertura dessas mídias ao redor do mundo. A celebração destes grupos  tem a mesma lógica dos evangélicos fundamentalistas nos EUA e mundo adentro: “Deus está no poder”. Pode parecer espantoso, mas foram estes os termos usados no editorial assinado por Steve Jalsevac, fundador e presidente do LifeSiteNews sobre a posse do republicano: “Trump traz Deus de volta ao governo federal após longa ausência”; no Brasil, o padre Augusto Bezerra, um dos braços direitos do arcebispo do Rio, Orani Tempesta, comemorou  assim em sua página no Facebook e no seu blog: “Cristãos de volta ao topo da pirâmide internacional para desfazer o trabalho sujo do materialismo ateu e de toda espécie progressista”.

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