As notícias dos últimos dias são estarrecedoras. Nas redes sociais, abundam os desabafos sobre a sensação de que, no Brasil de hoje, não há espaço para quem tenta proteger o que nos resta de país.
Bruno Pereira e Dom Phillips estavam entre os que discordavam do garimpo ilegal e do desrespeito aos povos originários e à floresta e trabalhavam para impedir que o garimpo avançasse sobre as populações indígenas.
A reação ao caso, no entanto, mostra que o Brasil que não aceita a violência é muito maior do que o representado pelos que hoje ocupam o poder. Por enquanto, fica a pergunta: quem mandou matar Bruno e Dom?
Mas essa newsletter é muito mais uma homenagem a Bruno, Dom e todas as outras pessoas que lutam em defesa da floresta (e vários outros também já tombaram no caminho, como você pode ver aqui), e por isso viemos contar um pouco da história deles.
“Um grande guerreiro que luta como um indígena Kanamari”
Você talvez tenha visto nas redes sociais um vídeo curto de Bruno Pereira sentado ao pé de uma árvore no meio da floresta cantando um canto tradicional do povo Kanamari. Não é de hoje que o indigenista andava pela região do Vale do Javari, no Amazonas, e convivia com os povos indígenas da região.
Falante de quatro línguas indígenas, Bruno conhecia a região como a palma da mão. Nos últimos 11 anos, realizou mais de 10 longas expedições pelos territórios e participou de situações de contato com grupos isolados.
Durante alguns dos muitos anos em que trabalhou na Funai, Bruno foi coordenador no Vale do Javari, onde conquistou a confiança de povos como os Kanamari, os Korubo, os Marubo e os Matis.
Participou de operações contra o garimpo ilegal, inclusive uma, em 2019, que terminou com a destruição de 60 balsas. Para o governo federal, aliado dos garimpeiros, Bruno havia “passado dos limites”. Infiltrados na Funai, ruralistas exigiram sua substituição.
A pressão partiu principalmente de parlamentares ligados ao agronegócio do Mato Grosso. O indigenista era considerado um entrave à exploração ilegal de madeira na Terra Indígena Piripkura (MT), que estava sob restrição de uso. Sua exoneração do cargo de chefia foi assinada pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro.
Sem respaldo, Bruno percebeu que a única maneira de ajudar a proteger os indígenas seria atuar fora da Funai, o que fez na União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Relatos detalhados dos crimes ambientais flagrados por Bruno - e também das ameaças de morte - eram repassados à Funai, ao Ministério Público Federal, à Polícia Federal e ao governo do Amazonas. Autoridades federais e estaduais sabiam, portanto, do risco corrido pelos envolvidos.
“Amazônia sua linda”
Ao adentrar a mata pela última vez em sua viagem ao Vale do Javari, o jornalista britânico Dom Phillips buscava uma resposta para a pergunta: como salvar a Amazônia? Esse era o título de um livro que ele escrevia com a intenção de contribuir com ideias para solucionar os conflitos na Amazônia.
Como correspondente do jornal britânico The Guardian, Dom Phillips apresentou ao mundo uma Amazônia desconhecida pela maioria e reportou nuances de questões socioambientais complexas.
O jornalista vivia no Brasil há 15 anos e foi um dos principais profissionais da imprensa internacional a reportar o avanço dos crimes ambientais na Amazônia sob o governo Bolsonaro.
Cara a cara com Bolsonaro, questionou o presidente sobre a Amazônia durante uma entrevista coletiva em 2019. “Como o senhor presidente pretende convencer o mundo que o governo tem uma preocupação séria com a conservação da Amazônia?”, perguntou. Em tom ríspido, Bolsonaro respondeu: “Primeiro você tem que entender que a Amazônia é do Brasil, não é de vocês”.
Cinco dias antes de embarcar na última expedição no Javari, Phillips se despediu dos seguidores nas redes sociais com a mensagem: “Amazônia, sua linda”.
O conflito no Vale do Javari era um interesse comum de Phillips e Bruno Pereira. Em 2018, já haviam feito uma viagem de 17 dias pela Terra Indígena, relatada em uma reportagem dele ao The Guardian.
Phillips denunciou o avanço do crime ambiental, mas sem defender soluções punitivistas. Pelo contrário, considerava que a vulnerabilidade socioeconômica empurrava a população para atividades que degradam a floresta.
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