sexta-feira, 15 de julho de 2022

Como um bom cemitério, tudo está em paz.

 


15 de Julho de 2022 

Como um bom cemitério, tudo está em paz

Olá, sem votos, Bolsonaro só pode vencer pela força. E quando a política se reduz a uma questão de força, a razão sempre acaba do lado do vencedor. Leia esta edição ao som de Emicida.

.O vôo do abutre. Quando Bolsonaro se elegeu em 2018, muitos viam uma grave ameaça à militância de esquerda. Alguns chegaram a deixar o país, mas as piores projeções não se confirmaram de imediato. Quatro anos depois, o assassinato de Marcelo Arruda, ex-tesoureiro do PT de Foz do Iguaçu, mostra que a profecia pode estar apenas atrasada. A pergunta que todos fazem é se este acontecimento é parte de um plano golpista de Bolsonaro. Até João Dória acha que sim. Para Camilo Aggio, o sucesso de uma aventura deste tipo dependeria da capacidade de Bolsonaro cooptar os policiais, assim como fez com militares e colecionadores de armas. O problema é que, apesar de já haver uma cultura policial que enxerga a esquerda, o judiciário e a mídia como inimigos, nem todos são bolsonaristas. E, segundo o vereador do PT e policial civil Leonel Radde, a adesão a Bolsonaro está caindo dentro da corporação. Porém, a insegurança também ronda os policiais progressistas,  taxados de “traidores” por seus colegas. Ainda assim, o assassinato de Arruda seria uma demonstração de força e radicalização de uma minoria. Não estaria descartada também a possibilidade de uma nova “facada” cenográfica, como indicam os recentes movimentos da campanha de Bolsonaro e da PM do Rio de Janeiro, completando um quadro de instabilidade endêmica em direção à ruptura. Já o cientista político Cláudio Couto não vê a possibilidade de um golpe coordenado, mas acredita que a onda de violência irá se aprofundar. Seja como for, mesmo sem o apoio do Tio Sam ou de seu próprio partido para uma aventura golpista, Bolsonaro deve seguir apostando na instabilidade e plantando o medo na esquerda. Ele ainda conta com o oportunismo da grande mídia e de lideranças políticas como Rodrigo Pacheco e Ciro Gomes, que falam em “polarização”, igualando bolsonaristas e petistas.

.Ligando o desfibrilador. Quem tem um amigo como Arthur Lira tem tudo. Depois de uma semana de impasses, a PEC que permite aumentar o repasse de recursos para a política social às vésperas das eleições foi aprovada no Congresso. O que não quer dizer que o tema seja unanimidade, como revelam os apelidos “PEC Kamikaze”, “das bondades”, “dos benefícios” e “do desespero”, a depender do gosto do freguês. O processo contou com uma pitada de mistério: uma suspeita de sabotagem no sistema de votação da Câmara. Seria um balão de ensaio para plantar a desconfiança sobre o sistema eleitoral em outubro? Difícil saber, mas não é de se duvidar. É óbvio que a PEC foi uma medida desesperada para dar sobrevida à candidatura de Bolsonaro. Mas ela dificilmente será capaz de fazer milagre, avalia o senador petista Humberto Costa. Até porque a popularidade do capitão despencou na principal região eleitoral do país, o sudeste, passando de 53% dos votos no primeiro turno de 2018 para os atuais 34% das intenções de voto. O mesmo ocorre no eleitorado paulista, onde agora o antibolsonarismo supera o antipetismo. Isso sem considerar que as medidas previstas pela PEC são tardias e insuficientes e, para os mais pobres, devem ser corroídas pela inflação dos alimentos, enquanto faltam medicamentos básicos no SUS. Ou seja, assim como ocorreu com a promessa de redução no preço dos combustíveis, a expectativa deve ficar aquém da realidade. Além disso, das sete medidas embutidas na PEC, quatro ainda dependerão de regulamentação futura para serem implementadas. A única certeza é que o esforço de Arthur Lira só fez aumentar a dívida do governo com o centrão, embora a verdade seja que o Congresso tem suas próprias pautas. Afinal, além de derrubar o veto de Bolsonaro sobre a compensação do ICMS dos governadores, o Congresso também alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias, tornando ainda menos transparente o orçamento público e garantindo vida longa do poder do centrão.

.Pre-pa-ra. A PEC de Lira e Bolsonaro e o assassinato do petista no Paraná podem ter um efeito ainda mais surpreendente: derrubar de cima do muro a parte do PIB que ainda não havia escolhido um dos lados na eleição. Vale ler o depoimento do ex-banqueiro Paulo Dalla Nora Macedo sobre como a elite financeira compartilha os mesmos valores que o bolsonarismo. E talvez tenha sido mais a perda do teto de gastos do que de vidas humanas que pesou nas decisões. Mas o fato é que a Faria Lima ficou horrorizada e panfletou o quanto pôde contra a PEC. E se Bolsonaro tratar a crise econômica global que se aproxima como tratou a pandemia, faltarão aviões para fugir para Miami. Por isso, Lula foi recebido com sorrisos na mesma FIESP que há seis anos inflou patos na avenida Paulista. Lá, o petista repetiu o mesmo discurso da entrevista do Financial Times: a economia no seu governo terá credibilidade, previsibilidade e estabilidade. Enquanto isso, os petistas calculam qual regra fiscal apresentarão para o mercado para substituir o teto de gastos. Mesmo na fortaleza bolsonarista que é o agronegócio, Lula parece criar fissuras. E o encontro de Lula com Rodrigo Pacheco revela que o petista está de olho na campanha, contando com o senador no seu palanque em Minas, na posse, reconhecendo o resultado das eleições, e num eventual futuro governo. O movimento inclui a busca de apoio do PSD e do MDB para garantir os 190 deputados que o PT calcula que precisa para governar com tranquilidade. Como se tudo isso não fosse suficiente, Lula ainda ganhou uma cabo eleitoral com mais seguidores do que a população da França.

.Ponto Final: nossas recomendações.

A utopia, a história e o desafio de governar. No A Terra é Redonda, José Luís Fiori mostra como a esquerda latino-americana precisa enfrentar um velho desafio: administrar a economia capitalista enquanto aponta sua superação. 

.10 anos do Código Florestal: retrocessos e pouco a comemorar. Raul Valle escreve sobre os dez anos da grande vitória da bancada ruralista, o código florestal, e como ele abriu caminho para um maior desmatamento da Amazônia.

.Mega vazamento revela esquema da Uber para manipular leis com a ajuda de políticos influentes na Europa e nos EUA. O GGN repercute as denúncias de como o Uber cresceu com práticas condenáveis e o apoio de Emmanuel Macron e Joe Biden.

.Meritocracia para quem? A interseção entre renda, raça e desempenho no Enem. A partir de dados do INEP, pesquisa mostra como a corrida para ingressar no ensino superior no Brasil é extremamente injusta. No Nexo.

.Preconceito científico, racismo genético e o capitalismo. No Diplô Brasil, veja como o uso de informações genéticas pode se converter numa forma de racismo e hierarquização social.

 

.Atlas Network e Institutos Liberais. No podcast Chutando a Escada, o professor Luan Correa Brum (UFSC) fala sobre a ação da organização estadunidense para fomentar organizações de direita na América Latina.

.Financeirização da Educação. No podcast Dilemas do Sul, Lauro Allan Almeida e Roberto Leher discutem os resultados da pesquisa do Instituto Tricontinental sobre a mercantilização da educação brasileira.

.Roger Waters: uma conversa sobre ameaças reais à humanidade. Amor, vida, desespero e destruição da humanidade. A nova turnê do ex-Pink Floyd é marcada pelo tom explicitamente político. No Le Monde Diplomatique.

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

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