Nesta semana que passou, tomada pelo pessimismo, verbalizei um pensamento horrível: "O melhor que pode acontecer para o Brasil nesse momento é a vitória do Bolsonaro". De forma irrefletida, me passou pela cabeça que seria justo que ele arcasse com as consequências da tragédia que provocou e tivesse de governar um país sem capacidade de investimento, com restrições no orçamento, inflação em alta e uma população cada vez mais empobrecida. Injusto, pensei, seria que esse Brasil em frangalhos tivesse de ser reconstruído por um governante do campo progressista. Se o desgaste político recai sobre quem está no poder, que seja sobre Bolsonaro, cravei, escorpiana que sou.
Evidente que análises complexas não podem ser feitas com o fígado e de forma superficial, como eu fiz naquele momento. E que uma vitória de Bolsonaro seria o aprofundamento da tragédia que já vivemos e o fim da nossa débil democracia. Um novo estudo do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo, o Laut, indica que a reeleição de políticos autoritários ajuda a destruir mais rapidamente a democracia em seus países. Chancelados pelas urnas, governantes como Bolsonaro não têm quem os impeça de radicalizar as pautas lançadas no primeiro mandato. Imagine mais quatro anos (no mínimo) com Paulo Guedes na Economia, o MEC entregue a fanáticos religiosos e de moral duvidosa, a Cultura nas mãos de ex-ídolos adolescentes rancorosos, e com milhares de militares acampados em cargos de nomeação política, interferindo nas questões indígenas e ganhando salários acima do teto.
Óbvio, eu estava errada – mas nem tanto. É preciso que tenhamos claro que, mesmo com a provável volta de Lula ao poder, não há nenhuma perspectiva de que a situação do país melhore em curto ou médio prazos. Fico aflita ao ver gente ao meu redor imaginando que o trabalho de resgatar o Brasil termina nas eleições – votar será só o começo dele.
No início da semana passada, a previsão de inflação para 2023 subiu pela 16ª semana seguida. A expectativa, que antes era de 5,2%, agora é de 5,3%, e a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto caiu. O governo federal sinalizou um bloqueio adicional de R$ 6,73 bilhões no orçamento dos ministérios da Saúde e da Educação, para tentar cumprir os limites impostos pelo teto de gastos após a demagogia eleitoreira de aumentar as despesas públicas com o Auxílio Brasil. A conta disso tudo ficará para quem chegar ao Palácio do Planalto no ano que vem.
É possível, ainda, que o próximo presidente não tenha toda a receita que viria da Petrobras, do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa, porque Bolsonaro pediu que as principais e mais lucrativas estatais federais antecipassem agora parte dos dividendos que pagariam apenas em 2023. É uma evidente pedalada fiscal na tentativa de neutralizar os efeitos da PEC Kamikaze. Essas bombas, armadas agora, só vão explodir a partir de 2023.
E sabe o Auxílio Brasil de R$ 600? O projeto da lei orçamentária de 2023 não prevê que o valor seja mantido (apesar de Bolsonaro ter prometido isso no lançamento de sua candidatura à reeleição). O secretário de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, disse que a proposta será apresentada com o valor de R$ 400 e que a decisão sobre aumentar a quantia será tomada somente depois do resultado das eleições. Quer dizer: se perder, como parece provável agora, que interesse Bolsonaro e sua turma de liberais de terceira divisão teriam em manter o benefício elevado, quando podem reduzi-lo e ver a culpa recair sobre o sucessor?
Na outra ponta, após cinco meses recebendo R$ 600 mensais, a população que mais sofre com a crise econômica vai ter que se virar com um benefício mais de 30% menor. E muita gente seguirá endividada com empréstimos consignados, cujas parcelas são descontadas diretamente do Auxílio Brasil com juros absurdos de 85,99% ao ano.
E não podemos nos esquecer do orçamento secreto e do controle dos investimentos públicos que Bolsonaro entregou ao Centrão de Arthur Lira, Ciro Nogueira, Ricardo Barros e gente igualmente "fina e da melhor qualidade" em troca de se salvar do impeachment. Sim, quem na prática governa o Brasil, hoje, é a bancada do Centrão, e essa turma deverá se reeleger em peso, turbinada pelas emendas gordas do orçamento secreto, e certamente tentará manter tudo como está em 2023.
É por tudo isso que estou segura de que os próximos anos não serão fáceis. A instabilidade política, econômica e social causada por Bolsonaro continuará afetando o país. Caçadores, atiradores e colecionadores, os tais CACs, seguirão armados até os dentes, as polícias militares deverão digerir mal uma eventual derrota de Bolsonaro, as Forças Armadas dificilmente irão voltar aos quartéis e trabalhar em vez de se meterem na política. Em suma, Bolsonaro pode perder, mas o bolsonarismo vai resistir por um bom tempo. Devemos ter claro que a situação ainda piora antes de começar a melhorar, porque não há salvador da pátria que consiga reverter tantos danos tão rápido quanto queremos e precisamos. O estrago já está feito, e ele é enorme.
Além de derrotar Bolsonaro, é preciso que tentemos ajudar na reconstrução do país, no restabelecimento das instituições democráticas e, principalmente, na melhoria da representação popular no Congresso Nacional.
É fundamental, também, garantir que Bolsonaro seja punido pelos seus crimes. O Centrão já trabalha para evitar isso, articulando uma proposta de emenda à Constituição que concede um cargo vitalício aos ex-presidentes, impedindo que sejam presos quando deixarem o poder. Se isso for aprovado, além de não enfrentar os problemas que causou ao país, Bolsonaro pode ficar impune e ter chances de voltar ao poder, se aproveitando das dificuldades que seu governo irá causar a quem quer que venha a sucedê-lo. Duvida? Olhe para Donald Trump nos Estados Unidos.
Portanto, a má notícia é que Bolsonaro sai ganhando mesmo se for derrotado. Mas nada disso pode nos fazer deixar de lutar pela derrota dele. Afinal, a boa notícia ao nosso alcance, agora, é a possível chegada ao poder de um presidente comprometido com a democracia e a justiça social. Depois disso, sim, podemos renovar as esperanças para o duro trabalho que nos espera. |
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