por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile
Ô, abre alas
Olá, até agora, Lula foi mestre-sala e porta-bandeiras. Mas a avenida quer ver se Fernando Haddad sabe sambar.
.Tristeza, por favor, vá embora. O primeiro carnaval após a pandemia não será lembrado pela alegria extravasada, nem por sambas enredos, mas pela tragédia no litoral paulista: cerca de cinquenta mortos e outros quinhentos desabrigados. É verdade que o governo Lula agiu de uma maneira que nem lembrávamos que os governos deveriam se comportar: suspendendo a folga, deixando divergências políticas de lado com o governador paulista e agindo rápido e de forma articulada entre os ministérios. Wellington Dias agilizou a liberação do Bolsa Família para as vítimas, Fernando Haddad destinou apreensões da Receita Federal para os atingidos e Simone Tebet antecipou os saques do FGTS e prioridades no Minha Casa, Minha Vida. Além disso, o governo pretende reformular as políticas de prevenção e socorro às tragédias, melhorando também o sistema de alertas. Evidentemente, também não é possível deixar de colocar a conta no apagão político e orçamentário do governo anterior: os recursos para prevenção de desastres naturais são os menores dos últimos 14 anos. Porém, ações emergenciais não irão solucionar o verdadeiro problema: a crise climática, que junto com a especulação imobiliária e a urbanização desenfreada, gera desastres no sudeste, enquanto a estiagem castiga as populações no sul. Como alerta o climatologista Carlos Nobre, sem medidas reais para efetivar o Acordo do Clima, as tragédias ambientais serão cada vez mais frequentes. E, como escreve Michel Lowy, as consequências não estão distantes como a sobrevivência dos ursos polares ou as geleiras no Polo Norte, mas nas periferias das grandes cidades. Nem as soluções são individuais ou paliativas. Grace Blakeley resume, “o capitalismo não vai resolver a crise climática”. E, enquanto no Brasil o modelo produtivo do agronegócio gera mais um surto de “vaca louca” que afeta as exportações de carne, a próxima crise está a caminho: a gripe aviária já atinge dez países do continente.
.Tá na zona de perigo. Para o ministro da Fazenda Fernando Haddad o ano começa mesmo depois do carnaval. O conflito sobre a taxa de juros que opôs Lula e Campos Neto, no qual Haddad pôde manter uma confortável posição mediadora, foi apenas uma amostra do que está por vir. Porém, para consolidar sua posição como peça-chave no governo, ele terá que vencer as próprias batalhas, além da forte concorrência dentro da equipe econômica, que incluem a ministra do Planejamento Simone Tebet, o presidente do BNDES Aloizio Mercadante, e o novo aliado de Lula na batalha contra os juros, André Lara Resende. Ironicamente, a postura mediadora de Haddad fez com que o mercado, que antes o temia, agora o veja como um potencial aliado. Mas será difícil manter a amizade com gregos e troianos. A grande aposta do petista é se cacifar resolvendo, ainda em março, o imbróglio da regra fiscal, através de um meio-termo que garanta investimento estatal, crescimento econômico e equilíbrio fiscal. Isso contemplaria, ao mesmo tempo, as expectativas de Lula e do mercado. A mesma estratégia poderia ser usada para a nomeação dos dois diretores do Banco Central a serem indicados pelo governo. O problema é que, com uma previsão de crescimento de menos de 1% para este ano, inflação nas alturas e com o Brasil batendo recordes mundiais nas taxas de juros, o cenário econômico dá mais razão para as críticas de Lula do que para as moderações de Haddad. E tanto a regra fiscal quanto a reforma tributária, que não tem hora para sair do papel, dependerão da boa-vontade do Congresso que ainda não foi testada. Lula conta que as negociações em curso com uma parcela de ex-bolsonaristas pragmáticos do centrão consolidem uma base de apoio não oficial para aprovar suas propostas de governo. Mas além de maioria parlamentar, o governo precisa superar um país dividido e manter a popularidade alta, e é por isso que ele pisa no acelerador para entregar aquilo que prometeu, seja negociando com o Congresso, seja através de decretos. Enquanto isso, Haddad vai descascando os abacaxis que aparecem, como o fim das isenções sobre os combustíveis, que todos já esperavam, mas que ninguém sabe como resolver, o que deve aumentar a inflação e pode gerar insatisfação popular. Mas, se em casa as coisas estão difíceis, o prestígio do governo Lula na comunidade internacional traz um alento para a equipe econômica que participa da reunião do G20 e se prepara para assumir a presidência do Grupo no final deste ano.
.Adeus, capitão! É do cenário internacional também que vem o exemplo de como combater as fake news no Brasil. Lula aproveitou a conferência da Unesco em Paris para anunciar que pretende propor uma regulamentação das redes sociais inspirada na legislação europeia. A ideia é responsabilizar as grandes empresas de comunicação, como Facebook, Google e Twitter, pela disseminação de fake news e discursos de ódio através das redes. Claro que a medida tem motivações internas, especialmente depois do atentado de 8 de janeiro em Brasília. De imediato a proposta de Lula teve repercussões importantes no Legislativo e no Judiciário, ganhando o apoio de ministros do STF e recolocando em pauta na Câmara dos Deputados o projeto de combate às fake news de autoria de Orlando Silva (PCdoB - SP) já aprovado pelo Senado. Mas o discurso de Lula também tem uma dimensão global, já que o problema não é só brasileiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Suprema Corte está julgando a responsabilidade do Google na disseminação de ideias extremistas que contribuíram para os atentatos de 2015. Nesse sentido, Lula soma esforços para conter o avanço da extrema-direita no mundo e, ao mesmo tempo, reivindica uma maior participação dos países emergentes na economia de dados e nas redes mundiais de informação e comunicação. Enquanto isso, o governo faz o tema de casa. O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania criou um grupo de trabalho para combater discursos de ódio e extremismo com a participação de especialistas da sociedade civil e o Ministério da Justiça recolocou uma pedra no sapato do bolsonarismo ao reabrir as investigações sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Ao mesmo tempo, é preciso investir na sua própria comunicação, deixando para trás os tempos das “lives de Bolsonaro” e apostando (quem sabe?) num podcast de Lula.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.Valores e comportamentos sociais são os principais fatores para divisão política no Brasil. Em entrevista para o GGN, o diretor da Quaest, Felipe Nunes, explica as origens da polarização política no país.
.Em 1945, sob condições adversas, um doutor preto paulistano se forma em Direito pela USP. O Jornal da USP recupera a história do advogado Francisco de Assis Martins, pioneiro da presença negra num ambiente ainda hoje elitista.
.O verão é melhor com o socialismo. Na Jacobin, Liza Featherstone escreve sobre quais eram as diferenças das férias e do tempo livre para os trabalhadores na União Soviética e nos Estados Unidos.
.Versões de Exu. Na QuatroCincoUm, uma resenha do livro “Tradução Exu” de Guilherme Gontijo Flores e André Capilé sobre como a diversidade cultural e religiosa formou a divindade afro-brasileira.
.Funk é literatura. No UOL, como o funk mudou uma zona de conflitos de facções em Manaus.
.“Não dá para fugir dessa coisa de pele”. Na Piauí, o documentário sobre a vida e a luta de Beth Carvalho contra o racismo e pela democracia.
Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
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