No passado fim-de-semana, o presidente estadunidense, George W. Bush, enviou ao Congresso uma proposta de “resgate” do sector financeiro por 700 mil milhões de dólares, adicionais aos 285 mil milhões destinados pela Reserva Federal ao saneamento das empresas hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac. O dinheiro solicitado serviria para a aquisição discricionária e sem controle, por parte do Departamento do Tesouro, de “activos daninhos”, “dívidas más” e carteiras vencidas, especialmente no sector imobiliário. Dizendo de forma clara, a iniciativa de Bush consiste em que o Estado adquira dívidas privadas e as reparta entre o conjunto da população em geral, o que representaria um prejuízo per capita de 2 mil dólares.
O descaramento desta solicitação sacudiu a classe política de Washington, já que resulta evidente que, ao amparo do “resgate” proposto, desapareceriam centenas de milhares de milhões de dinheiro público num poço sem fundo de corrupção, favoritismos e cumplicidades, tal e como ocorreu há uma década no México, quando a administração zedillista arquitectou o salvamento da banca privada com encargo para os contribuintes em geral. Para cúmulo, existe o precedente da forma inescrupulosa como a Casa Branca geriu as somas multimilionárias destinadas à guerra contra o Iraque, boa parte das quais foram parar a contratos duvidosos ou inexistentes em benefício de corporações do círculo presidencial mais próximo, particularmente a Halliburton, da qual o vice-presidente Dick Cheney foi director-geral. Em tais circunstâncias, salientam-se as reacções de rejeição à iniciativa por parte do candidato presidencial democrata, Barack Obama, e até do republicano, John McCain, urgido a distanciar-se das corruptelas, ineficiências e torpezas do actual governo, encabeçado pelo seu correligionário.
Um terceiro elemento que explicaria as reservas geradas pelo plano citado é a arrogância e o despotismo com que foi apresentado - sem uma só justificação, sem um programa, sem critérios para a aplicação dos fundos - no que constitui a expressão de uma presidência acostumada, desde Setembro de 2001, a actuar sem contrapesos, a atropelar os direitos básicos e a que o Legislativo e o Judicial lhe outorguem toda a espécie de “poderes especiais” com o pretexto de “combater o terrorismo”. De resto, nos termos em que está proposta, a iniciativa de Bush permitiria aos grandes capitais sair indemnes das consequências desastrosas da sua própria voracidade, mas não ajudaria em nada os cidadãos que perderam ou estão a ponto de perder as suas moradias, no contexto da crise imobiliária que sacode o país vizinho. Neste aspecto, o “resgate” proposto pela Casa Branca também se parece com a operação Fobaproa-Ipab projectada e aprovada pelos priístas e panistas [1] no nosso país.
Para além de considerações éticas - que nunca foram o forte do actual governo estadunidense -, eleitorais, políticas e sociais, é claro que, a aprovar-se o “resgate” proposto pelo ainda presidente dos Estados Unidos, o gasto público sofreria uma reorientação radical para favorecer os accionistas e executivos das grandes firmas financeiras, inúmeros programas sociais e de criação de infra-estruturas seriam paralisados e multiplicar-se-iam, em consequência, os elementos recessivos para uma economia já por si afectada pela crise hipotecária e pelos altos preços dos combustíveis. Por isso, esta proposta de saque do erário estadunidense está muito distante de ter assegurada a sua aprovação legislativa.
Na medida em que uma agudização dos problemas da economia estadunidense teria repercussões graves e indesejáveis no resto do mundo e, particularmente, no nosso país - por muito que as mais altas autoridades mexicanas se empenhem em minimizar de forma irresponsável a preocupante conjuntura -, cabe esperar que o sentido comum prevaleça e que as acções para reorganizar o sector financeiro estadunidense, sem dúvida necessárias, resultem muito diferentes da proposta que a Casa Branca enviou ao Capitólio no sábado passado e que parece, à luz do historial de apropriação privada de dinheiros públicos que caracteriza a actual administração, a tentativa de fazer um último grande negócio por parte da máfia empresarial que rodeia o actual presidente.
[1] Membros dos partidos mexicanos PRI e PAN, respectivamente (nota IA).
Origem: La Jornada
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