quinta-feira, 25 de setembro de 2008

ARTIGO - Einstein, Roosevelt, o FBI e a bomba-A.


A referência de Helio Fernandes, em sua coluna da Tribuna ontem, ao cientista Albert Einstein (na foto, com o amigo Leo Szilard, que teve papel-chave no episódio) e à construção da bomba atômica sugere revisitar uma questão histórica paradoxal. Einstein não participou da construção da bomba e envolveu-se apaixonadamente mais tarde - em 1945, de novo junto com Szilard - num movimento dos cientistas para impedir que ela fosse usada contra o Japão.

O paradoxo é que a bomba foi construída, em parte, devido à intervenção pessoal dele junto ao presidente Franklin Roosevelt. Ainda na Alemanha, Einstein tornara-se celebridade internacional em 1919. Sua teoria geral da relatividade fora validada então, durante um eclipse solar. Libertário, meio anarquista, próximo a grupos comunistas e muito corajoso, ele também era definitivamente pacifista e duro crítico das guerras.

Ao perceber o rumo que a Alemanha tomava, Einstein - como outros cientistas - decidiu emigrar para os EUA, onde o Departamento de Estado já tinha recebido, em 1932, uma carta de 16 páginas, de um grupo de “mulheres patriotas”, recomendando não ser autorizada a entrada dele no país. “Nem o próprio Stalin”, dizia a carta, era filiado a tantas “organizações anarco-comunistas”.

O temor à superarma nazista

A carta “patriótica” tornou-se o primeiro documento da pasta aberta pelo Bureau Federal de Investigações (FBI) sobre Einstein, vigiado nos 22 anos seguintes - até morrer, em 1955, com 76 anos (veja AQUI como o FBI relata uma entrevista feita com Einstein em 1940; e tente ver AQUI, em PDF, os documentos da pasta do FBI). Em 1933, quando Hitler chegou ao poder, ele viajou para os EUA e se integrou ao Institute of Advanced Studies, da Universidade de Princeton, Nova Jersey. Tambem o húngaro Szilard resolvera fugir da Alemanha em 1933, mas preferiu inicialmente ir para a Grã Bretanha.

Preocupado com o avanço das pesquisas sobre fissão nuclear (e reação em cadeia), Szilard, que era muito ligado a Einstein e tinha boa capacidade de mobilização, alertou os britânicos para o risco de cientistas serem usados na Alemanha para fazer a bomba. Em 1938, acreditando não haver receptividade na Inglaterra para a idéia de se antecipar aos alemães, Szilard aceitou convite para trabalhar na Universidade de Columbia, em Nova York, com Enrico Fermi (leia AQUI uma cronologia biográfica de Szilard e saiba mais AQUI sobre o que foi o Projeto Manhattan).

Como ele e Fermi, outros cientistas familiarizados com o assunto achavam que era preciso levar aquela preocupação sobre o risco de uma bomba atômica alemã ao próprio presidente Franklin Roosevelt. Szilard conseguiu então convencer Einstein a assinar uma carta, cujo teor discutiu com Alexander Sachs, financista fascinado pelos físicos atômicos, além de amigo e conselheiro econômico de Roosevelt.

A carta de duas páginas, reproduzida acima, foi redigida com a ajuda de Sachs, que antes tinha passado algum tempo buscando familiarizar Roosevelt com o tema, para convencê-lo sobre a hipótese de se desenvolver a arma nuclear (leia a transcrição AQUI e saiba mais sobre o papel desempenhado por Szilard). Quando a carta, com data de 2 de agosto de 1939, foi finalmente entregue a Roosevelt por Sachs no dia 11 de outubro, o presidente já sabia muito sobre a fissão do urânio e estava consciente do grave perigo de uma bomba alemã.

O veto do FBI ao cientista

A carta era bem objetiva. Começava com uma referência ao trabalho de Fermi e Szilard, depois relacionava o que devia ser feito na prática para desenvolver a arma e, no último parágrafo, especulava sobre o que poderia estar sendo feito na Alemanha (fora suspensa a venda de urânio das minas tchecas, ocupadas), em especial o trabalho em andamento no Instituto Kaiser-Wilhelm de Berlim.

Na curta resposta a Einstein, datada de 19 de outubro, Roosevelt disse considerar de tal importância aqueles dados que reunira equipe integrada pelo diretor do Bureau of Standards e representantes do Exército e Marinha para uma discussão ampla sobre as possibilidades da sugestão relacionada ao urânio. “Tenho o prazer de informar que o dr. Sachs vai cooperar e trabalhará com a comissão. Essa é a maneira mais prática e eficaz de enfrentar o problema. Por favor, aceite meus sinceros agradecimentos”, concluía.

Cópias das duas cartas estão expostas hoje no museu do Laboratório Nacional de Los Alamos, perto de Santa Fé, Novo México, onde estive em 1995, no 50° aniversário da explosão da primeira bomba atômica. Mas nada ali conta outra parte da história: em 1940 o Exército incluiu Einstein na lista de cientistas que trabalhariam no projeto e o nome dele acabaria praticamente vetado pelo FBI.

O diretor J. Edgar Hoover, na resposta ao Exército, relacionou as atividades esquerdistas ou pacifistas dele e anexou uma síntese biográfica facciosa, sem data nem assinatura, talvez redigida por agentes direitistas do FBI que agiam na Alemanha. Entre outras coisas, dizia que em Berlim o apartamento de Einstein no início da década de 1930 era “um covil comunista” e sua casa de campo um “esconderijo de enviados de Moscou”.

A campanha contra a bomba

Pouco depois, numa carta de julho de 1940, o Exército negou a autorização para ele trabalhar no projeto. Quando o cientista soube que o trabalho começara, ficou desapontado por ter sido excluído; mas aceitaria com entusiasmo, em 1943, convite da Marinha para ser consultor sobre “grandes explosivos”. Também Helen Dukas, secretária dele, era então vigiada pelo FBI como “altamente suspeita”.

Capítulo fascinante dessa história foi o envolvimento posterior de Einstein - com cientistas que trabalhavam ou tinham trabalhado no projeto da bomba-A, até o próprio Leo Szilard - no esforço contra o uso da bomba. Einstein chegou a escrever outra carta, pouco antes da morte de Roosevelt, aparentemente não lida por ele (conheça AQUI todas as quatro cartas de Einstein a Roosevelt). Àquela altura a pasta do cientista no FBI já era alentada. Ficaria ainda pior depois da prisão em 1950 do físico Klaus Fuchs, acusado de passar segredos atômicos aos russos.

Nesse ano o FBI ampliou a vigilância sobre Einstein depois da participação dele no primeiro programa de TV da ex-primeira dama Eleanor Roosevelt, para discutir os perigos da corrida armamentista. Hoover ordenou ampla investigação, até com a inclusão de boatos infamantes - como a história mentirosa de que em Berlim seu escritório nos anos 1930 passava mensagens em código para espiões russos (na época ele sequer tinha escritório, trabalhava em casa).

Esses e outros detalhes sórdidos da ação do FBI são conhecidos desde 1983, graças ao professor Richard Alan Schwartz: com base na Lei de Liberdade de Informação, ele conseguiu liberar 1.427 páginas da pasta de Einstein, ainda parcialmente censurada. E em 2002 o escritor Fred Jerome lançou The Einstein File: J. Edgar Hoover’s Secret War Against the World’s Most Famous Scientist, o livro (veja a capa ao lado) que afinal devassou “a guerra secreta de Hoover contra o mais famoso cientista do mundo” (saiba mais AQUI sobre o livro e leia AQUI a reportagem publicada em 2002 pelo New York Times).

Fonte: Blog do Argemiro Ferreira.

Nenhum comentário: