Escrito por Wladimir Pomar
Tanto a nova expansão capitalista quanto a ambigüidade e o paradoxo chinês têm embaralhado o raciocínio da esquerda e da direita, por não se encaixarem nas teorias liberais clássicas e nem nas teorias marxistas mecânicas. Os que leram Marx, nos dois lados, sob a ótica da lógica formal e não da lógica dialética, não conseguem ver em ambos os fenômenos o processo combinado, mas contraditório, de desenvolvimento do capital e do socialismo.
Os teóricos do capital se esmeram em reassegurar a eternidade da contínua revolução desse modo de produção, de "aplainamento" do mundo sob sua égide e dos milagres do mercado para sanar problemas. Para eles, a teoria de Marx sobre as crises de reprodução do capital fora ultrapassada pela "maturidade dos mercados". Porém, esta suposição está rolando ladeira abaixo diante da atual crise com epicentro no coração do capitalismo norte-americano.
Os grandes bancos norte-americanos e europeus, e as autoridades financeiras de seus países, acostumaram-se a fazer críticas ácidas sobre a fragilidade do sistema financeiro dos países mais pobres. A respeito do sistema financeiro chinês, em especial, proclamavam que ele desabaria, a qualquer momento, em virtude dos "créditos podres" que tinham em carteira. Com isso, procuraram impor a privatização dos sistemas financeiros nacionais e maior abertura à ação dos bancos estrangeiros.
Governos de alguns países capitularam essas pressões. Outros, porém, embora admitindo a existência das fragilidades apontadas, fortaleceram seus sistemas financeiros, aplicando medidas diferentes das exigidas pelos bancos e governos do capitalismo central. O irônico disso tudo que estes não tenham aplicado nada do que receitavam aos demais.
Nem poderiam, em virtude das leis férreas de desenvolvimento desigual do capital e das dificuldades do capitalismo desenvolvido, em contraste com o capitalismo dos países em desenvolvimento. O sistema financeiro do capitalismo norte-americano atolou-se num oceano de créditos podres, na tentativa desesperada de manter um mercado interno pujante, tendo por base um sistema de crédito que não tinha sustentação num poder aquisitivo real.
Esse é um indício de que o capitalismo central começa a chegar naquele ponto em que precisa sustentar aqueles que deveriam ser a base de sua reprodução. Enquanto podia explorar livremente a periferia ou fazer guerras que catapultavam seus lucros, tal sistema ainda funcionava sem grandes traumas. Porém, à medida que a periferia do capitalismo se tornou competidora, e não tributária do capitalismo central, os problemas se agravaram. E, como previu Engels, também parece estar chegando a época em que as guerras, em virtude dos custos dos armamentos, podem afundar os países que as promovem ao invés de trazer-lhes vantagens.
A solução momentânea é a intervenção direta do Estado. Isto subverte e coloca em transe todas as teorias do liberalismo e do neoliberalismo. Seu problema consiste em que a intervenção do Estado norte-americano não tem por base a taxação sobre as grandes fortunas e as riquezas das corporações transnacionais, mas sim a taxação sobre as grandes massas da população. Estas, sem poder aquisitivo para realizar a circulação da produção, como vão financiar o rombo dos bancos?
Essa crise do capitalismo central quase certamente não será a crise final. Ela vai abalar o capitalismo disseminado pelo mundo e pode até ser sinal de um longo processo de estertores. Mas, da mesma forma que as anteriores, trará muitas surpresas, em especial para os que não leram Marx com atenção dialética.
Fonte: Correio da Cidadania.
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